• Nenhum resultado encontrado

Lema de Zorn, base e dimensão

No documento Análise funcional e aplicações (páginas 58-63)

A.1 Construção do conjunto de Cantor

3.2 Espaços métricos completos

4.1.1 Lema de Zorn, base e dimensão

Em Álgebra Linear, uma base para um espaço vetorial V é um conjunto de vetores que, satisfazendo algumas propriedades, produz todo o espaço V . Este é um dos conceitos mais importantes quando o assunto é espaço vetorial. Antes, porém, seguem outras definições.

Definição 4.3. Sejam V um espaço vetorial sobre K e vetores x1, x2, ..., xn elementos

de V. Diz-se que x ∈ V é uma combinação linear de x1, x2, ..., xnse existem escalares

α1, α2, ..., αn tais que

x = α1x1+ α2x2+ ... + αnxn. (4.1)

Seja Y o conjunto de todas as combinações lineares dos vetores x1, x2, ..., xn. Assim,

Y é um subespaço de V e é chamado de subespaço gerado pelos vetores x1, x2, ..., xn.

Denota-se o subespaço gerado por Y = [x1, x2, ..., xn].

Dois conceitos importantes em Álgebra Linear e também muito utilizados em outras áreas da Matemática, são os conceitos de dependência linear e independência linear, definidos como segue.

Definição 4.4. Seja V um espaço vetorial sobre K. Considere os vetores x1, x2, ..., xn ∈

V . Diz-se que os vetores x1, x2, ..., xn são linearmente independentes (l.i.) se a

combinação linear

α1x1+ α2x2+ ... + αnxn= 0 (4.2)

implicar em α1 = α2 = ... = αn = 0.

Diz-se que os vetores x1, x2, ..., xn são linearmente dependentes (l.d.) se não

forem linearmente independentes, ou seja, se for possível encontrar ao menos um αi =

Espaços vetoriais 57 No caso em que o conjunto de vetores {x1, x2, ..., xn} for linearmente dependente,

pelo menos um vetor deste conjunto pode ser escrito como combinação linear dos outros, isto é, se na equação α1x1+ α2x2+ ... + αnxn = 0 houver αi = 0 para algum

i∈ {1, 2, ...n} então,

xi = β1x1+ β2x2+ ... + βnxn onde βj =−αj/αi com i = j.

A partir dos conceitos descritos acima define-se base e dimensão de um espaço vetorial.

Definição 4.5. Seja V um espaço vetorial sobre K. Diz-se que V é finitamente gerado se existe um subconjunto finito U ⊂ V tal que V = [U].

Exemplo 4.8. O espaço Rn é gerado pelos vetores e1 = (1, 0, ..., 0), e2 = (0, 1, 0, ..., 0),

..., en= (0, 0, ...1) e escreve-se Rn= [e1, e2, ..., en].

Exemplo 4.9. Seja Pn(R) o espaço dos polinômios com coeficientes em R. O conjunto

U = {1, x, ..., xn} é um conjunto gerador de P

n(R) e escreve-se Pn(R) = [1, x, ..., xn].

Observação 4.1. Note que o espaço vetorial P(R) formado por todos os polinô- mios não é finitamente gerado. Com efeito, se P(R) fosse finitamente gerado exis- tiriam polinômios p1(x), p2(x), ..., pn(x) tais que P(R) = [p1(x), p2(x), ..., pn(x)]. Seja

N o maior grau dentre todos os polinômios p1(x), p2(x), ..., pn(x). Note que xN +1 ∈/

[p1(x), p2(x), ..., pn(x)]. Contradição, logo P(R) é de dimensão infinita.

Proposição 4.1. Seja V = {0} um K-espaço vetorial finitamente gerado e considere {v1, . . . , vm} um conjunto gerador de V . Então todo conjunto linearmente independente

de vetores em V tem no máximo m elementos.

Demonstração. Será demonstrado que todo conjunto de elementos de V que contenha mais do que m vetores é linearmente dependente. Para tanto, considere o subconjunto {u1, . . . , un} de V com n > m. Como {v1, . . . , vm} gera V , então para cada elemento

de V , em particular os vetores de A, existem escalares αij ∈ K tais que, para cada

j = 1, . . . , n, uj = α1jv1+ . . . + αmjvm = m  i=1 αijvi.

