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Liberdade e experiência moral na filosofia de Adorno: a natureza da razão

CAPÍTULO 1: O PROBLEMA DA LIBERDADE: ADORNO E KANT SOBRE A

1.4. Liberdade e experiência moral na filosofia de Adorno: a natureza da razão

Podemos começar a seção final deste capítulo, que busca concatenar o exame da relação entre a filosofia moral de Adorno e a ética de Kant, propondo uma constatação fundamental, de reduzida originalidade, mas importante para balizar o tratamento da questão. Refiro-me ao fato de que a noção de experiência moral, em Adorno como em Kant, está ligada à prova da capacidade humana de iniciar e manter um certo grau, maior ou menor, de controle sobre a realidade externa e interna. Para ambos, desse modo, só se pode falar com sentido em ação moral se se admite, desde o início, a atividade de uma forma de razão, a qual é capaz de perfazer, ao mesmo tempo, uma certa construção e ordenamento do real exterior e das suas próprias paixões. É a figura teórica fundamental da liberdade que se recorta neste fundo de inteligibilidade da ação, o que implica um certo poder conformador de si e do mundo, ainda que este seja compreendido como limitado desde seu próprio interior. É a questão da vontade que se põe aqui, assim, como uma noção que configura um espaço de racionalidade no sujeito humano, ao mesmo tempo infinito e limitado, racional e irracional. Em que sentido? Na medida em que é irredutível à pura natureza e se repõe, ao menos potencialmente, em cada ato humano, a vontade é infinita. Por outro lado, esta mesma vontade só pode se efetivar sobre um fundo de exterioridade, de sensibilidade, que lhe impõe desde sempre o seu limite, uma vez que uma vontade absolutamente racional, auto-certificante, já não seria uma vontade livre, mas a necessidade de um ser puramente inteligível.

Até aqui, Kant e Adorno estão de acordo: a experiência moral é a de um ser racional sensível, isto é, de um ser cuja vontade não é imediatamente conforme ao que se poderia representar como o terreno da moralidade, mas que, é claro, pode, por um ato desta mesma vontade, escolher livremente a adoção de máximas não inteiramente determinadas pelos interesses da sensibilidade. No entanto, é preciso pensar, diz Adorno, na questão: saber se essa limitação fundamental da vontade – e que lhe é interior – pelo sensível não indicaria mais do que meramente a presença de uma matéria a ser submetida a uma conformidade a leis absoluta e anterior a toda experiência (a do imperativo categórico, que nada mais é do que um juízo sintético a priori).

Ao contrário do que terá parecido a certos intérpretes de Adorno, sua própria resposta não aponta para a necessidade de uma mera negação do pensamento ético de Kant. Muito antes, penso que se trata, para Adorno, de resgatar em Kant o modelo de um pensamento extremamente refinado sobre a dialética de razão e natureza na experiência moral. O ponto central desta “metacrítica da razão prática”, que Adorno não acredita ter deixado pronta, mas da qual dá algumas indicações – especialmente em Problemas de Filosofia Moral, seu curso semestral de 1963, e em Dialética Negativa, na parte relativa ao “modelo” da liberdade – é o de que se pode pensar, através de Kant, numa limitação essencial de toda filosofia moral, que adviria do caráter contraditório da experiência moral mesma, composta de elementos indissociáveis de racionalidade (e da legalidade a ela adstrita) e de naturalidade (e sua inabrangência, sua Unabhängigkeit). Essa dialética de experiência sensível e racionalidade seria o cerne da filosofia prática de Kant, segundo Adorno.

Será preciso tentar discernir o sentido dessa proximidade e distância de Adorno em relação à ética de Kant. Se lembrarmos que “proximidade à distância” (MM, 77) é a figura que descreve, em Minima Moralia, a relação de respeito do pensamento em relação aos seus objetos, poderemos nos acercar dessa meditação adorniana de Kant sem que seja preciso procurar um ponto médio entre ambos, mas, ao invés, tentando resgatar o que faz a vida de um e de outro pensamento. Isso corresponderia, segundo a perspectiva a ser desenvolvida aqui, ao esforço de expressar o caráter ambíguo, sensível e racional, da liberdade humana, que se põe sempre de modo limitado, falível, nos afazeres da vontade.

