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CAPÍTULO 2. LETRAMENTO

2.3 Letramento e os usos sociais da leitura e da escrita

Um dos objetivos principais da escola é possibilitar aos alunos participarem das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita na vida, de maneira ética, crítica e democrática. (ROJO, 2009).

Considerando a fala da autora, para que os estudantes sintam-se valorizados e inseridos no processo educativo e possam participar das várias práticas sociais de leitura e escrita, é preciso que os conteúdos e o currículo escolar, além de trazerem a evolução do mundo globalizado, tragam também seus saberes, sua cultura, seu jeito de falar.

Atualmente, para os educadores do campo, são grandes os desafios. O currículo que atenda a realidade do campo e, ao mesmo tempo, insira o estudante no mundo globalizado, é um deles. Outro desafio é fazer com que os estudantes tenham interesse pelas aulas e que os conteúdos sejam expostos de forma dinâmica, atrativa e envolvente, e que eles sintam-se participantes dessa evolução social, sem deixar de lado suas raízes e, principalmente, que compreendam e valorizem as variações linguísticas existentes, que todos os tipos de linguagens são importantes, não existe um padrão de linguagem superior ao outro.

No que diz respeito aos estudantes do campo, devido às variações lingüísticas existentes entre o linguajar deles e dos estudantes da cidade, muitas pessoas ainda os vêem como “jecas”, “matutos”, “caipiras”.

As variações lingüísticas existentes são dependentes umas das outras, manifestando- se em todos os níveis de funcionamento da linguagem.

Os alunos que chegam à escola falando ‘nós cheguemu’, ‘abrido’ e ‘ele drome’, por exemplo, têm que ser respeitados e ser valorizadas as suas peculiaridades linguístico-culturais, mas têm o direito inalienável de aprender as variantes do prestígio dessas expressões. Não se lhes pode negar esse conhecimento, sob pena de se fecharem para eles as portas, já estreitas, da ascensão social. O caminho para uma democracia é a distribuição justa de bens culturais, entre o quais a língua é o mais importante. (BORTONI-RICARDO, 2005, p.15, aspas do original).

É necessário estudar as variações em função dos emissores, dos receptores e dos diversos fatores, como região, faixa etária, classe social e profissão, pois, em uma mesma comunidade linguística, coexistem usos diferentes, não existindo um padrão de linguagem que possa ser considerado superior. O que determina a existência de tal variedade é a situação concreta de comunicação, e a possibilidade de variação da língua expressa, a variedade cultural existente em qualquer grupo.

Os estudos de Street (2003, 2006), Kleiman (1995), desenvolvidos sob o ponto de vista da dimensão social do letramento, levaram à descoberta de que os indivíduos com diferentes graus de dificuldade para ler e escrever desenvolvem diferentes práticas para lidar com as demandas sociais de leitura e escrita. Estudos desse tipo privilegiam a observação de grupos menos favorecidos no âmbito social e econômico.

Em todos os estudos, os resultados obtidos apontam para a ligação entre habilidades letradas e prática contextual em sociedade. Segundo Marcuschi (2001), é a partir das práticas sociais, incluindo as atividades comunicativas constituídas socialmente, que se pode compreender as funções sociais que desempenham a leitura e a escrita, como elas se adaptam a várias culturas e como os indivíduos se apropriam delas.

Compreender os usos sociais da leitura e da escrita é compreender a profunda relação existente entre a língua e a cultura. A língua não só é parte, como também resultado, meio de operar e condição para subsistir da cultura. É na língua que se projetam os comportamentos, as crenças, os hábitos, as instituições, e os valores materiais e espirituais que caracterizam um grupo e que são transmitidos coletivamente. (BRANDÃO, 1991).

Ao falar, um indivíduo transmite, além da mensagem contida em seu discurso, uma série de dados que permite a um interlocutor atento não só depreender seu estilo pessoal – idioleto – mas também filiá-lo a um determinado grupo. (BRANDÃO, 1991, p.183).

