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ELABORAÇÃO DO ESTADO DA ARTE

O estudo de Poncio (2010) abordou o que o autor denominou de estratégias desenvolvidas por mães que se matriculam junto a seus filhos na Educação de Jovens e Adultos (EJA) para acompanhar o desempenho

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e o “comportamento escolar” destes. O autor refletiu sobre as relações entre famílias de baixa renda e a escola, problematizando sua construção, de caráter social, e apontando que foi na modernidade que as instituições família e escola desenvolveram uma forte ligação. Abordando trajetórias escolares de mães e filhos na EJA, seu pressuposto é o de que as mães desenvolvem estratégias de investimento escolar, ao se matricularem na EJA junto com os filhos para acompanhar a escolarização destes. Ao analisá-las, identificou mais dois tipos de estratégias implementadas pelas mães, além de estudar junto com o filho: o desenvolvimento de cenários favoráveis em casa e a escolha da escola e da modalidade de ensino mais adequada. Este achado corrobora que os indivíduos e as famílias desenvolvem “estratégias”, às quais nesta pesquisa me refiro como táticas, para abordar o campo escolar, na relação família-escola.

A trajetória não é necessariamente fixada a uma posição social, via habitus, mas sofre pesadamente as injunções das conjunturas sociais. É a partir do desenvolvimento de táticas que os indivíduos enfrentam tais injunções. Táticas podem ser informadas de maneira improvisada ou intuitiva, devido à falta de lugar e de conhecimento, razão pela qual podem ser menos ou mais conscientes. São, entretanto, como Dubar (2005) sugere, imbuídas de um senso de apropriação e mobilização de oportunidades subjetivamente apreciadas. Conforme Poncio (2010) explicou, há uma orientação da pertença das famílias às posições sociais. Ele exemplificou assinalando “a tendência ao fracasso escolar de indivíduos oriundos de grupos familiares de baixa renda, com baixo capital cultural e escolar e baixos investimentos na escolaridade de seus membros”, e defendeu a ocorrência de “uma espécie de refinamento ou intensificação das estratégias familiares apontadas pela literatura especializada” (PONCIO, 2010, p. 7).

Wellen (2011) analisou como os estudantes do Ensino Médio público da cidade de São Paulo projetam e concebem a continuação ou interrupção de sua trajetória escolar. A autora perscrutou as concepções de universidade destes estudantes, e como a escola atua na formação dessa concepção. Analisou também o papel da família, do trabalho e de alguma outra instituição ou experiência social no prosseguimento ou abandono dos estudos. Segundo ela,

[...] os estudantes que possuem planos com estratégias concretas de prosseguimento são mais influenciados pelo investimento pedagógico da família, que pode ou não apresentar um capital

cultural universitário. (WELLEN, 2011, p. 8) A autora conclui que as decisões relativas ao prosseguimento dos estudos passam por determinações sociais relacionadas, sobretudo, à influência da família. Ela pauta sua abordagem pela análise macrossociológica, e enfatiza os determinismos de classe. No entanto, constata que

[...] a maior influência nas estratégias de prosseguimento dos estudos [...] não está na escola, mas na força de uma referência pessoal. Em alguns casos, trata-se de familiares com um capital cultural universitário que permite que os estudantes pensem concretamente no prosseguimento dos estudos. [...] Em outros casos não há a presença do capital cultural da família, mas há o investimento pedagógico, representado, por exemplo, pela discussão familiar acerca das formas possíveis de entrada na universidade [...]. (WELLEN, 2011, p. 148)

Coloca-se, então, o entendimento de que é possível, ainda que difícil devido a condições estruturais (sociais e econômicas) perversas, partindo-se de pouco capital econômico, cultural e/ou social, investimentos no sentido de adquiri-lo ou aumentá-lo. Além disso, reforça-se novamente o papel da propensão familiar, e das táticas desenvolvidas e utilizadas pelas famílias no tocante aos investimentos escolares.