Recordemos o exemplo hipotético de uma experiência moral conflituosa, elaborado por Kant e retomado por Adorno: o de alguém que dá abrigo a um fugitivo, e que é instado por seu perseguidor, um assasino, a responder se o esconde ou não. A argumentação de Kant, em seu escrito Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade24, é bem conhecida: se ele mente e não revela o esconderijo do fugitivo em sua casa, ele se permite uma exceção à necessidade de universalização das máximas da ação, o que o rebaixa como

24 Cf. a conclusão de Kant segundo a qual “ser verídico (honesto) em todas as declarações é, portanto, um mandamento sagrado da razão que ordena incondicionalmente e não admite limitação por quaisquer conveniências” (A, 307). Na tradução portuguesa de Artur Morão. In: KANT, Immanuel. A paz perpétua e

ser moral diante de seus olhos e, no limite, desvaloriza a própria noção de humanidade, de uma dignidade irredutível dos seres humanos sob a mesma lei moral (A, 305). Assim, ao destruir, no ato de mentir, o pano de fundo da racionalidade ética, ele compromete a integridade da sua disposição moral, que consiste em não acolher em suas máximas senão o fundamento da representação da lei moral, na figura subjetiva do puro respeito à lei. O cerne desta hipotética experiência do mentir para proteger um fugitivo seria, desse modo, na perspectiva kantiana, o de um ataque à disposição do sujeito para a personalidade, isto é, para a realização de ações autônomas, segundo um fundamento unicamente inteligível. Em suma, ao mentir, o sujeito estaria consentindo numa restrição da liberdade prática e numa submissão da vontade a uma heteronomia desprovida de conteúdo moral: a servidão do impulso mais imediato, da compaixão irrefletida (A, 307).

Adorno retoma a mesma situação hipotética para propor uma interpretação da experiência moral em termos de uma dialética de razão e natureza, de vontade (como inquirição racional do sentido moral da ação) e impulso (de resistência irracional a um poder opressor). Assim, aquela mesma experiência revelaria, no sujeito, a possibilidade de uma afirmação da liberdade da vontade, não no momento em que ela se põe como capacidade de efetivação a partir da pura representação de uma lei prática a priori, mas, ao invés, no momento em que ela incorpora, em sua dinâmica de representação, o sentido daquele a posteriori material da dor do outro, que é potencializado na imaginação da tortura do fugitivo por um poder possivelmente arbitrário e violento. Adorno chega mesmo a inverter propositadamente o sentido do termo espontaneidade em Kant, ao remetê-lo não à causalidade inteligível da vontade, mas ao impulso espontâneo, corpóreo, de sofrimento diante do sofrimento do outro. Em suma, ao mentir “eu” estaria afirmando a minha liberdade, concebida como poder de resistência da vontade a uma exigência de heteronomia de duvidoso conteúdo moral. Desse modo, se não minto, diz Adorno, consumo precisamente aquilo que a ética de Kant mais desprezava, a saber, uma submissão aos poderes mais fortes no existente. Recordemos a esse respeito, por exemplo, a admiração com que Kant, na Crítica da Razão Prática, cita os versos de Juvenal, em que é exaltada a

disposição a resistir até a morte às torturas de um tirano, se estas tiverem como fim a desistência do valor moral do sujeito25.

Essa confrontação com a morte provável, essa experiência da proximidade da dor é um ponto crucial nas filosofias morais de Kant e Adorno. Enquanto para o primeiro ela revela a dignidade moral – e a liberdade da vontade – na submissão do móvel da conservação de si ao móvel do respeito à lei prática incondicionada, para o segundo, diversamente, a dignidade moral e a autonomia ética do sujeito se revelam na submissão do interesse da autoconservação ao interesse moral numa diminuição do sofrimento imposto por uma dominação social da natureza interna e externa – portanto numa resistência a um a posteriori muito concreto, a um fator condicionado historicamente. Assim, o irracional da vontade, a faculdade de desejar inferior de Kant, será compreendida por Adorno não como matéria indiferente do ponto de vista moral. Mas como matéria qualitativamente relevante do ponto de vista da moralidade das ações, na medida em que a liberdade da vontade implica uma mediação do racional pelo que não lhe é idêntico, pelo impulso da criatura sensível, que busca eliminar ou diminuir alguma dor.

