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2. OBRAS PERDIDAS: RASTROS DE ARQUIVO

2.4 Lesmas

Presentes nos títulos e nos formatos, as lesmas aparecem em, ao menos, sete esculturas, duas em plavinil e cinco em metal, com desenhos distintos umas da outras, diversifica no uso do material, das cores e estampas. Altera a materialidade da lesma orgânica: com o plavinil forra-as com tecido, costurando as listras alternando-as entre duas cores, mantém o volume e as curvas e retira o pedestal. Com o metal, sintetiza sua representação no plano bidimensional das placas dando ênfase aos diferentes desenhos das curvas e as revestem de cores puras estampando- as de listras, cor única e manchas, ainda utiliza o pedestal seja ele rente ao chão ou elevado no formato de cubo branco.

169 HERING, Elke. [Entrevista concedida a] Paulo Clóvis Schmitz. Florianópolis, 29 nov. de

1985.

Figura 37: Elke Hering, Vista do Jardim, 1969/1970, Metal, Plavinil. Acervo de imagem Rafaela Hering Bell.

As duas imagens (Figuras 37 e 38) registram, em ângulos diferentes, um conjunto de esculturas em plavinil e metal fotografadas no jardim da casa de Elke Hering. Na foto (Figura 37) de frente para a casa aparecem mais esculturas. Uma outra de metal, que está ao fundo, se assemelha com a que está no degrau, ambas no pedestal. Nota-se que o trabalho que Elke Hering fez em parceria com Hamilton Cordeiro encontra-se ao fundo (Figura 27).

Com as Lesmas, não há indícios das mãos da artista, a “impessoalidade” da obra está em paralelo com a imagem do produto industrializado. Oposta às esculturas soldadas, que deixava evidente as junções de uma peça com a outra resultando numa superfície estriada, opta pelo material limpo, liso, asséptico de formato curvilíneo e recobre-as com cores chapadas e delimitadas. Em 1970, Elke Hering inscreve cinco esculturas de metal para participar da Pré-Bienal de São Paulo, três delas intituladas Lesma foram produzidas em fevereiro do mesmo ano com

dimensões variadas, provavelmente tratam-se das mesmas que aparecem nas fotos acima ou nos desenhos abaixo (Figuras 37, 38 e 39). No arquivo

Wanda Svevo há uma ficha de inscrição em nome de Elke Hering para

participar da Bienal Nacional de 1970, cinco esculturas de chapa de metal estavam descritas. Provavelmente sua participação foi negada e a do seu marido aceita, uma vez que no catálogo do evento aparece somente o nome de Lindolf Bell com os objetos-poema em madeira compensada: Man,

Coração do Mundo e Temoral. A única menção ao seu nome junto a estes

trabalhos saiu na matéria Arte Brasileira em Pré-Bienal do Jornal do Brasil destacando dois trabalhos inteiramente novos, um deles o de Lindolf Bell “e o espetáculo do poeta catarinense Lindolf Bell e sua esposa Elke Hering, que integram a poesia e as artes plásticas numa Caixa de Falar”. Trabalhos anteriores envolvendo artes plásticas e poesia já tinham sido realizados pelo casal, muito provavelmente como a matéria indica, a participação dela foi efetiva nesses trabalhos mesmo que seu nome não apareça entre os artistas participantes dessa edição.

Com as esculturas/objetos de plavinil participou da quarta edição do

Panorama da Arte Atual Brasileira de esculturas e objetos realizada no MAM

(Museu de Arte Moderna) de São Paulo, em 1972. Convidada pela comissão artística do museu, expôs os três trabalhos abaixo (Figura 40): à esquerda

Caneta, no meio a Lesma e à direita o Vaso, que lhe renderam a participação

na XII Bienal Internacional, em 1973.

Apesar das Lesmas em plavinil terem sido registradas sem pedestal (Figura 41), seu volume permite que se sustente em pé. Quando encontram- se no espaço expositivo recorrem a eles. No catálogo da exposição, há uma página dedicada para um trabalho de cada artista, e percebe-se que, ou o pedestal é extinto ou ele se apresenta de maneira bem sutil – fino e baixo – somente para manter elevada a estrutura. As lesmas são moluscos rastejantes em contato direto com superfícies, as Lesmas registradas no jardim demonstram a intrínseca relação entre a obra e o seu meio (apesar de que algumas de metal apresentam-se também em pedestais brancos), ao deslocá-la para a exposição é a única dentre os três trabalhos a ser colocada Figura 40: Vista da exposição Panorama da Arte Atual Brasileira. Museu de Arte Moderna

num pedestal. Devido a exposição, Caneta – o trabalho que está no chão com um extenso espiral – pertence hoje ao acervo do museu.