Como A = {u1, . . . , un} é linearmente independente, então existem escalares λ1, . . . , λn

tais que λ1u1+ . . . + λnun= n  j=1 λjuj = n  j=1 λj m  i=1 αijvi  = n  j=1 m  i=1 λjαijvi = m  i=1 n  j=1 λjαij  vi. (4.3)

Analisando o caso em que

n



j=1

λjαij = 0 para cada i = 1, . . . , m, considere o seguinte

sistema ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎨ ⎪ ⎪ ⎪ ⎪ ⎩ α11λ1+ . . . + α1nλn= 0 α21λ1+ . . . + α2nλn= 0 ... αm1λ1+ . . . + αmnλn= 0 (4.4)

nas incógnitas λ1, . . . , λn e com coeficientes αij ∈ K. Note que o número de equações

em (4.4) é estritamente menor do que o número de incógnitas. Segue disto que (4.4) possui uma solução não nula, isto é, existem escalares γ1, . . . , γn ∈ K, nem todos nulos,

tais que

n



j=1

γjαij = 0 para cada i = 1, . . . , m. Portanto, de (4.3) deve-se ter que

γ1u1+ . . . + γnun = 0

sem que os escalares γ1, . . . , γnsejam todos nulos, resultando que o conjunto {u1, . . . , un}

é linearmente dependente. Logo, qualquer conjunto linearmente independente de ve- tores de V possui no máximo m elementos.

Definição 4.6. Seja V um espaço vetorial finitamente gerado, uma base para V é um conjunto {x1, x2, ..., xn} linearmente independente que gera V .

Corolário 4.1. Seja V = {0} um K-espaço vetorial finitamente gerado. Então quais- quer duas bases de V contém o mesmo número de elementos.

Demonstração. Sejam B e B′ duas bases de V . Como V é finitamente gerado, pela

proposição anterior os conjuntos B e B′ são finitos com, por exemplo, m e n elemen-

tos, respectivamente. Considerando B como conjunto gerador de V e B′ linearmente

independente, segue da proposição acima que n ≤ m. Por outro lado, considerando B′

como conjunto gerador de V e B linearmente independente, tem-se que m ≤ n. Logo, m = n.

Definição 4.7. Seja V um espaço vetorial finitamente gerado. Define-se a dimensão de V como sendo o número de elementos de uma base qualquer de V . Neste caso V é chamado um espaço de dimensão finita. Caso V não seja finitamente gerado, diz-se que V é um espaço vetorial de dimensão infinita.

Observação 4.2. Se V for um espaço de dimensão infinita, diz-se que um subconjunto B de V é linearmente independente se para todo subconjunto finito de B a definição 4.5 estiver satisfeita.

Observação 4.3. Sejam V um espaço vetorial sobre K de dimensão não necessaria- mente finita e B um conjunto linearmente independente em V . Se existir um elemento

Espaços vetoriais 59

v ∈ V que não seja combinação linear de elementos de B, então B= B ∪ {v} é li-

nearmente independente. Com efeito, considere V um espaço vetorial n-dimensional e seja B = {v1, v2, . . . , vn} um conjunto l.i. em V . Suponha que existe v ∈ V que não é

combinação linear de B e sejam α1, . . . , αn, α∈ K escalares tais que

α1v1+ α2v2+ . . . + αnvn+ αv = 0.

Se α = 0 então pode-se escrever v =α1 α v1− α2 α v2− . . . − αn α vn,

absurdo, pois por hipótese v não é combinação linear de B. Portanto, α = 0 e como B é li segue da combinação

α1v1+ α2v2+ αnvn+ αv = 0

que α1 = α2 = . . . = α = 0, ou seja, B′ = B∪ {v} é l.i.. Se V for de dimensão infinita,

a demonstração segue de forma análoga.

Em termos mais gerais, sendo V um espaço vetorial de dimensão finita ou não, cada elemento x ∈ V , x = 0, se escreve de modo único como combinação linear dos vetores da base. De fato, sejam x1, x2, ..., xn vetores linearmente independentes em um espaço

vetorial V qualquer. Então

α1x1+ α2x2+ ... + αnxn = β1x1+ β2x2+ ... + βnxn

assim

(α1− β1)x1+ (α2− β2)x2+ ... + (αn− βn)xn= 0

Como x1, x2, ..., xn são l.i. segue que αi− βi = 0, ou seja, αi = βi, i ∈ {1, 2, ..., n}.

Um resultado importante na teoria de espaços vetoriais é o fato de que todo espaço vetorial possui uma base. Para demonstrar este resultado será usado um lema chamado Lema de Zorn, mas para isto é preciso apresentar algumas definições, como abaixo. Definição 4.8. Seja X um conjunto qualquer, então

i. Diz-se que X é um conjunto parcialmente ordenado se há sobre X uma relação de ordem parcial, isto é, uma relação binária denotada por ≤ satisfazendo as seguintes condições:

1) x ≤ x para todo x ∈ X (propriedade reflexiva),

2) Se x ≤ y e y ≤ x, com x, y ∈ X, então x = y (propriedade antissimétrica), 3) Se x ≤ y e y ≤ z, com x, y, z ∈ X, então x ≤ z (propriedade transitiva).

