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Capítulo 1: Leitura, Formas e Modelos

2. Ler por Prazer

Embora existindo modelos de ensino explicito como o anterior apresentado para o desenvolvimento da compreensão (Modelo de Giasson) as práticas de leitura podem e devem estar relacionadas com o prazer que aquele confere. De facto atingir o prazer na leitura e pela leitura, fazendo deste acto momentos inesquecíveis de prazer e de fruição é o ser capaz de sentir na solidão da leitura uma comunhão só atingível por quem gosta muito de ler. Atentemos na citação de Proust, já anteriormente citado:

50 De manhã, ao voltar do parque, quando toda a gente tinha ido dar um passeio, introduzia-me na casa de jantar (…) onde eu teria apenas como companheiros, muito respeitadores da leitura, os pratos pintados pendurados nas paredes, o calendário cuja folha da véspera fora recentemente arrancada, o relógio de pêndulo e o lume que falam sem pedir que se lhes responda e cuja suave linguagem vazia de sentido não vem, como as palavras dos homens, entrar em conflito com a das palavras que uma pessoa está a ler. (Proust, 1997: 6-7)

Quem muitas vezes diz que não tem tempo para ler, diz a verdade porque o que realmente lhe falta é a “vontade carácter e temperamento de leitor” (Moreno, 2000:8). Ler, mais que um hábito, é tenacidade, constância e fidelidade que se vai conquistando e ganhando ao longo da vida, pois obviamente que ninguém nasce leitor. Ninguém questiona o facto de um primeiro requisito para se ser leitor é saber ler. A este propósito Pennac (1998:115) estabelece no seu livro “Como um Romance” os dez Direitos Inalienáveis do Leitor:

1- O direito de não ler; 2- O direito de saltar páginas; 3- O direito de não acabar de ler; 4- O direito de reler;

5- O direito de ler não importa o quê;

6- O direito de amar os “heróis” dos romances; 7- O direito de ler não importa onde;

8- O direito de saltar de um livro para o outro; 9- O direito de ler em voz alta;

10- O direito de não falar do que se leu.

Importa, pois, desenvolver e garantir as competências leitoras da infância e da adolescência, competências essas que estão ligadas ao modelo de ensino e aprendizagem da língua materna ministradas nas aulas. “Ler, habituar-se a ler, gostar de ler tem sido pois um campo que se remete para a responsabilidade das disciplinas

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de línguas, responsabilidade acentuada no que respeita à língua materna” (Baleiras, 1995:11).

A escola torna-se responsável pelos alunos que não lêem, porque não podem ler, porque o sistema de ensino e aprendizagem não lhes proporcionou essa capacidade, tanto a nível de leitura como de escrita, não lhes desenvolveu as competências leitoras.

“Aprende-se a ler porque é preciso, lê-se o essencial porque é necessário, mas não se desliza pela leitura com o gosto e a apetência que criam o prazer” (Sim-Sim, 2006: 9).

Ao citar o inquérito realizado por Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães, Baleiras (1995:13) salienta que “87,8% dos inquiridos consideram a leitura um prazer / uma distracção. Para a grande maioria dos inquiridos o lugar preferencial para ler é, no entanto, o quarto: a leitura é um acto solitário.” Fazer da leitura um acto de prazer, “dar ao leitor o prazer máximo, que consiste em cansar-se do texto e pedir-nos que passemos a outro” (Pennac, 1998:61) é um passo inicial imprescindível para ajudar a despertar o interesse pela leitura. O sucesso e o gosto pela leitura dependem em certa medida da estabilidade emocional da criança leitora. “ A forma como lêem, bem ou mal, e aquilo que lêem não pode depender apenas deles, mas a razão pela qual lêem deve ser do seu interesse e no seu próprio interesse” (Bloom, 2001:19)

Há, entretanto, uma condição para que a leitura seja de facto prazerosa e válida: o desejo do leitor. É óbvio quando a leitura se torna em obrigação, a leitura é enfadonha, desmotivante… Para suscitar esse desejo e garantir o prazer de leitura, Pennac prescreve os direitos do leitor atrás referidos. Respeitados esses direitos, o leitor da mesma forma, passa a respeitar e a valorizar a leitura. Está, assim, estabelecido um vínculo indissociável. A leitura começa a funcionar com um íman que atrai e prende o leitor, numa relação de amor da qual não se deseja desprender.

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2.1. Promoção da Leitura

Falar de promoção de leitura implica falar de um projecto que entrou na vida de (quase) todos os portugueses: o PNL.

O Plano Nacional de Leitura toma como referência alguns princípios essenciais que têm orientado a acção realizada nos países que apresentam resultados mais positivos no domínio da promoção da literacia:

- O caminho para a aquisição de uma competência sólida no domínio da leitura é longo e difícil;

- Para se induzirem hábitos de leitura autónoma, são necessárias muitas actividades de leitura orientada;

- A aquisição plena da competência da leitura não exige apenas a aprendizagem da descodificação do texto;

- Para se atingirem patamares superiores de compreensão, é indispensável uma prática constante na sala de aula e na biblioteca, em casa, durante vários anos;

- O treino da leitura não deve ser remetido apenas para o tempo livre ou para casa, pois, se o for, em muitos casos não se realiza;

- A promoção da leitura implica um desenvolvimento gradual, e só se atingem os patamares mais elevados quando se respeitam as etapas inerentes a esse processo;

- Para despertar o gosto pela leitura e estimular a autonomia, é necessário ter em mente a diversidade humana, considerar as idades, os estádios do desenvolvimento, as características próprias de cada grupo, o gosto e o ritmo próprios de cada pessoa;

- Os projectos de leitura devem rejeitar tentações de modelo único. Exigem uma atitude aberta, flexível onde caibam múltiplos percursos, os percursos que a diversidade humana aconselha a respeitar.

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Negar, ignorar ou atropelar estes princípios compromete e, por vezes, anula os esforços mais bem-intencionados de todos os que se empenham em generalizar o acesso à leitura e a vêem como um bem essencial.»

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