O Museu de Arte de Santa Catarina tem hoje em seu acervo seis trabalhos de Elke Hering: Sem título (1991), escultura em madeira; no seu jardim interno encontra-se Figura Sentada (1986) de 1,75 cm de altura feita de cimento; Figura Sentada (1985) em bronze; Salão de Baile no Campo (sem data), desenho a óleo sobre papel; Triunfo Supremo (1981), desenho a nanquim; Massa de Modelar (1972) de plavinil. Não obstante, mais uma escultura deveria estar em seu acervo: Lesma (Figura 41), de 1970. A obra foi adquirida pelo museu logo após sua exposição em 1970. Algumas informações sobre seu desaparecimento encontram-se na matéria Peça da

escultora Elke Hering some do acervo do MASC 170 . Notou-se seu

desaparecimento em novembro de 1993 quando foi desmontada para restauração. Segundo a diretora na época, a forma de madeira estava sendo tomada por cupins. Após a restauração, o revestimento de vinil foi embalado e, durante a reforma do MASC, a obra não foi mais encontrada. A hipótese de roubo foi descartada, e há um forte indício da embalagem ter ficado no antigo corredor de obras em trânsito, ter se confundido com material descartável e ter sido jogada no lixo.

170 PEÇA da escultora Elke Hering some do acervo do MASC. A Notícia, Joinville, 01 abr.

A própria artista pediu a abertura de sindicância em outubro de 1993, quando envia uma carta à diretora do MASC, Teresa Collares. Em visita a Florianópolis no dia 22/10, tomei conhecimento da

perda de uma obra de arte de minha autoria, pertencente a este Museu.

Trata-se de uma escultura de plavinil com listras amarelas e pretas, denominada “Lesma”, da época de 1967.

Diante do incidente ocorrido, que acho lamentável, peço que seja aberta uma sindicância para apurar este fato.

Não se sabe a partir de qual momento a obra desapareceu e quanto tempo depois chegou essa informação até a artista. A pedido dela a sindicância foi aberta em seguida.171 Cinco meses depois, o museu concluiu

a investigação.

A comissão após elaborar o Relatório Final, deu por encerrado os trabalhos de sindicância concluído pela impossibilidade de determinar culpados haja visto o transcurso de um considerável período de tempo entre a desmontagem da obra, a guarda, as buscas e a constatação desse desaparecimento.

Neste período o Museu passou por direções interinas. Além disso o local de guarda da obra desmontada, no MASC, sugere a possibilidade dela ter sido confundida com outros materiais (papel, papelão, isopor, restos de plástico, restos de madeira que posteriormente seriam dispensados para lixo.172

171 Elke Hering data o ano da Lesma em 1967. A partir daí é possível trabalhar com duas

hipóteses, da que a artista tenha se confundido na data, pois boa parte destes trabalhos são realizados no final de 1969 a início dos anos 1970. Ou, de fato, ele tenha sido o primeiro a ser feito, antes mesmo de Erupção de 1968.

172 Diagnóstico do acervo.2010. MASC. p.27–30.

Dez anos depois o museu restaurou a escultura Ultrapassagem, de Hamilton Cordeiro, que possui as mesmas características da Lesma. Quando sua estrutura foi desmontada e retirada, apenas a madeira foi descartada, restando a espuma e o tecido vinílico. O revestimento externo perde o volume, enquanto a espuma permanece. Se a hipótese de ter sido confundida com o lixo é a mais provável, pela própria natureza dos materiais da obra ser confundida com materiais descartáveis, no mínimo o local de armazenamento da mesma não era o adequado. Desaparecer é um verbo inconclusivo, incapaz de esclarecer um desfecho final. Antes de arquivar o pedido e dar por encerrada a investigação, Elke Hering veio a falecer sem saber o que de fato aconteceu com seu trabalho. De qualquer maneira, até o presente momento, seu paradeiro é uma incógnita.

A imagem de Lesma Amarela, é uma das poucas fotografias coloridas e com nitidez dos trabalhos de plavinil. A imagem era do acervo

virtual do MASC que foi salva por mim em 2012 diretamente do site do

museu quando ainda estava na relação das obras de Elke Hering pertencentes ao acervo. Hoje essa imagem e suas informações não se encontram mais disponíveis no endereço eletrônico da instituição.

Erupção, a coleção de desenhos, e a Lesma Amarela, não foram os

únicos trabalhos da artista que desapareceram, como se não bastasse há muito outros pertencentes a este grupo. Diante de seus arquivos foi possível reescrever sobre a especificidade de cada trabalho bem como a trajetória do desaparecimento. Os materiais produzidos são convertidos em diversos suportes oriundos da projeção que o campo das artes visuais abarca, podemos classificá-los em três instâncias: imagem, textos e documentos adjacentes. Com a imagem temos o registro fotográfico da obra, do artista e da exposição; o texto se apresenta em diversos formatos: na mídia impressa, nos convites, nos catálogos e na exposição; e os documentos adjacentes, que são aqueles produzidos em torno da obra como: cartas, contratos, recibos, anotações, projetos, gravações, manuscritos entre outros. Os rastros deixados pelos arquivos das obras perdidas originados antes e após os acontecimentos são os intermediários que persistem para que elas não desapareçam por completo. Suas aparições através de diferentes meios é o que permite reativá-las para ser inseridas nos escritos da história da arte.