Outros olhares
11 Lembrança de Lurdes Pizzetti Os vestidos plissados constituíam se de várias pregas nas saias 8 PERROT Michele Op cit p 103.
141
religiosas, ir ao cinem a, nam orar, etc. Os espaços utilizados para estes fins foram
construídos pela m ineradora. D enise B em uzzi de S ant’Anna, estudando a história
do lazer em São Paulo, coloca que durante a década de 30, as preocupações em
criar leis e espaços onde o operário pudesse estar em seu tem po livre levaram à
criação dos Clubes de M enores O perários.119 N esses clubes funcionavam tam bém
os parques infantis e eram organizadas program ações de recreação para os jovens.
As autoridades políticas e as em presas acreditavam que, ocupando o tem po livre
dos jo v en s, estariam ajudando n a form ação de suas personalidades para o aum ento
da capacidade produtiva.
Foto do Primeiro de Maio de 1942. Festa no atual Estádio de futebol. Destaque à apresentação em público.
Arquivo particular de Femando Cameiro.
D ançar
Os clubes eram locais onde aconteciam os bailes, as dom ingueiras. Havia
três clubes na Próspera, os quais representavam uma divisão social e étnica.
O Próspera Clube Recreativo, construído especialm ente para receber
visitantes, era, segundo o Sr Osni, o cartão de visitas da Carbonífera Foi fundado
em 11 de dezem bro de 1950, recebendo o apelido de “E ngenho” pelos peões.12"
Situava-se ao lado do escritório da carbonífera Esse clube promovia bailes e o
carnaval de rua de Criciúma. Era freqüentado apenas pelos “funcionários” .
Funcionário era com o se auto designava o pessoal que trabalhava no escritório da
empresa. Eles não frequentavam os mesmos espaços, pois era proibido aos
mineiros, entrar no clube. Isso marca profundam ente a divisão social do trabalho.
O trabalho braçal era visto como algo inferior. Percebi com o era forte a visão de
inferioridade do trabalho dos mineiros do subsolo quando encontrei um poema no
jornal “ A Tribuna C ricium ense”, que com parava o trabalho nas minas com o
trabalho “escravo” . Uma escravidão abençoada, pois iria garantir o progresso da
cidade.121 O poema é de autoria de Pedro Bernadino, intitulado: Os E scravos do
século XX Em uma de suas estrofes, encontra-se o seguinte verso: Adoro a terra
dos mineiros que vivem sempre a labutar tirando o produto precioso para nossa vida salvar. Vistos como escravos, não podiam freqüentar os mesmos lugares que
os “funcionários” .
A diretoria do clube era com posta apenas por pessoas do escritório. Em
m eados dos anos 70, uma nova diretoria socializou o espaço para toda a
142
120 A forma da construção lembrava um engenho. 121 A Tribuna Criciumense. 17 de mar. 1957.
143
com unidade de trabalhadores da Carbonífera Os peões “brancos” passaram a
freqüentar este espaço recreativo que promovia bailes e “bingos dançantes” . Em
1983, a Em presa fez um acordo com a diretoria do órgão recreativo — venderia
um terreno próximo ao estádio de futebol por um preço irrisório e o clube deveria
m udar de local em cinco anos Passado este periodo, o novo espaço ainda não
estava concluído, porém, em 1989, mantendo o acordo, a diretoria fechou as
portas do clube e continuou realizando suas prom oções em outros espaços.1”
Abaixo da Vila havia mais dois clubes construídos pela mineradora e
algum as salas de particulares que funcionavam como salão de baile. O clube dos
negros, assim designado pelos moradores até hoje, localizado na “ Rua G eral’, era
o mesm o espaço da “sede”, já m encionado anteriorm ente com o um dos espaços de
lazer construído pela empresa. Nos finais de semana, a diretoria prom ovia os
bailes, anim ados por bandas que vinham de Laguna, Tubarão, etc. Em dias de
baile, branco na sede dos brancos e negros na sede dos n e g ro s1:3 D. Zulma
recorda esta divisão étnica: No nosso lempo nós não íamos no clube dos brancos
nem eles vinham no nosso clube, mas no carnaval a gente dançava tudo junto.