Parcialmente enfatiza que X pode conter elementos x e y para os quais nem x ≤ y e nem y ≤ x. Então x e y são chamados elementos imcomparáveis. Por outro lado, se x ≤ y ou y ≤ x (ou ambos acontecem), então x e y são chamados elementos comparáveis.

ii. Um conjunto totalmente ordenado ou cadeia é um conjunto parcialmente ordenado tal que cada dois elementos do conjunto são comparáveis. Em outras palavras, uma cadeia é um conjunto parcialmente ordenado que não tem elemen- tos incomparáveis.

iii. Sejam X um conjunto parcialmente ordenado e A um subcojunto de X. Um limitante superior para A é um elemento x ∈ X tal que para todo a ∈ A, a≤ x. (Conforme forem X e A, o limitante superior pode ou não existir.) iv. Seja X um conjunto parcialmente ordenado. Um elemento x0 ∈ X é chamado

elemento maximalde X se para todo x ∈ X com x0 ≤ x implica x0 = x. (Note que X pode ou não conter um elemento maximal e, além disso, que um elemento maximal não precisa ser um limitante superior.)

Exemplo 4.10. O conjunto R dos números reais com a relação ≤ (“menor do que ou igual”) é um conjunto totalmente ordenado e não possui elemento maximal. Notação: (R,≤).

Exemplo 4.11. Seja X um conjunto qualquer. O conjunto ℘(X), que é conjunto de todos os subconjuntos de X, com a relação inclusão (⊆) é um conjunto parcialmente ordenado e o único elemento maximal de ℘(X) é X. Notação: (℘(X), ⊆).

A partir dos conceitos descritos na definição 4.8, segue o Lema de Zorn, que será utilizado na demonstração do teorema 4.1.

Lema 4.1. (Lema de Zorn) Seja X = ∅ um conjunto parcialmente ordenado. Su- ponha que toda cadeia C ⊂ X tenha um limitante superior. Então X tem pelo menos um elemento maximal.

Teorema 4.1. Sejam V um espaço vetorial sobre K e C um conjunto linearmente independente em V . Então existe uma base B de V contendo C.

Demonstração. Seja P a classe de todos os subconjuntos linearmente independentes de V que contém C. Note que P = ∅ uma vez que C ⊂ P e, além disso, P é parcialmente ordenado por inclusão. Para usar o Lema de Zorn, é necessário mostrar que todo subconjunto totalmente ordenado de P tem um limitante superior. Seja D = {Aα}α∈L um subconjunto totalmente ordenado de P, então A =



α∈L

Aα é um

limitante superior para D. É preciso mostrar que A é um subconjunto linearmente indepedente. Com efeito, seja W = {w1, . . . , wn} um subconjunto finito de A. Então,

Espaços vetoriais 61 para cada i = 1, . . . , n, existe αi ∈ L tal que wi ∈ Aαi. Como D é totalmente ordenado,

reordenando os elementos de W , se necessário, Aα1 ⊆ . . . ⊆ Aαn, de forma que wi ∈ Aαn

para cada i = 1, . . . , n. Assim, W é linearmente independente como um subconjunto finito do conjunto linearmente independente Aαn. Como W é qualquer, segue que A

é linearmente independente. Logo, D tem A como limitante superior. Pelo Lema de Zorn, P tem um elemento maximal B. Resta mostrar que B gera todo o espaço V . De fato, se existisse v ∈ V que não fosse gerado por B, então B1 = B ∪ {v} seria

linearmente independente (conforme observação 4.3), contrariando a maximalidade de B. Portanto, como B gera V e é l.i., segue que B é uma base para V .

Definição 4.9. Uma base de Hamel, ou simplesmente base, em um espaço vetorial V é um conjunto B linearmente independente maximal, como no teorema acima.

Segue então um teorema sobre a dimensão de um subespaço próprio de X.

Teorema 4.2. Seja V um espaço vetorial n-dimensional. Então qualquer subespaço próprio W de V tem dimensão menor do que n, isto é, dim W < dim V .

Demonstração. i) Se n = 0, então V = {0} é o subespaço nulo, ou seja, V não possui subespaço próprio.

ii) Se a dim W = 0, então W ={0} e, pelo item anterior, V = W , daí dim V ≥ 1. Evidentemente dim W ≤ dim V = n.

iii) Se a dim W = n, então W teria uma base de n elementos que também seria uma base para V . Como a dim V = n ocorre que W = V o que implica que W não é subespaço próprio de V , contrariando a hipótese.

Portanto, qualquer subconjunto linearmente independente de vetores de W deve ter menos de n elementos e, assim, dim W < n.

No documento Análise funcional e aplicações (páginas 58-63)

Documentos relacionados