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Capítulo 2 – Referencial Teórico-metodológico

2.2 Letramento Crítico

Em 2015, como já mencionei em outras seções deste trabalho, ingressei no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi já no meu primeiro semestre de estudos na pós-graduação que, através de uma disciplina do programa28, conheci os estudos sobre o Letramento Crítico

(LC), que vieram em hora propícia para possibilitar reflexões sobre nossa empreitada no ensino de PLA para Candidatos ao PEC-G. Como destacam Mattos e Valério (2010), tais estudos se debruçam sobre o caráter ideológico da comunicação e tem como objetivo principal o desenvolvimento da consciência crítica. O LC “pretende mudar a sociedade, promovendo a inclusão social de grupos marginalizados”

28 A disciplina “Novos letramentos e ensino de língua estrangeira”, ministrada pela Profa.

Dra. Andréa Machado de Almeida Mattos. Para contextualizar melhor os objetivos, apresentamos qual era sua ementa: “O curso tem por objetivo apresentar uma visão geral das teorias sobre Novos Letramentos, incluindo Letramento Crítico, e suas mais recentes aplicações ao ensino de línguas estrangeiras e à formação de professores. Serão discutidos suas origens e principais fundamentos, a fim de proporcionar reflexões críticas sobre suas aplicações e desenvolvimentos. Também serão abordadas a dimensão educacional dessas teorias e suas inter-relações práticas com o ensino de línguas para a justiça social”. Disponível em < http://www.poslin.letras.ufmg.br>. Acesso em: 20 set. 2016.

(ALFORD, 2001 apud MATTOS e VALÉRIO, 2010) a partir da “expansão do escopo de identidades sociais em que as pessoas possam se transformar” (JORDÃO, 2002, p. 3 apud MATTOS e VALÉRIO, 2010).

Instigadas pelas discussões propostas por aquela e outras disciplinas que estávamos cursando na pós-graduação, outra professora do Curso de PLA para Candidatos ao PEC-G, que havia ingressado na pós-graduação juntamente comigo, e eu começamos a nos atentar para o nosso fazer docente. Em nossas reuniões pedagógicas, buscávamos compartilhar o que estávamos aprendendo com as demais professoras da equipe e, juntamente com o nosso coordenador, propúnhamos discussões e elaborávamos materiais didáticos que visassem ao letramento crítico de nossas estudantes na língua adicional.

Como discute Jordão (2014), o LC apresenta um diferente olhar sobre as práticas do letramento, em relação a abordagens anteriores, como a abordagem comunicativa e a pedagogia crítica. Segundo ela, “nessa nova visão, realidade e observador são inseparáveis: só se tem conhecimento do real mediante nosso olhar, nossa leitura dele” (ibidem, p. 198). A autora atenta para o fato de que “ao ver, já estamos imprimindo interpretações para aquilo que vemos – só podemos ver justamente porque interpretamos, ao ver já estamos conferindo sentido ao que vemos” (ibidem, loc. cit.).

Trabalhar em sala de aula sob a perspectiva do LC, como salienta Jordão (2014), significa

construir com os alunos (e para nós mesmos) o entendimento de que ler é uma atividade, uma prática; é uma prática social, coletiva; é política, o que quer dizer que acontece de forma ideologicamente marcada por nossas vivências, nossas crenças, nossas comunidades interpretativas; é livre, mas depende do uso de procedimentos válidos ou compreensíveis dentro do contexto de leitura se quiser ser legitimada por ele (Ibidem, p. 200-201, grifos da autora).

Nesse sentido, a autora conclui que, sob a perspectiva da LC, o papel do professor consiste em ampliar as possibilidades de

“procedimentos interpretativos e visões de mundo para poder ajudar os alunos a ampliarem também os seus” (JORDÃO, 2014, p. 201). Assim, alunos e professores têm papel agentivo na criação de sentidos diante das práticas de letramentos às quais se expõem, e, enquanto se perguntam sobre seu próprio fazer interpretativo, veem-se, criticamente, tanto como narradores quanto narrados (JORDÃO, 2014), e, ao perceberem-se assim, podem se “posicionar como participantes ativos da sociedade, capazes de recontar e refazer sua história” (ibidem, p. 202). Como sublinha Jordão (ibidem), no LC, não é somente o professor que traz para a sala de aula conhecimentos legítimos, mas, no ato educativo, também os estudantes são personagens principais na construção de saberes legítimos. A partir de Freire (1998) e Ferraz (2014), a autora insiste no reconhecimento de que os alunos “sabem coisas e essas coisas são importantes, precisam ser valorizadas e valem à pena ser compartilhadas” (ibidem, p. 202, grifos da autora).

Em um quadro comparativo em que Jordão (2014) apresenta uma diferenciação entre a abordagem comunicativa, a pedagogia crítica e o letramento crítico, é possível visualizar algumas concepções do LC, como demonstrado na tabela 4, a seguir.

Tabela 4 – Letramento Crítico Letramento Crítico

Língua Discurso – lócus de construção de sentidos.

Sentidos Atribuídos/construídos pelo leitor (comunidades interpretativas).

Criticidade Reflexividade perante (processos de) construção de sentidos.

Sujeito aprendiz Problematiza em reflexividade: agência pode ser estimulada pelo professor.

Sujeito ensinante Problematiza em reflexividade: agência pode ser estimulada pelos alunos.

Cultura Diferenças (classe, gênero, etc.) como produtivas: compreender processos de construção; exercer agência nas representações.

Função da educação Problematizar práticas de construção de sentidos/representação de sujeitos; (re)posicionar- se, “ler-se lendo”.

Podemos afirmar, assim, que o LC está em consonância com os pressupostos da Linguística Aplicada Indisciplinar, pois percebe a heterogeneidade dos sujeitos (MOITA LOPES, 2006) e atenta para a necessidade de uma contínua reflexão sobre as práticas em que pesquisadores, professores e estudantes se envolvem nas práticas de ensino-aprendizagem de uma língua adicional e nas pesquisas que buscam contribuir para essas práticas.

Finalmente, acreditamos que o LC, segundo o que discutimos até o presente momento, é importante nesta pesquisa não somente para que se entendam as práticas realizadas pelas professoras no Curso de PLA para Candidatos ao PEC-G, mas, ademais, em consonância com a Linguística Aplicada Indisciplinar, baliza nosso fazer como pesquisadores.

Na próxima seção discutiremos outros conceitos importantes para as análises de registros, que empreenderemos no capítulo 3 desta dissertação.