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2 EDUCAÇÃO PARA SURDOS/AS: construção de espaços para a diferença

2.1 LETRAS LIBRAS: UMA POLÍTICA DE INCLUSÃO DE SURDOS/AS NO

Se a década de 1990 foi o período da universalização da educação básica, nos anos 2000, durante o governo do então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2011), criam-se políticas para grupos vulneráveis ocuparem os espaços da graduação, em programas como o ProUni (Programa Universidade para Todos)11 e o Reuni12 (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais).

Com as políticas de democratização de acesso ao ensino superior, surgiu a oportunidade dos/as surdos/as ingressarem nas instituições de ensino superior, na perspectiva das políticas inclusivas, seguindo o mesmo pressuposto da inclusão nos anos fundamentais e médio. Apesar dessas políticas ainda estarem contextualizadas em um cenário de monolinguismo, já que a língua vigente nesses espaços continuava a ser a língua portuguesa, o período foi o marco para a ocupação de espaço dos/as surdos/as e consequentemente da Libras no ensino superior.

Desse modo, as políticas linguísticas na educação superior ainda não são as desejadas pelos/as surdos/as, como forma de acesso ao conteúdo, já que as explicações em sala de aula são mediadas pelos intérpretes de Libras, de forma majoritária. Os intérpretes de língua de sinais realizam a comunicação entre surdos/as e ouvintes em situações de interpretação simultânea de aulas expositivas ou eventos (BRASIL, 2010).

A presença do profissional intérprete em sala de aula não contempla as políticas linguísticas para o povo surdo, já que a proposta defendida pela comunidade surda é uma educação bilíngue em que a primeira língua em sala de

11O Programa Universidade para Todos – Prouni tem como finalidade com a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação especifica, em instituições de ensino superior privadas <http://prouniportal.mec.gov.br/o-programa> Acesso em: 18/11/2018.

12Com o Reuni, o governo federal adotou uma série de medidas para retornar o crescimento do ensino superior público, criando condições para que as universidades federais promovam as expansões físicas, acadêmicas e pedagógicas da rede federal de educação superior. Os efeitos da iniciativa podem ser percebidos pelos expressivos números da expansão, iniciada em 2003 e com previsão de conclusão ate 2012 <http://reuni.mec.gov.br> Acesso 18/11/2018).

aula seja a língua de sinais. Além disso, o intérprete de Libras acaba assumindo responsabilidades que não são parte de sua função, como realizar apoio pedagógico para os/as estudantes surdos/as. Por não estarem em um ambiente bilíngue, estudantes surdos/as calam-se diante de suas dúvidas, quando não possuem entendimento a respeito de um conceito ou até mesmo de uma palavra. Diferente das escolas regulares, o ensino superior não permite que exista AEEs no contraturno, como bem lembrado por Fernandes e Moreira (2017); a proposta de AEE se mostra totalmente inviável ao estudante surdo adulto e trabalhador, que é o perfil dos estudantes que ingressam nas universidades. Com isto, não é muito difícil ver a evasão de estudantes surdos/as na graduação, percepção baseada também na minha experiência como tradutor intérprete que trabalha no ensino superior.

A política linguística a ser implantada nas universidades deveria permitir aos/as surdos/as o direito a uma pedagogia visual, em que a metodologia e a didática são voltadas para as práticas bilíngues. Essa política passaria por proposição de políticas públicas direcionadas para a contratação, ou abertura de concurso para professores/as surdos/as e ouvintes bilíngues. No entanto, a Lei 10.436/2002 e o Decreto 5.626/2005 que a regulamenta, faz menção, na prioridade de formação de docentes surdos/as no curso de graduação de licenciatura em Letras Libras, para atuarem como professores de Libras no ensino superior.

Como já posto, foi criado no ano de 2006, o curso de graduação em Letras Libras, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), modalidade Ead, ofertado para vários estados brasileiros. Com o baixo índice de surdos/as ingressando no ensino superior, os polos dos cursos de Letras Libras oportunizaram a presença desse grupo minoritário linguístico nos espaços universitários, promovendo o direito do uso da Libras e contribuindo na formação de profissionais da educação para surdos/as. Não menos importante, essa política proporcionou a abertura de concursos, cujas as vagas preferenciais foram ocupadas por professores/as surdos/as nas universidades.

Em 2012, o curso de Letras Libras se tornou presencial, possibilitando que outras universidades, além da Universidade Federal de Santa Catarina ofertassem o curso. No ano de 2014 foram abertos mais três polos do curso de Letras Libras, na modalidade Ead, nos estados de Santa Catarina, Maranhão e

Rio Grande do Sul, ofertados pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o curso de Letras Libras, presencial, na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A abertura desses cursos se tornou realidade com a criação do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite, no Governo Dilma Rousseff (Gestão 2012- 2016), que tinha como pilar o Decreto nº 7.612/11, cuja meta era a equiparação de oportunidades para que a deficiência não fosse utilizada como impedimento à realização dos sonhos, desejos e projetos, valorizando o protagonismo e as escolhas dos brasileiros com deficiência e surdez (BRASIL, 2013, p.8). Entre os eixos abordados neste programa, estava o do acesso à educação bilíngue com a criação de vinte e sete cursos de Letras Libras – licenciatura e bacharelado e de doze cursos de Pedagogia Bilíngue; o programa ainda previa 690 vagas para que as instituições federais de educação contratassem professores, tradutores e intérpretes de Libras.

