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Letramento digital: algumas considerações

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.3 A relação entre a noção de tema em Bakhtin e minhas aulas de Língua

1.5.1 Letramento digital: algumas considerações

A comunicação mediada pela tecnologia provoca mudanças em nossa maneira de ler e de escrever. Essas mudanças surgem pela necessidade de utilizar os recursos do meio digital. Linguagens que antes eram periféricas tornam-se salientes e, em muitos casos, são as protagonistas em eventos comunicativos, como é o caso das imagens fixas ou em movimento. (GOMES, 2011).

Inicio essa sessão trazendo as concepções de letramento digital apresentadas por Soares (2002) e Gomes (2011).

Mas, antes, gostaria de recuperar a concepção de letramento abarcada por este trabalho: “letramento refere-se ao conjunto de práticas de uso da escrita nos contextos sociais, entendendo que tais práticas variam de acordo com os objetivos dos participantes, com o ambiente e com o modo como se realizam” (KLEIMAN, 1995, p. 46). É partindo desse lugar que buscarei apresentar as razões que me levaram a propor o ensino de língua portuguesa por meio do blog e do hipertexto.

Conforme já mencionei na introdução desta dissertação, ao desenvolver uma metodologia de pesquisa de tipo etnográfico pude chegar de uma maneira bastante precisa às práticas sociais de leitura e escrita dos alunos.

As rodas de conversa e as entrevistas informais confirmaram minhas suposições de que meus alunos, assim como tantos outros, estavam inseridos no letramento digital, cujas práticas cotidianas confirmavam outra suposição: frequente acesso às redes sociais. Ora, se para Soares (apud FREITAS, 2010, p. 40) o letramento digital pode ser concebido como:

(...)certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela diferentes do estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel. (SOARES, 2002 apud FREITAS, 2010).

E para Gomes, “conjunto de práticas socialmente organizadas que fazem uso de sistemas simbólicos e da tecnologia para atuar com propósitos específicos”, então, de fato, posso afirmar que as práticas sociais dos meus alunos estão inscritas nesses contextos, todavia, é preciso atentar para o que assevera Gomes: “não é o simples acesso às tecnologias digitais que pode trazer benefício ao aluno, ao cidadão, mas sim o uso que se fizer delas” (GOMES, 2011, p. 14). Por essa razão, compreendo que nós professores temos um importante papel nesse cenário, uma vez que somos nós os representantes direto de uma, que, talvez seja a mais importante agência de letramento: a escola.

Posicionando-se sobre o papel da escola diante dos letramentos sociais dos alunos, Kleiman (2007) faz a seguinte consideração:

Acredito que é na escola, agência de letramento por excelência de nossa sociedade, que devem ser criados espaços para experimentar formas de participação nas práticas sociais letradas e, portanto, acredito também na pertinência de assumir o letramento, ou melhor, os múltiplos letramentos da vida social, como o objetivo estruturante do trabalho escolar em todos os ciclos. (KLEIMAN, 2007, p.4).

Gomes (2011) parece concordar com esse posicionamento quando propõe que, “o letramento digital que já vem ocorrendo de forma espontânea em muitas comunidades de prática”, precisa da ação capacitada da escola, dos professores de maneira que venham contribuir para a formação e atuação consciente e crítica dos alunos. Segundo o autor:

O letramento digital (...) que já vem ocorrendo de forma espontânea em muitas comunidades de prática tem seus usos, em sua maioria, voltados para as formas hegemônicas de pensar e de participar, o que deixa de fora a leitura crítica e a alteridade. Constroem-se identidades globalizadas que repercutem ideias alheias, quase sempre alienadas e voltadas ao consumo. (GOMES, 2011, p. 14). (Grifo do autor).

Foi considerando essas questões – práticas sociais dos alunos mais a necessidade de ampliar e aprimorar essas práticas – que surgiu a proposta de trabalhar o ensino de língua portuguesa no contexto digital a partir da criação de blogs e do uso do hipertexto.

A escolha pelo blog foi motivada por duas razões específicas. A primeira razão está relacionada diretamente como os objetivos pretendidos por esta pesquisa:

 ampliar as práticas de letramento dos alunos de uma turma de 8º ano de uma escola pública localizada em Marechal Deodoro, município de Alagoas e;

 usar o ambiente digital como espaço de interação que demande o uso da(s) norma(s) culta(s).