Visto que a língua e a cultura são indissociáveis, ao tratarmos o preconceito em relação ao dialeto caipira, estamos também tratando o preconceito em relação à sua cultura e vice-versa. Por isso, quando vemos a discriminação em relação ao modo de falar caipira, ela existe também em relação à sua cultura.

Para garantir o sucesso dos estudantes na aquisição da leitura e da escrita, foi preciso, e ainda é, a discussão da prática pedagógica dos professores no exercício do planejamento, registro e avaliação, dentro do respeito às diversidades encontradas e à identidade individual de cada estudante.

Para o ensino eficaz da linguagem, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, (1996), é preciso satisfazer a necessidade do estudante e que se ensine a língua como algo que é vivo e dinâmico que faz parte da realidade do sujeito.

Toda educação verdadeiramente comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para o desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da linguagem que satisfaça necessidades pessoais — que podem estar relacionadas às ações efetivas do cotidiano, à transmissão e busca de informação, ao exercício da reflexão. De modo geral, os textos são produzidos, lidos e ouvidos em razão de finalidades desse tipo. Sem negar a importância dos que respondem a exigências práticas da vida diária, são os textos que favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada (BRASIL, 1996, p.37).

O professor como agente do letramento deve, por meio de sua liderança, articular novas ações, mobilizando o educando para fazer aquilo que não é imediatamente aplicável ou funcional, mas que é socialmente relevante; aquilo que vale a pena realmente ser aprendido. Geralmente, quando é dado ao estudante a oportunidade de mobilizar seus saberes e de ser ouvido, ele acaba superando não só as suas próprias expectativas, mas as do professor também.

Kleiman (1995) ainda destaca alguns passos fundamentais para o desempenho do papel do “professor letrador”: investigar as práticas sociais que fazem parte do cotidiano do educando, adequando-as à sala de aula e aos conteúdos a serem trabalhados; planejar ações visando ensinar para que serve a linguagem escrita, e como o estudante poderá utilizá-la em diferentes contextos; desenvolver no estudante, através da leitura, a interpretação e a produção de diferentes gêneros textuais, habilidades de leitura e escrita que funcionem dentro da sociedade; incentivar o estudante a praticar socialmente a leitura e a escrita, de forma criativa, descobridora, crítica, autônoma e ativa, já que a linguagem é interação e, como tal, requer a participação transformadora dos sujeitos sociais que a utilizam.

Segundo Soares (2002), o letramento em uma perspectiva social é um fenômeno cultural, ou seja, um conjunto de atividades sociais que envolvem a língua escrita e de exigências sociais de uso da língua. Assim, o letramento pressupõe não apenas o domínio das técnicas da leitura e da escrita, mas vai além destas atividades de novos significados ao que se lê. O processo do letramento não se encerra simplesmente na atividade de decodificação de signos linguísticos, vai além, precisa proporcionar maior compreensão do mundo, levar o sujeito aperceber e transformar a realidade social.

O ensino da leitura e da escrita deve ser entendido como prática de um sujeito agindo sobre o mundo para transformá-lo e, para, através da sua ação, afirmar a sua liberdade e fugir à alienação. Para enfrentar todas as dificuldades no mundo do trabalho e fazer diferentes leituras do mundo, segundo os PCNs:

O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Por isso, ao ensiná-la, a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes lingüísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (BRASIL, 1996, p.15).

As pessoas conseguem compreender umas às outras quando não possuem as mesmas experiências culturais. Aspectos relevantes de uma cultura podem facilitar o aprimoramento

da competência intercultural de um falante, já que somente a aprendizagem de estruturas linguísticas não é sinônimo de sucesso para essa compreensão.

Dessa forma, tomamos como referencial teórico os Novos Estudos do Letramento (NEL), a partir das contribuições de Tfouni (1986, 1995), Brandão (1991), Kleiman (1995, 2005, 2007), Marcuschi (2001), Jung (2203), Soares (2002, 2003), Street (1995, 2003, 2006) Bortoni-Ricardo (2005), Rojo (2009) com ênfase na abordagem de Street que defende que as práticas de letramento só fazem sentido quando estudadas a partir do contexto sociocultural ao qual elas pertencem.