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4.2 PRÁTICAS DE LEITURA

4.2.4 Leitura em voz alta individual

Verificamos que as rotinas de leitura em voz alta individual, em ambas as escolas, foi utilizada em algumas situações para avaliar o desempenho dos alunos. Essas rotinas foram as práticas menos privilegiadas e representaram 17,40% dos eventos na Escola A e 11,12% dos eventos na Escola B. Nesses eventos observamos a leitura de palavras, frases e textos, cujos gêneros abordados foram fábula, poema e artigo enciclopédico; e tiveram como suportes livros didáticos e folhas xerocopiadas.

O modo como as professoras de ambas as escolas conduziam os eventos de leitura em voz alta individual assemelharam-se quanto às escolhas dos suportes e nas intervenções quanto à postura e oralidade das crianças. Notamos também que para a leitura em voz alta individual desenvolvida na Escola A as professoras sempre recorriam às alunas C, M e L, para que estas fizessem a leitura dos textos. Acreditamos que a escolha de tais alunas deve-se ao fato de as três já possuírem o domínio da leitura e da escrita. No entanto, também presenciamos a participação dos demais alunos em outros momentos. As leituras foram realizadas com base nas frases que haviam sido elaboradas pelos próprios alunos.

A atividade de leitura em voz alta proposta pela Professora A1 foi realizada no dia 6/5/2009. A atividade iniciou-se no começo, após a entrega das frases produzidas

pelos alunos a respeito das informações sobre os tigres. A Professora A1 conduziu a atividade solicitando aos alunos que fizessem a leitura silenciosa das frases, logo após deu início à leitura em voz alta individual, conforme os diálogos abaixo:

PA1: todo mundo leu? ... agora que vocês leram ... eu vou chamar aqui na frente para todo mundo ouvir ... tem que ler bem bonito e alto hein:: ... vem V.

V: o tigre ... é mamífero ... e é da ... família ... dos felinos

PA1: muito bem – agora ((ficou olhando as folhas)) outro sem nome ... eu acho que é do LF ... vem lê o que você escreveu LF

LF: o tigre ((ficou olhando para a folha)) ... ele brinca PA1: a onde que ele brinca?

[

G: na água PA1: é LF::?

LF: na floresta ((ficou se mexendo))

PA1: pois é ... copiou ... por isso não tá sabendo ler ... vai ((entregou o texto e pediu para o aluno sentar)) – MJ ... lê alto ... ((abaixou a folha da mão da aluna para que o seu rosto aparecesse)) MJ: o tigre

[

PA1: psiu::

MJ: o tigre é da família dos felinos ... ou canídeos PA1: agora a CL já sabe o que escreveu ... vem CL agora CL: ((a aluna foi mas não soube ler))

PA1: senta CL ... vem J ... vamos ouvir ... abaixa o papel J J: ((levantou e foi a frente da sala, ficou olhando a folha))

PA1: vai ... o que você escreveu? ... vai lê ... ((tirou o papel do rosto do aluno)) ... oh:: a gente não coloca o papel no rosto ... se não as pessoas não entendem ... a boca tem que ficar livre se não o som:: bate no papel e volta ... não propaga aqui na sala ... então tem que abaixar assim e olhar pra ler

(Diário de Campo. 6/5/2009). À medida que os alunos liam, a professora recolhia os textos. Observamos que as produções de texto das crianças continham informações e curiosidades sobre os tigres. Esse evento demonstra que a finalidade desta tarefa foi a de avaliar a leitura dos alunos e sua postura corporal, o que ficou óbvio na medida em que chamava a atenção das crianças a respeito da entonação utilizada durante a leitura oralizada, no modo de segurar a folha e de se posicionar diante do grupo.

Semelhante à Professora A1, constatamos que a Professora B também preocupava- se com a postura dos alunos durante a leitura. Quanto às rotinas de leitura em voz

alta realizadas pela professora na Escola B, observamos que estas estavam interligadas às rotinas de leitura silenciosa e coletiva. O evento de leitura realizado no dia 20/10/2209 demonstra como eram conduzidas tais rotinas. O texto escolhido pela professora B fazia parte da quarta unidade didática do livro “Língua e Linguagem”. Notamos que os textos desta unidade enfatizavam o gênero literário poesia. O texto selecionado foi “As Tias”, de autoria de Elias José.

Fotografia 60 - Atividade de leitura no livro didático realizada no dia 20/10/2009 na Escola B.

