• Nenhum resultado encontrado

Leituras de Margem

No documento Literacias: Uma Abordagem (páginas 35-38)

O termo «infraliteratura» é aproximado a «subliteratura», «pseudoliteratura», «paraliteratura» e «contraliteratura», «literatura fácil» e mesmo de «literatura de massas». A ideia geral é a de falta de qualidade literária dos textos. Mas há outros epítetos como «literatura marginal» e «literatura marginalizada». A diferença entre as duas é pouco percetível e Arnaldo Saraiva prefere a segunda seguindo Roland Barthes. A tónica é posta na mudança porque este género ou foi alguma vez posta à margem ou ainda se encontra nessa situação.19Aqui encontramos a «literatura trivial» a «literatura de consumo», «literatura kitsch», «literatura vulgarizada», «contraliteratura». Esta literatura é diferente da cultura letrada, ainda que siga de perto os valores e a ideologia por ela veiculadas. Ramos, Ana Margarida, “Os Monstros na Literatura de Cordel Portuguesa do século XVIII, Lisboa, Edições Colibri, 2008, pp. 81.

19 «Apontamentos sobre Literaturas Marginais» in Boletim de Filologia, volume XXVIII, Tomo I, Lisboa, Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, 1983, pp. 329.

36 Estas designações opõem-se à «literatura canónica», «grande literatura», «literatura oficial», «literatura legítima», «grande literatura», ou mesmo «literatura instituição». José de Oliveira Barata considera que há muito a fazer por parte dos investigadores para se fazer a distinção clara e fundamentada das duas esferas culturais antagónicas. Devem-se estudar as influências, a repressão de uma sobre a outra ou da sua simbiose enriquecedora. «Entremez sobre o Entremez», in Biblos, Revista da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, volume LIII, 1997, pp. 392.

As leituras de margem, conhecidas por Literaturas Marginais, são hoje uma área estudada em várias universidades e que é muito valorizada por especialistas e principalmente pelo público em geral. Há três tipos ou géneros de Literaturas de Margem: A Literatura Oral e Tradicional que não estão compiladas e formam um importante magma cultural, com processos de memorização e adivinhação; instanciação de regras morais e histórias de aprendizagem técnica e prática, ou de defesa dos costumes e das tradições. Esta literatura é de salvaguardar e preservar, tanto o seu estatuto e o seu documentário, pelos métodos já instalados e conhecidos, como se deve proceder à sua total compilação. Daqui se pode fazer um levantamento das culturas regionais e locais e pôr em evidência uma sabedoria ou uma forma de lidar com o mundo que permanece quase impermeável à escolarização, criando uma resistência aos cânones literários e culturais vigentes. Bacocine, Eliane Aparecida, (2012).

A literatura de cordel dos séculos XVII; XVIII e XIX, que alimentavam os sonhos de muita gente e nunca conseguiram atingir o estatuto de Literatura séria, nunca sendo considerada canónica, a sua abordagem é importante para se fazerem estudos sociológicos e linguísticos, com o fim de indagar das condições subjetivas dos seus protagonistas, bem assim como os seus hábitos e representações sociais e ideológicas do período histórico concernente.

Por fim temos a literatura urbana e suburbana que reflete a exata posição e situação de todos aqueles que vivem nas franjas do sistema. É o caso das linguagens grupais, das canções de intervenção e da “atual” expressão que designa o rap e o hip-hop. As normas em disputa, as regras sociais em permanente dissolução por impossibilidade da sua atualização, já que a contingência total dos elementos culturais híbridos é constante e a autoridade é vista como inimiga, fazem com que as sujeições, ao grupo ou ao líder, sejam a norma preponderante. As normas em disputa, criam a razão pela qual a sobrevivência e a existência a um determinado nível são a realidade base de um equilíbrio que é necessário manter por mais fugidio que seja.

Oliveira, Rejane Pivetta, (2011). O estudo desta literatura é muitíssimo relevante, para inclusivamente, se conhecer o estado da arte das sociedades contemporâneas, já que que a

37 crítica e as tomadas de posição neste género de Literatura é assaz corrosiva e desconstrutora dos mitemas sociais, sejam eles nacionais ou globais.20

A “Literatura marginal” é produzida por autores brasileiros das zonas periféricas das maiores cidades brasileiras. Os órgãos de comunicação social interessaram-se pelo fenómeno, mas este tem um interesse para lá da notícia, já que os processos de produção, receção e circulação da obra literária, são sujeitos a uma nova interpretação, deslocando o eixo do sistema onde estão inseridos e pondo em causa a sua autoridade. São também as relações entre conceito, função e envolvimento da literatura com a sociedade que a sustenta, que estão em causa e que são redefinidas. Em termos artísticos, marginal é a obra de arte que rompe com o cânone instituído. Mais tarde esta é assimilada fazendo parte da tradição e levando a que novas formas originais se manifestem novamente contra a corrente. Esses processos de rutura marcam a evolução literária. Tynianov 1978, citado por de Oliveira, Rejane Pivetta Op. Cit. Marcam-na dialeticamente entre rutura e inovação e assimilação, canonização. As transformações que se verificam são estéticas, mas também sociais e políticas. Esta literatura marginal em termos estético – culturais aparece nos anos setenta do século XX, como resposta ao mecanismo comercial de produção e circulação da obra literária. Este movimento aparece não tanto para reformular formas estéticas, mas para criar uma mudança nas próprias práticas culturais e na forma de conceber a cultura fora dos parâmetros sérios e eruditos. Há uma recusa das “formas sérias do conhecimento” e um traço crítico resultante de uma descrença relativamente à “ universalidade e ao rigor das linguagens

técnicas científicas e intelectuais. “ Hollanda (2004).

