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A leitura e o leitor

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1.4 As formas de apropriação da Internet pelos jovens

2.1.1 A leitura e o leitor

A leitura, segundo Mitchel (1982, apud FISCHER, 2006), configura-se na “capacidade de extrair sentido de símbolos escritos ou impressos” (p. 11). Nesse sentido, é atividade de extrema complexidade, pois envolve fatores sociais, ambientais, culturais e ideológicos, além dos conhecimentos fonéticos e semânticos que o leitor deve ter.

Exatamente por isso, ler é um ato que apresenta grande variabilidade de pessoa para pessoa, de situação para situação, dependendo dos símbolos a serem decifrados, que foram voluntariamente (ou não) inscritos pelo autor.

Para alguns, a leitura pode ser ato de descoberta, atividade desafiadora ou, ainda, provocadora de prazer. Mas, ao mesmo tempo, é também atividade que garante assimilação de conhecimentos, como também de reflexão. Por meio do texto, leitor e autor interagem de acordo com interesses e afinidades, a partir de finalidades estabelecidas na convivência social.

Ler um texto escrito exige, do leitor e do autor, mais que apenas conhecimento linguístico. Koch e Elias (2006) explicam da seguinte forma:

A leitura de um texto exige mais que o simples conhecimento lingüístico compartilhado pelos interlocutores: o leitor é, necessariamente, levado a mobilizar estratégias tanto de ordem linguística, como cognitivo- discursiva, com o fim de levantar hipóteses, validar ou não as hipóteses formuladas, preencher as lacunas que o texto apresenta, enfim, participar, de forma ativa, da construção do sentido. Desta forma, autor e leitor devem ser vistos como 'estrategistas' na interação pela linguagem (p. 6)

Leitor e autor mantêm, dessa forma, uma relação de proximidade, resultante da interação e da proposição de estratégias de entendimento para o texto escrito e lido. Por isso mesmo a leitura não pode ser encarada apenas como decodificação de signos, como uma atividade mecânica, marcada por uma atitude passiva. Freire (1985) já dizia:

A leitura de mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto (p. 11-12).

A leitura de mundo acontece antes, durante e ainda depois da leitura do texto escrito ou dos signos escritos, pois representa tudo aquilo que tem significado para o indivíduo, tudo o que o cerca, trazendo sentidos à sua vivência diária.

A leitura como decodificação de signos compreende apenas a primeira etapa para se adquirir a percepção do assunto. Depois, é necessária a interpretação, a compreensão, a partir do que emerge da “leitura de mundo”, que pode extrapolar os significados do texto, pois se relaciona ao contexto, à situação. Além disso, continua Freire

(1985), a leitura da palavra também é precedida por uma forma de escrever o mundo “ou de „reescrevê-lo‟, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente” (p. 20)

O ato de ler, então, não implica a leitura de palavra por palavra, e sim das unidades de sentido dentro do texto, pois, como já vimos em Santaella (1997), todas as atividades conscientes envolvem signos e a interpretação desses signos é que formam a linguagem. Essas unidades linguísticas – os signos – carregam, além do significado correspondente à semântica da língua, a visão de mundo e o conhecimento social que o leitor traz de sua relação com o meio em que vive. É preciso, nesse sentido, compreender que cada indivíduo pode ler de forma diferente um mesmo texto, ou seja, há leituras diferenciadas, dependendo da “bagagem” que cada leitor traz de suas relações com o mundo e de seu prévio conhecimento do tema abordado no texto lido ou a ser lido. Essas experiências vividas ao longo dos anos trazem para o ato de ler diferentes interpretações. O mesmo acontece em outras atividades humanas como cantar, dançar e trabalhar.

Assim, quando se lê, constroem-se sentidos para o que se lê, e esses sentidos, construídos a partir das experiências de mundo de cada indivíduo leitor, levam a construções diferenciadas no momento da produção discursiva. Essa consciência é que leva a variações nas formas de se conceber a noção de linguagem, segundo Traváglia (2002) e Koch e Elias (2006). Para eles, quando se muda a concepção de linguagem, muda-se também a concepção de língua, de texto e de sentido24.

De acordo com Traváglia (2002), há três possibilidades de se conceber a linguagem. A primeira concepção, denominada por ele de linguagem como expressão do pensamento, é aquela segundo a qual as pessoas podem apresentar dificuldades de expressão da norma padrão da linguagem, que define o certo e o errado, porque também não têm facilidade de pensamento organizado, pois “a expressão se constrói no interior da mente, sendo a exteriorização apenas uma tradução” (p. 21). Dessa forma, seria extremamente necessário aprender as regras internas da língua para se praticar leitura e, assim, comunicar-se com eficiência. Koch e Elias (2006) chamam essa concepção de clássica, acrescentando que a língua seria a forma de representação do pensamento. O leitor teria, assim, papel totalmente passivo diante da leitura, que seria o ato de captar as

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Luiz Carlos Traváglia e Ingedore G. Villaça Koch também fazem referências ao fato de tais concepções afetarem as estratégias de ensino.

ideias do autor sem levar em conta as experiências e os conhecimentos do leitor enquanto indivíduo social. O ensino tradicional de língua baseia-se nesses construtos.