A segunda razão tem a ver com a facilidade de manuseio da ferramenta que não exige nenhum conhecimento especializado na área da computação; tem a ver também com a possibilidade de se operar com diversas semioses (textos escritos, imagens, animações, sons), o que garante uma certa dinamicidade ao ambiente (tão característico dos nossos atuais jovens), além do fato de que a maioria dos provedores possibilitam o uso gratuito da ferramenta.

Segundo Komesu (2005), esses atributos têm contribuído para o fato de que, no Brasil, o número de pessoas escreventes de blogs aumente a cada dia. Em 2002, esse número já atingia a quantidade de 170.000 pessoas, havendo uma estimativa de que, a cada dia, dois mil novos usuários se inscrevem no provedor Blogger.

Marcuschi (2002/2005) já apontava para essas questões, ao refletir acerca dos gêneros emergentes no ambiente virtual e dos possíveis impactos provocados pelo advento dessa “nova” tecnologia no uso da língua e na vida social:

Já nos acostumamos a expressões como “e-mail”, “bate-papo virtual” (chat), “aula-chat”, “listas de discussão”, “blog” e outras expressões da denominada “e-comunicação”. Qual a originalidade desses gêneros em relação ao que existe? De onde vem o fascínio que exercem? Qual a função de um bate-papo pelo computador, por exemplo? Passar o tempo, propiciar divertimento, veicular informação, permitir participações interativas, criar novas amizades? Pode-se dizer que parte do sucesso da nova tecnologia deve-se ao fato de reunir num só meio várias formas de expressão, tais como, texto, som e imagem, o que lhe dá maleabilidade para a incorporação simultânea de múltiplas semioses, interferindo na natureza dos recursos linguísticos utilizados. A par disso, a rapidez da veiculação e sua flexibilidade linguística aceleram a penetração entre as demais práticas sociais. (MARCUSCHI, 2005, p.13).

Talvez, de fato, sejam essas as razões propulsoras da inserção massificada da população e, em particular, dos alunos no ambiente virtual. De qualquer modo, o que nos interessa observar aqui é que, foi a partir dessas práticas, ou melhor, das práticas sociais dos alunos, as quais estão inseridas nesse contexto, que cheguei à elaboração da proposta de ensinar língua portuguesa por meio do suporte digital.

E, ainda, é necessário dizer que, ao abrir espaço para dar voz aos alunos, conhecer suas práticas de leitura, de escrita, de vida cotidiana, foi possível chegar àquilo que se constituiu como o problema de pesquisa deste trabalho: a representação da norma e da imagem do professor, isto é, a ideia de língua única reforçada pela imagem do professor como sujeito representante dessa língua era tão forte nos alunos que acabava se refletindo no uso da escrita em contexto de sala de aula, de maneira que os levava à negação da prática, desvelada por meio dos discursos: “no face, a gente escreve tudo “errado, aí, a senhora é a professora, vai ver nossos “erros”, melhor não”; “por isso, não gosto de ir ao quadro, se a gente escreve “errado”, a turma tira onda”.

Ao entrar em contato com esses discursos, compreendi que era necessário dar uma resposta a esse cenário. Primeiro propondo um trabalho de reflexão acerca das variações linguísticas, de seus usos e contextos e depois, propondo um trabalho de aplicação, onde fosse possível, de certa forma, manifestar os resultados dessa reflexão. Compreendi também que, mais que refletir acerca dessas práticas, era necessário ampliá-las, levar os alunos a conhecerem e a usarem outros espaços digitais que demandassem outros usos da língua além daqueles já praticados por eles, como nas redes sociais, por exemplo, cuja escrita em muito se aproxima das conversas informais.

Além disso, é preciso considerar que a palavra letramento, no contexto desse trabalho, deve ser compreendida em sua pluralidade, de modo que, quando penso em letramento digital do aluno, estou me reportando a uma prática específica, dentro de um contexto específico, nesse caso, práticas de uso da escrita no ambiente digital.

Quanto à proposta de trabalharmos com o hipertexto, as considerações apresentadas no próximo tópico justificarão a escolha.