• Nenhum resultado encontrado

SITUANDO O BLUES SOTEROPOLITANO

2.3. Levantamentos de arquivos

Julguei necessário o levantamento de materiais e arquivos que ajudassem a me ambientar, epistemológica e cronologicamente, na história da prática do blues em Salvador. Durante os meses de março, abril e maio de 2013, realizei visitas frequentes à biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) e à Biblioteca Pública do Estado da Bahia, coletando materiais e anotações sobre publicações relacionadas ao blues nos principais jornais de circulação da cidade no período adotado. Foram pesquisados exemplares impressos dos jornais A Tarde, Correio da Bahia, Jornal da Bahia e Tribuna da Bahia, datados do período entre janeiro de 1985 e janeiro de 1990.

A escolha deste recorte temporal se deve às informações que me foram fornecidas nos relatos, em conversas informais que tive com os músicos de mais idade ao longo de minha vida. Todas as histórias sobre o início da prática do blues na cidade se situavam na segunda metade da década de 80, aspecto que foi confirmado nos depoimentos das entrevistas realizadas para a pesquisa. Desta maneira, consegui coletar matérias e notas diversas sobre as primeiras iniciativas relacionadas ao blues na cidade e as articulações e iniciativas de artistas e bandas no cenário musical de Salvador, no final dos anos 8042.

Dentre os materiais encontrados, destaco notas recorrentes nos meses de julho e agosto de 1989 noticiando a temporada semanal de shows do grupo de rock 14º Andar, na extinta casa de shows Club 45, situada no bairro da Barra, em Salvador. Na ocasião, o grupo se propôs a tocar blues em interpretações de canções de nomes como Muddy Waters, B.B. King,

42

Por se tratar de uma atividade que demandava bastante tempo e cuidado nas observações de cada exemplar consultado, tive de concentrar a maior parte das pesquisas na Biblioteca Pública, por conta de seu horário de funcionamento diário mais abrangente em relação à biblioteca do IGHB que, no período em questão, funcionava somente entre as 14 e as 18 horas. Assim, fui realizando as buscas e manuseando criteriosamente os exemplares, estes já um pouco fragilizados pela ação das traças ao longo dos anos. Na medida em que ia encontrando publicações relacionadas ao blues na cidade, fui anotando as referências completas em um caderno, para, posteriormente, organizá-las em arquivos no computador, pois não eram permitidas fotografias ou cópias dos materiais pelas normas internas das bibliotecas.

44

Jimmy Hendrix, Eric Clapton43. Além destes registros, encontrei, também, a nota que anuncia a junção de integrantes dos grupos de rock Mar Revolto e Cabo de Guerra, Octávio Américo, Raul Carlos Gomes e Álvaro Assmar, resultando na formação do Blues Anônimo. A nota, escrita por Beu Machado, anuncia o ocorrido e divulga a primeira temporada de shows do grupo em Salvador, em 5 de setembro de 198944.

Também importante, na contextualização das iniciativas posteriores da cena blues soteropolitana, foi o levantamento de arquivos virtuais, como vídeos de eventos e entrevistas no YouTube45, notícias em portais online, publicações em blogs e redes sociais que, de algum modo, se relacionassem com este segmento, a exemplo de postagens realizadas por diversos artistas e entusiastas do blues na comunidade “Bluseiros de Salvador”, no Orkut46, que revelam discussões destes sujeitos sobre questões relacionadas ao blues na cidade, além de divulgações de eventos, trocas de referências musicais, etc.

Na época em que estes músicos utilizavam com frequência a rede social para empreender as discussões, também participei ativamente, inclusive de um tópico postado pelo guitarrista e cantor Icaro Britto, em 22 de agosto de 2008, intitulado “Blues em Salvador? Pra onde vamos?”, criado para que os participantes da comunidade tecessem críticas e comentários sobre o cenário do blues na cidade. A postagem contou com 48 respostas e nelas emergiram diversas questões que partiram de músicos e entusiastas de blues locais, além da presença de Felipe Cazaux, músico de blues do Ceará, que participou das discussões contando um pouco de sua experiência em outro estado e dando opiniões sobre a prática do blues no Brasil.

