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O ato de ler é uma atividade intelectual complexa, feita por processamento Bottom-up, Top-down e interativo. A definição dos tipos de leitores como pouco fluentes, apressados ou maduros pode ser feita a partir da forma como tais processamentos ocorrem.

É conveniente pensarmos sobre a compreensão do que acontece ao leitor, no ato da leitura, quanto ao processamento cognitivo. O processo Bottom-up (ascendente) é baseado em uma concepção estruturalista da linguagem, na qual se privilegia a forma como o texto se apresenta. O leitor se concentra nos dados escritos que são as letras, palavras e frases; parte do simples para o complexo. A compreensão da leitura se dá a partir da compreensão de unidades menores do texto e o papel do leitor é reunir informações gráficas e fonológicas e chegar à construção de um sentido geral do texto. Neste caso, o leitor fluente seria aquele que domina bem o processo de decodificação.

No processamento Top-down (descendente), o processo de leitura é dinâmico na utilização de vários componentes (fonológico, sintático, semântico) para acesso ao sentido. O leitor parte dos conceitos (sentido das palavras) para os elementos que os expressam. Neste caso, a leitura é uma atividade essencialmente preditiva, de formulação de hipóteses, para a qual o leitor precisa utilizar seu conhecimento linguístico, conceitual, e sua experiência

(KLEIMAN, 1989). Enquanto no modelo Bottom-up o sentido está no próprio texto, e vai se revelando por partes à medida que o input linguístico vai sendo processado, no modelo Top-down é o leitor que tem o poder para a construção do sentido do texto, pois o sentido não está dado no texto.

Já no processo interativo, há uma inter-relação do processamento ascendente com o descendente, em que, através do conhecimento de mundo e dados fornecidos pelo texto, o leitor consegue a compreensão na sua interação com a mensagem escrita. “Interative processing occurs when information at differents levels is combined to jointly determine some outcome” (PERFETTI, 1985, p.21). Na realidade, os dois tipos de processos (Bottom-up e Top-down) acontecem ao mesmo tempo durante a leitura. Cada nível de informação (grafema, fonema, palavra) está separadamente representado na memória e a informação passa de um nível para o outro em ambas as direções. O leitor competente usa de forma adequada e no momento adequado os dois processos complementarmente.

Considerando que o processamento Bottom-up é mais automatizado que o processamento Top-down, nossa hipótese é de que a comparação entre as leituras realizadas pelos diferentes informantes de diferentes idades e escolaridades apresentará uma gradiência que partirá de uma leitura com a utilização de um processamento Bottom-up para as crianças até uma leitura mais fluente com a utilização de um processamento Top-down para os jovens com maior nível de escolaridade e isso poderá ser observado através da velocidade de leitura, organização dos sintagmas entoacionais e utilização das pausas.

1.1.3.1. Leitura e testes de compreensão

A compreensão é caracterizada como uma hierarquia de níveis de conhecimento computados ou ativados na memória. (JUST; CARPENTER, 1980; LABERGE; SAMUELS, 1974; RUMELHART, 1977). Primeiramente, há o reconhecimento das palavras; em seguida, a construção de frases e a

apontamento de inferências a partir do texto lido (FREDWRIKSEN, 1981; VAN DIJK, 1979).

Salasoo (2007) argumenta que há dois problemas principais quando se pretende analisar a compreensão da leitura. O primeiro trata-se de um problema metodológico ao se analisar a leitura oral e a leitura silenciosa, que tem sido obter uma definição global de compreensão da leitura. O segundo tem sido o alcance dos componentes usados nos testes para produzir a resposta requerida. A autora propõe, portanto, uma análise da compreensão que leve em conta quatro níveis hierárquicos: 1. conhecimento lexical; 2. proposição de baixo nível; 3. proposição de alto nível5; 4. inferência. O

objetivo desta pesquisadora era responder ao seguinte questionamento: processos de leitura oral e silenciosa afetam diferentemente vários níveis de compreensão?

Para o teste de compreensão, foram então criados três tipos de questões: aquelas que dariam acesso ao nível lexical, com perguntas do tipo “Did the word ´XXX´ occur in this story?”; outras que dariam acesso ao nível das proposições de baixo e alto nível – tendo o leitor que responder “verdadeiro” ou “falso”, com afirmações sobre o reconhecimento de trechos do texto para proposições de baixo nível, com afirmações sobre o tema central para as proposições de alto nível; e a última, sobre inferência, foi pedido ao sujeito que sintetizasse a informação explícita da passagem lida.

Desta forma, Salasoo (2007) pôde verificar se, além da forma como o texto é lido – oral ou silenciosamente - havia influência do nível processamento na compreensão da leitura. A autora obteve como resultado, com relação ao modo de leitura (se leitura oral, se silenciosa), que os sujeitos gastaram mais tempo na leitura em voz alta. Isso se justifica pelo fato de a vocalização na leitura oral exigir uma capacidade de atenção que envolve outros processos

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Segundo Salasoo (2007), as proposições podem ser de baixo ou de alto nível. Proposições de alto nível são mais complexas e englobam as proposições de baixo nível.

cognitivos. Com relação ao erro nas respostas às questões de compreensão, verificou-se que o modo de leitura e os diferentes níveis de compreensão não se apresentaram diferença significativa, contrariando trabalhos que possuem como hipótese que a leitura oral acompanha uma má compreensão. Já quando a pesquisadora considera o tempo de resposta às questões, o modo de leitura e o nível da questão interagem significativamente. O leitor oral, ou seja, aquele que faz a leitura oral do texto, responde mais rapidamente questões que refletem conhecimentos da microestrutura do texto. E esse foi o resultado mais importante do estudo apresentado por Salasoo. A autora propõe, então, que o tempo gasto na leitura oral pode resultar em traços da memória que são, pois, recuperados rapidamente mais tarde.

Santos (2008), em seu estudo sobre a inferência, observou que a habilidade de produzir inferência está intimamente ligada à compreensão da leitura, visto que o sentido não está somente no texto, mas se constrói a partir dele (KOCH, 1993). E inferir é suplementar informação não verbalizada no texto.

Para observar a relação entre a compreensão e o uso de inferências, Santos (2008) assumiu a proposta de Morles (1986) e Gutiérrez-Calvo (1999): três conceitos para os tipos de inferências relacionadas com as estratégias cognitivas: (a) inferência lógica, aquela informação necessária à interpretação do texto; (b) inferência elaborativa, que tem a função de estender e completar a informação explícita; (c) inferência avaliativa, centrada no conteúdo do texto, consistindo de um comentário, juízo ou outra reação do leitor frente ao texto.

O processamento da linguagem na leitura opera sobre um contexto linguístico possível de se analisar em vários níveis. Por esse motivo, no trabalho que propomos, o texto foi privilegiado, pois nele todos esses níveis estão representados: o nível lexical, o nível semântico, o nível sintático, o nível da coesão lexical e o nível referencial. Neste sentido, como será explicado na metodologia, as questões do teste de compreensão tiveram o cuidado de tratar de todos esses níveis considerando as hierarquias de níveis

inferências, assumidos por Santos (2008).

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