Os m ineiros “brancos” tinham com o locais dançantes a “sede dos
brancos” , e algum as casas de particulares que faziam de suas salas um salão de
baile, sendo que o mais fam oso e conhecido era o Clube do Alemão. N esse local
122 Aluísio Westrup. atual presidente da diretoria do Próspera Clube Recreativo, colocou que realizaram um convênio com o sindicato dos contabilistas e conseguiram adesão de mais sócios e a nova sede será inaugurada em 22 de abril de 1999. Depoimento coletado em 09/02/1999.
123 Depoimento de Osni Santiago em 1998.
124 Esta sede fechou quando o Próspera Clube Recreativo, permitiu oficialmente a entrada em seu recinto também de trabalhadores braçais.
144
as m ães levavam as filhas para dançar e ficavam sentadas nas cadeiras
conversando e observando as meninas dançando com os moços
Brincar/ jogar/ torcer
%Você pensa que cachaça é água cachaça não é água não cachaça vem do alambique/ e água vem do Ribeirão. c,':3
As brincadeiras dos adultos apresentavam -se de muitas form as Uma delas
era no período do Carnaval. Este abria um espaço para a desobediência de certas
regras que im pediam as pessoas de se relacionarem. Com base no pensam ento de
Júlia Kristeva, que vê o carnaval como m om ento de ruptura de uma ordem
estabelecida e quem dele participa é sujeito e ator, Pierre Mayol reflete que no
Carnaval existem m anifestações de dem olição de valores supostam ente coerentes
nas relações da vida cotidiana.126
Na Vila O perária, o mom ento do Carnaval contribuiu para que, pouco a
pouco, fosse "quebrado" o costume da separação dos clubes. Era um clube só
para negros, tinha um clube para negros e outro só para brancos. Os brancos
iam no clube dos negros, mas os negros não iam no d u be dos brancos.i: Porém,
no Carnaval, diz D. Tunina que podia de tudo, preto com branco O Carnaval era
exceção em todos os clubes, até mesmo no Próspera, que promovia o Carnaval de
rua de Criciúma. As pessoas lembram as fantasias, os jogos de entrudo que
123 “Cachaça”, marcha de carnaval. Lúcio de Castro. Heber Lobato .Marmósio filho e Mirabeau. 126MAYOL. Pierre. Op. cit. p. 68.
145
antecipava a festa e os nam oros que surgiam.
O utra brincadeira bastante vivenciada na Vila era a do Boi-de-Mamão. A
dança do Boi- de- M amão veio com o pessoal do litoral O Boi-de-M am ão era
cantado na frente das casas e nos dias de festa da igreja. O dono da casa oferecia
umas “pingas, umas concertadas,I;s "umas coisas para servir o pessoal” . E todos
cantavam o Boi, dançavam com os “bicharedos” A criançada era a que mais se
divertia com a magia e o encanto dos bonecos Nessas horas, as famílias se
reuniam para brincar. Remeto estas experiências às das rodas de samba e cantoria
dos m oradores, descritas no livro “O Cortiço”, de Aluísio de A zevedo.1:9 Esses
m om entos de entretenim ento e prazer eram realizados com os materiais
conseguidos na Vila e eram m om entos nos quais homens, m ulheres e crianças
divertiam -se juntos
Um outro mom ento que permitia, aos moradores, risos, choro, raiva e
outras em oções, eram os cam peonatos de futebol do “time da raça” .