Mas existe também um aspeto relevante em relação a estas literaturas. O marginal, o bandido, o delinquente, que antes era visto como algo representado na literatura passa agora a ser o agente promotor de cultura literária. Com isto chega também a noção de periférico no que diz respeito à hegemonia da cultura ocidental e os seus padrões estéticos e culturais a partir das línguas de civilização, como são o Inglês, o Francês e o Alemão. A globalização leva a fatores de hibridização e desterritorialização Canclini, Nestor (2008), citado por Oliveira, Rejane Pivetta Op. Cit. As facilidades de interação na aldeia global não levam a uma maior igualdade social, mesmo que a tentativa de homogeneizar e da respetiva cultura de massas

20 Normalmente estes inserts culturais trazem consigo um ressurgimento de certas características do repositório cultural e social e uma delas é precisamente a do amor cavalheiresco, fortemente erotizado e influenciado pelo mercado e pela indústria cultural, principalmente aquela que tem referências na música e num determinado estilo de vida ocidental. A mobilidade social verifica-se na dialética entre realidade e a sua superação movida por fatores ideológicos e representações simbólicas cujos elementos são extraídos do seu lugar próprio na História e reconfigurados depois a partir do presente e da contemporaneidade. A referência à violência pode ser muito explícita, como representação de um estado permanentemente exaltado em conflito consigo mesmo e com a instalação de um mundo em permanente sobressalto. Ela transporta em si uma estética que faz explodir a sensibilidade num turbilhão de emoções contraditórias, de grande intensidade, como intensas são as vidas das pessoas que não se enquadram no panorama geral da aceitação social. A maior parte destas pessoas encontra-se precisamente na margem, senão mesmo para além dela e refletem sentimentos modos de vida e opções individuais ou de grupo que estão condenadas a uma forte reação negativa e a uma permanente tensão, em que os intervenientes são a causa e o efeito. A marginalidade e a transgressão absolutas convivem como se contornar as regras ou fazê-las implodir fosse o motivo disto tudo. A própria violência em si é a demonstração de um mundo frequentemente cindido e em constante desagregação.

38 introduzam comportamentos padrão e uma apreensão da realidade totalizante. Todos estes fatores são reapropriados pela periferia. Hannerz (2007), citado por Oliveira, Rejane Pivetta, Op. Cit.

Marginal e periférico são conceitos enraizados em modelos de representação, que significam o mundo, a produção de identidades e a produção literária atual, com origem nos morros e favelas das grandes cidades brasileiras, fundamentais em todo o caso para a compreensão do contexto sociocultural, das respetivas vivências e identidades engendradas e a sua produção literária e cultural. Em vez de termos autores que falam sobre a marginalidade e os marginais ou os que vivem no limite, colocando-se na posição de portadores da voz dessas pessoas, é o próprio meio que produz literariamente conferindo um novo ethos à produção artística e cultural, colocando-se como que numa posição de resposta perante os que falam no seu lugar. Oliveira, Rejane Pivetta, Op. Cit. […] «Contudo, não se trata de negar os monumentos e

canais de afirmação e divulgação da tradição cultural, mas de inserir-se nela, numa atitude conscientemente cosmopolita, para usarmos a expressão de Silviano Santiago.» […]

Numa perspetiva de comprometimento político, a literatura marginal pretende para além das manifestações que sempre proporcionou como a capoeira, a ginga de corpo e o samba incorporar a fala, o canto, a escrita. Ferréz (2005), citado por Oliveira, Rejane Pivetta, Op. Cit. Trata-se de desmontar a ideologia do poder, denunciando-lhe as intenções de dominação e manipulação, mas também de derrubar o muro que torna invisível a cultura produzida pelos excluídos sociais. Na esteira de Walter Benjamin introduz-se a ideia de que a obra de arte se insere dentro das condições próprias de produção. As opiniões e convicções do autor não possuem o potencial transformador da arte, mas sim a tarefa de uma renovação técnica, a reestruturação de institutos e instituições dando uma outra função às formas artísticas, para que a arte, não seja meramente um artigo de consumo na sociedade capitalista, mas que consiga interferir nos modos de produção e na participação do público. O valor da teoria literária não reside no seu discurso, mas no poder que se constitui ao alterar a forma como se lê e como se apreende o mundo e em desocultar o método de criação, sem ser desligado da sua vivência concreta da sua experiência e das suas razões práticas, como refere Pierre Bourdieu, (1996), citado por Oliveira, Rejane Pivetta, (2011).

No documento Literacias: Uma Abordagem (páginas 35-38)

Documentos relacionados