A segunda concepção de linguagem, para Traváglia (2002), é aquela que vê a linguagem como instrumento de comunicação. Assim, a língua seria apenas “um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir uma mensagem, uma informação de um emissor a um receptor” (p. 22). A língua, nesse caso, seria apenas um código a ser decodificado pelo receptor. Nessa perspectiva, segundo Koch e Elias (2006), que a denominam de língua como produto da codificação, a leitura seria o ato de decodificação daquilo que foi lido, que exigiria do leitor apenas a atenção na linearidade do texto e no sentido das palavras, permanecendo passivo diante do que foi dito. Nessa ideia, está apoiado o ensino de língua baseado na teoria da comunicação: quem escreve (ou fala) o faz para alguém específico que deverá ler (ou ouvir) e entender.

A terceira concepção, para Traváglia (2002), vê a linguagem como forma ou processo de interação. Para ele, o indivíduo faz uso da língua para, além de traduzir e externar pensamentos e transmitir informações ao outro, “realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)” (p. 23). Nessa visão, a linguagem torna-se “um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico” (p. 23). Nessa perspectiva, os sujeitos que falam/escrevem ou ouvem/leem ocupam lugares sociais e se posicionam de acordo com esses lugares estabelecidos pela sociedade para eles. Essa noção confirma a ideia de Bakthin (1992) sobre a importância da interação verbal para garantir a realidade fundamental da linguagem a partir do fenômeno social. Segundo ele, a “experiência verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da interação contínua e permanente com os enunciados individuais do outro” (p. 314). Os sujeitos, para Bakhtin (1992), são indivíduos que vivem em constante relação, organizados socialmente e atuando em suas diversas possibilidades de relações na vida social.

Koch e Elias (2006), concordando com Bakhtin (1992) e preocupando-se com a leitura, dão a essa concepção o nome de dialógica ou interacional, exatamente porque os leitores são ativos construtores da significação do texto lido, descobrindo os implícitos a partir do seu contexto sociocognitivo. O texto, também na visão deles, é mesmo um lugar de interação entre sujeitos sociais, que o constroem a partir das ideias que

o autor produziu e dos conhecimentos do leitor para completar essas ideias, adaptá-las e mudá-las, concordando com elas ou não, já que, segundo Bakhtin (1992), “toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente, a produz". (p. 290).

Contudo, para Leffa e Lopes (1994), “os diversos conceitos de leitura existentes atualmente podem ser agrupados em duas grandes concepções: leitura como decodificação e leitura como construção de significado” (p. 113). Para eles, a acepção de leitura como decodificação é definida apenas como “transposição do código oral para o código escrito” (idem). Nesse sentido, os autores consideram que a alfabetização termina nesse ponto em que o leitor consegue transportar a linguagem do código escrito para o código oral, demonstrando que é alfabetizado. A partir daí, segundo os autores, não mais será considerada a leitura “no sentido rigoroso da palavra [...] mas já pertence a outras áreas do conhecimento” (p. 114). Eles asseveram que a compreensão ou a construção de significado não mais são decodificação, por isso vão além de apenas leitura e acrescentam o seguinte:

A principal consequência de se incluir a construção do significado na concepção de leitura é de que essa inclusão amplia a abrangência do termo, que não se encerra mais com a alfabetização; o processo de desenvolvimento da leitura tem, nessa perspectiva, um longo caminho a percorrer depois da alfabetização, até chegar ao nível de proficiência do leitor fluente (LEFFA; LOPES, 1994, p. 114).

Nesse sentido, as duas concepções de leitura se complementam no desenvolvimento do ato de ler, na medida em que há apropriação ou experimentação de leituras diversas e com nível de aprofundamento, que leva à construção e extração de sentidos, em substituição ao conceito de decodificação. Sobre isso, Leffa e Lopes (1994) acrescem o seguinte:

(...) o aluno alfabetizado vai ampliando sua percepção do processo da leitura. O que no início é visto como uma simples decodificação, baseada na transposição do código oral para o código escrito, passa a ser visto como uma representação da realidade e até como um instrumento de interação entre o leitor e o autor (p. 138)

Também acerca da linguagem e da cultura e de suas apropriações, resta-nos alertar para o fato de que as atividades de leitura têm como consequência a reprodução, pelo indivíduo, de todo comportamento humano em relação a suas aptidões e

procedimentos que foram construídos durante toda a história do homem no decorrer do tempo. Por isso mesmo, Davydov (2002) diz que a criança passa a dominar a linguagem, enquanto comunicação verbal, a partir das bases construídas pelos adultos. Vygotsky (1998) também alerta para essa ideia ao declarar que a criança, com a mediação de alguém mais experiente, como um adulto, pode chegar ao conhecimento científico, assim como a apropriação de leituras com proficiência e que pode levar à construção e extração de sentidos.

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