Após a leitura silenciosa e em voz alta coletiva, a Professora B pediu aos alunos que fizessem novamente a leitura silenciosa do texto, explicando que iria tomar a leitura. A Professora B, a fim de estimular os alunos, disse: “Quem ler tudo ... sem gaguejar ... vai ganhar uma surpresinha”. Observamos que era uma prática comum da professora B fazer promessas para os alunos de lhes dar algo, porém, ao final das atividades, a Professora B não cumpria tais promessas.

Ao término do tempo estipulado para a leitura silenciosa, a professora solicitou a leitura em voz alta individual dos alunos. Observamos que ela escolhia as crianças e solicitava que elas lessem em voz alta partes do texto. O primeiro a fazer a leitura foi o aluno LS, que leu bem baixinho, sendo interrompido pela professora:

(Diário de Campo. 20/10/2009).

Professora B: lê AL::to

O aluno leu o primeiro parágrafo com uma voz um pouco mais alta. A professora, em seguida pediu para a aluna R prosseguir a leitura. Ela leu muito bem o segundo parágrafo. O aluno I leu o terceiro parágrafo, L e DJ leram o quarto parágrafo. O aluno Ke, e nesse momento a professora pediu a ele que lesse num tom mais alto.

Professora B: LÊ Alto ... LÊ alto ... você já sabe ler::

O aluno assim o fez. A aluna V continuou o próximo parágrafo. Em seguida, a professora pediu que a aluna Y continuasse a leitura, porém esta não leu bem. A professora pediu então para ela se concentrar e ler novamente. Ao ver que a aluna estava lendo devagar e com erros, ela disse:

Professora B: pela segunda vez Y. não sabe ... Lê V.

A aluna V deu continuidade à leitura. O próximo aluno escolhido foi K. Ressaltamos que esse aluno apresentava muita dificuldade de apropriação da língua escrita. A solicitação não foi atendida, pois esta criança não domina esse conhecimento. A professora logo disse:

Professora B: K.... tam::bém:: não sabe ... então K e Y ... só vão sair na hora que lê o poema todo

Os alunos ao ouvirem isso ficaram atônitos. Os demais faziam caretas ou balançavam a mão, demonstrando o sentimento de medo de serem os próximos a ficarem na sala. A Professora B pediu ao aluno P para dar continuidade à leitura, mas, ao perceber que o aluno lia devagar e gaguejando, disse:

Professora B: P. .. também vai ficar na sala ... só vai sair se ler o texto todo

Outros alunos também não conseguiram ler o texto, entre eles W, LM, D, e LF. A professora então disse:

Professora B: OH:: ... W. ... D ... K ... Y ... L ... P ... só vão sair quando lê o poema todo

Ressaltamos que as crianças apontadas pela professora não tinham ainda domínio da leitura e da escrita. Durante nossa inserção em campo, não notamos intervenções realizadas pela professora B que pudessem ajudá-los a aprender. Tais alunos eram estigmatizados, ridicularizados pelo grupo e rotulados como preguiçosos e relaxados diariamente.

Desse modo, os eventos citados nos revelam que as leituras realizadas pelos alunos em ambas as escolas quase não possibilitaram situações de interação com os textos, nem os sentidos atribuídos pelo leitor foram discutidos. A leitura ficou restrita ao cumprimento de tarefas, avaliação e ocupação do tempo. Notamos também que o texto foi utilizado como pretexto para ensinar as unidades da língua. Os textos “[...] não respondem a nenhum interesse mais imediato daqueles que sobre os textos se debruçam” (GERALDI, 1997, p. 168); utiliza-se os textos para ensinar o significado de palavras, para avaliar a postura e a leitura.

Observamos que as perguntas formuladas pelas professoras após as leituras foram retiradas das próprias propostas de diálogos contidos nos livros didáticos, o que nos faz refletir sobre a necessidade do corpo docente da escola em escolher livros didáticos que possibilitem o diálogo com os textos, enriquecendo, assim, o processo de ensinoaprendizagem. Mais uma vez, enfatizamos a necessidade da formação docente para que os professores se apropriem de novos conhecimentos e perspectivas que concebem a língua como “[...] um elo na cadeia da comunicação discursiva” (BAKHTIN, 2003, p. 300), como enunciados produzidos por sujeitos situados em um dado contexto histórico, social e cultural, sujeitos que apresentam no processo discursivo atitudes ativas e responsivas.

Tomando o conceito de Bakhtin (2003) a respeito dos enunciados, iremos, a seguir, abordar a produção de textos, que foi a dimensão da alfabetização menos enfatizada pelas professoras.