43

JORNAL A TARDE. Rock. Caderno 2. Salvador, 5 ago. 1989.

44

MACHADO, Beu. Junção. Jornal A Tarde. Coluna Suingue. Salvador, 5 set. 1989.

45

Site que permite o carregamento e compartilhamento de vídeos pela Internet.

46

O Orkut é um software do Google, conhecido como uma rede social, criada, em 2004, pelo engenheiro turco Orkut Büyükkökten, com o objetivo de ajudar seus membros a iniciarem novas amizades e manterem as existentes. Além da busca de amigos e passeios por perfis, o software possibilita uma interação social através dos

posts das comunidades onde cada um pode escrever o que deseja e receber um retorno (COUTO; ROCHA,

45

René Lysloff destaca que a Internet promove uma “nova materialidade” através da qual a subjetividade, as interações sociais e a formação de grupos identitários podem emergir sob novas possibilidades e novas metáforas (2003, p. 236). O blues soteropolitano vivenciou esta realidade, fato que perdura até os dias atuais e redefine as estruturas e práticas sociais dentro do cenário. A partir da referência do trabalho de Lysloff, Caroso (2008) identifica a virtualidade como uma “forma de mediação que ganha conotações próprias, principalmente pelas modificações que exerce nas práticas e produtos musicais”.

Além destas implicações nas interações entre os agentes da cena blues de Salvador, a Internet se configurou como um suporte indispensável para as entrevistas, fornecendo ferramentas que tornaram viável a realização e a gravação das conversas com pessoas atuantes na cena que não residem mais em Salvador, desenhando-se como uma boa alternativa à questão das distâncias geográficas. Ressalto, também, sua importância no sentido de facilitar a comunicação com os sujeitos e o ato de combinar os locais e horários para nossas entrevistas.

Ainda sobre os levantamentos de arquivos na Internet, no que diz respeito a vídeos e fotos, encontrei registros audiovisuais de diversas edições dos Encontros de Blueseiros, que aconteceram a partir de 2007, na cidade, além de um vídeo resumo da última edição do festival Wednesday Blues, realizado no Teatro ACBEU, em 2003, evento idealizado e produzido por Álvaro Assmar, que foi amplamente citado pelas pessoas entrevistadas como um marco importante no que diz respeito a iniciativas de produção cultural relacionadas à cena blues soteropolitana.

Outro vídeo encontrado foi um curto documentário produzido por Vinícius Lago para o portal Balcão do Músico47, que consiste em um diálogo entre os músicos Álvaro Assmar e Mario Dannemann, na Rua Boulevard Suíço, no bairro de Nazaré, em Salvador, local onde

47

BALCÃO do Músico. Breve história do Atelier: templo do blues na Bahia nos anos 90. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=30dXuofywto>. Acesso em: 3 jul. 2012.

46

funcionava o extinto bar Atelier, importante reduto da prática do blues na cidade nos anos 90. No vídeo, os músicos contam breves histórias sobre o bar, sua importância em suas respectivas carreiras e na cena blues na cidade durante seus anos de atividade.

Dentre o material coletado, constam, também, vídeos de especiais e matérias de televisão abordando o trabalho de artistas locais, vídeos de apresentações em bares, em estúdio e casas de show, além de registros da Jam “Blues ao Relento”, que ocorre, esporadicamente, no bairro do Resgate, em Salvador, coordenada por Wylsel Junior, que prefere ser chamado de Zen, gaitista e cantor de blues. Trata-se de uma iniciativa recente, iniciada em 2012 por Zen e os colegas de sua banda, a RestGate Blues Band, de juntar músicos e instrumentos para tocar blues em frente aos bares do bairro e receber eventuais convidados para uma jam session.

Todos estes materiais aqui descritos funcionam como valiosos suportes adicionais às próprias entrevistas, na medida em que revelam registros fotográficos, de áudio e vídeo e escritos que dizem respeito às práticas musicais, acontecimentos e momentos históricos que emergem nas falas das pessoas participantes, além de fornecerem um auxílio à contextualização cronológica destes fatos diante de imprecisões, esquecimentos ou conflitos entre datas fornecidas pelos sujeitos em nossas conversas48.