A criação dos cursos de Letras Libras possibilitou o ingresso de professores/as surdos/as nas universidades, através de concursos públicos, o ingresso de docentes surdos/as no curso superior foi e é importante...

...para que todos os estudantes se identifiquem com as mudanças educacionais, históricas, linguísticas e culturais, para a produção de discursos, construção de conhecimentos e para a heterogeneidade e naturalização das Línguas de Sinais (REIS, 2015, p. 47).

Outro aspecto a ser considerado é que a criação dos cursos de Letras Libras nas universidades permitiu a ampliação das políticas linguísticas no ensino superior, desde o processo seletivo, ingresso e permanência no curso, que passamos a ilustrar.

Na UFPR, especificamente, os editais e as provas nos vestibulares para ingresso no curso de Letras Libras são realizados em língua de sinais (figuras 3,4 e 5), oportunizando aos/as estudantes surdos/as o direito de resolver as questões da prova em sua língua materna. Além disso, o corpo docente é composto por professores/as surdos/as fluentes que dominam a língua de sinais.

FIGURA 3 - EDITAL N.º 44/2017 - NORMAS QUE REGEM O PROCESSO SELETIVO PARA O CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS - LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS

Fonte: Núcleo de Concursos/UFPR (2017)

http://portal.nc.ufpr.br/PortalNC/Concurso?concurso=LIBRAS2018<Acesso em 10/05/2018.>.

FIGURA 4 - PROVA DO VESTIBULAR DO CURSO DE LETRAS LIBRAS 2017/2018

Fonte: Núcleo de Concursos/UFPR (2017)

http://portal.nc.ufpr.br/PortalNC/Concurso?concurso=LIBRAS2018<Acesso em 10/05/2018.>.

Com a preocupação de que os/as surdos/as tenham acesso à educação que almejam uma educação bilíngue e de qualidade, tradutores intérpretes de Libras que fazem parte da Coordenação do Curso de Letras Libras, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) realizam o trabalho de tradução dos textos e artigos que serão utilizados em sala de aula. No processo tradutório existe a preocupação com o letramento desses estudantes e aplica-se uma

pedagogia visual que articula imagens, gráficos e legendas à Libras, respeitando as necessidades de letramento visual desses estudantes:

O letramento no ensino superior envolve múltiplos desafios aos estudantes surdos que utilizam o português como segunda língua, já que seu processo de aproximação com gêneros textuais acadêmicos costuma causar estranhamento pelos usos da linguagem, do conhecimento técnico veiculado como conteúdo, da ausência de repertório lexical em Libras para sinalizar equivalentes na Língua Portuguesa, pela falta de experiência de interações verbais nessa esfera discursiva, pela complexidade dos conteúdos envolvidos nesse campo epistemológico (FERNANDES; MOREIRA, 2017, p. 140).

Em pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida no âmbito da UFPR, coordenado e orientado pela professora Sueli Fernandes, cujo objeto envolvia o levantamento de necessidades de acessibilidade linguística pelos/as acadêmicos/as surdos/as, no curso de Letras Libras da UFPR, foi aplicado um questionário, com dezenove questões a 28 estudantes, cujas respostas apontaram a importância da tradução de materiais da língua portuguesa para a língua de sinais, devido às grandes dificuldades em seu processo de letramento em português, fruto de uma educação básica sem qualidade:

Em relação à leitura, 57,1% deles responderam apresentar pouca dificuldade; 14,3% tinham grande dificuldade e 7,1% não conseguiam ler; 21,4, % não possuíam nenhuma dificuldade com a leitura do português. Já em relação à escrita do português, o cenário muda pouco, 57,1% apresentavam pouca dificuldade, 21,4% grande dificuldade, 3,6% não conseguiam escrever; 17,9 % afirmaram não ter dificuldade (FERNANDES; MEDEIROS, 2017, p. 106).

Os resultados constataram a dificuldade que a grande maioria dos estudantes surdos/as tem com a leitura e escrita da Língua Portuguesa, o que é alarmante, visto que o meio utilizado para o aprendizado e acesso ao conhecimento na universidade, são os textos nesta língua. Em outro momento da pesquisa, foi perguntado ao grupo de estudantes surdos/as que tipo de materiais eles gostariam que fossem traduzidos para a Língua Portuguesa, 75% dos estudantes responderam que gostariam da tradução de textos acadêmicos, como artigos e capítulos de livros (FERNANDES; MEDEIROS, 2017, p. 107).

Diante da necessidade da tradução de textos acadêmicos para língua de sinais, a UFPR, juntamente com a sua equipe de tradutores/intérpretes de Libras

criaram métodos de tradução com o objetivo de padronizar os artigos e demais materiais acadêmicos, obedecendo às normas surdas para produção de vídeos acadêmicos contidas no site da Revista Brasileira de Vídeo e Registro em Libras. Essas ações de respeito à diferença surda, colaboram para a equidade na universidade, cumprindo as reivindicações do movimento surdo, possibilitando aos/as estudantes surdos/as autonomia em seus estudos e cumprindo com as propostas das políticas linguísticas requeridas pela comunidade.

FIGURA 5 - TEXTO TRADUZIDO PARA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

Fonte: site do curso de Letras Libras UFPR (2017)

3 INTERSECCIONALIDADE: uma ferramenta para os estudos da