Stefanini (2008) debruçou-se sobre os condicionantes da motivação dos alunos pelo ensino técnico de nível médio, assim como as expectativas e aspirações futuras no tocante à educação e ao trabalho. Ela desenvolveu seu estudo analisando as trajetórias escolares e profissionais de estudantes de uma escola técnica do Estado de São Paulo a partir do conceito bourdieusiano de habitus. A análise do contexto em que se localiza a instituição, bem como das características desta, levaram-me a ressaltar, nesta pesquisa, a relevância do fato de tratar-se de uma instituição federal, bem como do contexto montesclarense de pólo estudantil como um forte condicionante da atuação do IFNMG, e da relação estabelecida entre a instituição e seu público-alvo nos cursos técnicos integrados. A autora desenvolveu seu estudo em uma instituição estadual, que ministra o Ensino Médio concomitante ao ensino técnico. Nesse contexto há, por parte dos estudantes mais jovens, uma marcante expectativa de prosseguimento

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dos estudos. Ela concluiu que os estudantes mais jovens do ensino técnico expressam planos de prosseguimento dos estudos, ao contrário dos mais velhos, que encaram o ensino técnico de forma diferente.

[...] contrastando as trajetórias dos alunos mais jovens com as dos alunos com maior faixa etária, ficou evidente o abandono, por parte destes últimos, de expectativas consideradas "mais promissoras" via escolarização e a orientação para a busca de melhorias via trabalho. Para buscar tais melhorias, novamente a importância da escola é colocada, porém sob uma perspectiva menos idealizada e com uma função mais instrumental. (STEFANINI, 2008, p. 158)

Nas considerações finais, a autora comparou o ideal de longevidade com as disposições interiorizadas dos entrevistados, e as condições materiais destes, que os impulsionaram para o trabalho. Tal comparação ressaltou, na minha análise, a relevância da propensão familiar evocada por Dubar (2005), pois, segundo ela, os estudantes com baixas expectativas de prolongamento da escolaridade projetam tais expectativas nos filhos.

Ferreira-Cintra (2014) investigou em seu estudo como as relações familiares, escolares e entre pares influenciam a entrada no Ensino Médio integrado. Analisou as aspirações e expectativas de pais e filhos quanto ao curso, e examinou também o significado e a importância do trabalho e os projetos escolares e profissionais dos participantes. Este estudo foi realizado em um campus de um Instituto Federal (Campus Sertãozinho, em Ribeirão Preto, estado de São Paulo). A autora constatou a influência dos pais na trajetória escolar dos filhos e na escolha pelo Instituto Federal, considerado pelos participantes uma escola prestigiosa. Segundo ela, a realidade socioeconômica das famílias influencia o processo de escolha das instituições escolares, ao lado de outros fatores, o que, na minha análise, reforçou a reflexão sobre a propensão familiar e os investimentos decorrentes desta. Além disso, seu trabalho constatou que os filhos podem incorporar e reformular as orientações parentais. A autora afirma que “as formas de incorporação ou negociação das orientações parentais são variáveis” (FERREIRA- CINTRA, 2014, p. 72), o que remete às táticas dos discentes que entrevistei, no sentido de lidar com as expectativas e estratégias parentais.

bibliográfica e documental, me possibilitou perscrutar de forma mais embasada uma resposta à pergunta de partida e lidar com a tensão do pressuposto promovida pela pesquisa de campo e análise do texto transcrito das entrevistas.

3 METODOLOGIA

Diante da problemática exposta anteriormente, fiz a opção metodológica pela abordagem por estudo de caso, pesquisa bibliográfica sobre a educação profissional e o Campus Montes Claros, elaboração de um perfil da turma e realização de entrevista semiestruturada com discentes e seus responsáveis, que deveriam culminar na possibilidade de analisar as trajetórias e responder à interpelação inicial, assim como constatar a plausibilidade do pressuposto.

No entanto, ao burilar, no trabalho de pesquisa, a questão de partida e sua resposta pressuposta, outros elementos, fatores e contextos foram revelados, complexificando a resposta a ser dada, tensionando o pressuposto e a própria pergunta de partida, uma vez que os fatores influenciadores das trajetórias são forjados desde muito cedo. Foi necessário o recurso a outros aportes teóricos, já expostos, além dos pretendidos no projeto de pesquisa. Todo esse processo, entretanto, ressaltou a relevância de se prover uma explicação acerca das possibilidades de apropriação das formas de escolarização disponíveis.

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