O estádio Mário Balsini, assim designado em hom enagem a um dos
diretores da Carbonífera, que não perdia uma partida de futebol e que contribuiu
para a construção do estádio, era um local não apenas de partidas de futebol, mas
tam bém de festas e gincanas. As churrascadas de “ I o de M aio” eram ali
realizadas. N esse dia as freiras organizavam brincadeiras e peças teatrais que eram
apresentadas pelas crianças e catequistas O estádio, então, representava um centro
esportivo cultural
1:8 Mistura de bebidas alcóolicas.
146
O “ Esporte Clube Próspera" foi fundado em 29 de m aio de 1946, batizado
com este nom e para hom enagear a Vila onde se localizava Também era cham ado
de “Tim e da Raça”, “Clube dos M ineiros”, “Equipe dos Com padres” . Os
integrantes do tim e eram todos trabalhadores da carbonífera Essa prática de
incentivo ao esporte não era apenas da Próspera, outras carboníferas da cidade de
Criciúm a tam bém investiam nos times de futebol form ados por seus
trabalhadores. José da Silva Jr , ao escrever a “Saga do M etropol”, 13'’ coloca que
três coisas cham avam a atenção de quem sobrevoasse Criciúm a nos anos 50 : as
minas de carvão a céu aberto, as vilas de operários e os campos de futebol'*' pois, a cada boca de mina aberta, ali se formava um tim e de futebol O esporte,
segundo M aria A uxiliadora Decca, baseia-se na disciplina, no esforço físico,
ligado à idéia da necessidade de um "lazer mais saudável e produtivo" para o
operariado, no sentido de torná-lo mais “disciplinado e ordeiro” .I,: O M etropol,
por exem plo, era um tim e humilde como os outros da cidade, mas em 1959, após
uma greve dos m ineiros que durou mais de um mês, os patrões resolveram investir
no futebol, na tentativa de conciliação com os operários. Desse investim ento
resultou diversas taças do cam peonato catarinense para este time.
Denise Bernuzzi S ant’Anna pensa a festa do futebol para além de sua
instauração como anestésicos dos problemas sociais,13' e refere-se ao mesmo
como um m om ento de transgressões, de violação de regras. Nesses m om entos, a
130 Time dc futebol da Carbonífera Metropolitana.
131 SILVA, José da Jr. Histórias que a Bola esqueceu: trajetória do Esporte Clube Metropol e de sua torcida. Florianópolis. CMM Comunicação. 1997.
l3: DECCA. Maria Auxiliadora Guzzo. Op. cit. p. 88. 89. 90 133 SANT’ ANNA, Denise Bemuzzi. Op. cit. p. 66. 67.
147
participação não é apenas dos jogadores, mas da torcida que acom panha o time.
Uma das lem branças mais significativas do Esporte Clube Próspera era de sua
torcida, que, munida de .sombrinhas e outros objetos, am edrontava os visitantes
adversários. Q uando o time ia jogar contra um outro time no estádio Heriberto
Hulse (centro da cidade), a Estrada de berro D. Teresa Cristina sofria com a
procissão da torcida UA C om posto em sua grande maioria por mulheres, esposas,
filhas e vizinhas dos m ineiros jogadores, o número de torcedoras dificultava o
transporte.
Rezar
A com unidade era muito religiosa e m anifestava sua fé em vários
m om entos, nas missas, festa da padroeira, romarias, novenas. A com unidade
podia participar da missa de três formas:
Ouvindo no rádio:'35 aglutinadas nas casas dos vizinhos que possuíam
rádio, as pessoas se encontravam para ouvir a m issa do Pe. A genor.136 Esses
m om entos, além de representarem a manifestação da fé e disciplinarização pela fé,
eram tam bem m om entos de sociabilidade e de solidariedade entre as pessoas que
possuíam e as que não possuíam rádio, sendo que os prim eiros aparelhos
funcionavam por meio de baterias.
134 Bolão do Criciúma no 4. Esporte Clube Próspera. Década de 1980.
13- A primeira Rádio da cidade foi inaugurada dia 07 de novembro d el948. Era a rádio Eldorado