Kant teria penetrado no núcleo dialético da vontade, mas não o teria posto em relação com os poderes sociais que agem sobre a natureza no sujeito como um poder heterônomo – esta seria a suma da crítica de Adorno ao tratamento da vontade em Kant. Retomarei esta questão adiante. Por ora, basta relacioná-la com a noção adorniana de uma espécie de “pressentimento”, por parte de Kant, da dialética da dominação racional da natureza. O que é mais importante, nesse ponto, é que, segundo Adorno, Kant teria, no movimento de seu pensamento, vislumbrado a impossibilidade de uma ética como sistema racional da ação. Com efeito, ao comentar o problema hipotético kantiano da mentira para abrigar um fugitivo, Adorno declara que o próprio Kant – primeiro ao impor um limite ao conhecimento, em sua filosofia teórica; e mais além, ao impor um limite à racionalidade da ação, em sua filosofia prática, ao declarar as proposições fundamentais da ética como sendo desprovidas de valor especulativo – teria se acercado de uma concepção dialética da liberdade da vontade, dialética de razão e impulso:

25 “Ainda que Fálaris te mande ser falso e te ordene ser perjuro na presença do trono, crê que o maior dos crimes é preferir a vida à honra e, por amor à vida, perder as razões de viver” (Sátiras, 8, 79-84, citado em CRPr, A 284).

Adentramos efetivamente numa terrível dialética, em todas questões morais deste gênero, no momento em nos confrontamos com a razão. E, resistindo a essa dialética, há algo bom no momento: “Pare!”, no momento: “Não deves mais pensar sobre isso”. (...) E esse momento da ação, portanto, do que fizemos, não se dissolve na teoria... o que é expresso nesse princípio kantiano [ da separação entre filosofia teórica e prática – DGAJ] (PM, 144-145).

Trata-se, assim, de resgatar a relevância moral do empírico, de um a posteriori da resistência à dominação. Aqui, Adorno procura por algo que já havia se desenhado em Kant, por exemplo, quando ele tratou das condições estéticas da disposição moral na Metafísica dos Costumes. O “momento da ação que não se dissolve na teoria” será o grande legado kantiano, no entender de Adorno. Como pensar, nessa perspectiva, a necessidade de sistema que domina o pensamento ético de Kant? Não se pode negar que a experiência moral, sob o prisma kantiano, é marcada pela noção de uma legalidade racional que é dimensão inteligível do sujeito da ação. Adorno estaria negligenciando o peso da noção kantiana da moral como conformidade das ações a leis práticas incondicionadas – homólogas à razão pura? Penso que não é o caso, e que se deve retomar os termos da questão a partir da consideração adorniana da relação entre filosofia teórica (e sistema) e filosofia prática, em Kant. Ora, a primeira indicação obrigatória a se fazer a este respeito é que convivem muito explicitamente, em Kant, o interesse do sistema, “arquitetônico” (Cf. CRPu, B 860-879), e o interesse polêmico (Cf. CRPu, B 767-785), crítico, ambos explorados na doutrina transcendental do método. Desse modo, seria no mínimo discutível pretender que o impulso ao sistema detenha a última palavra em Kant. Um índice disso são as palavras de Kant sobre o fim terminal da razão, dirigido à instauração de uma humanidade plenamente moral – ou seja, uma idéia prática, que só pode ser defendida num nível polêmico, em consonância com seu elevado interesse prático (Cf. CRPu, B 825-832). Assim, a primazia do interesse prático da razão sobre o interesse teórico revelaria uma outra força interna ao pensamento de Kant, para além daquela dirigida ao sistema (se poderia chamá-la, talvez, de “centrípeta”). Tratar-se-ia de uma força de reação do pensamento diante do que lhe escapa, de uma força “centrífuga”, dirigida a captar os seus objetos em sua máxima diferenciação, e capaz de refletir sobre a incompletude fundamental desta tarefa.

A tendência ao sistema da moral, que, segundo Adorno, seria posta em questão pelo próprio Kant, no movimento de seu pensamento, advém de um motivo fortíssimo na filosofia teórica de Kant, o da identidade, da resolução das contradições numa esfera que não é nem puramente lógica, nem meramente psicológica, isto é, a arena do transcendental. A figura da identidade domina a filosofia moral de Kant na medida em que a razão é pensada sob o mesmo. Essa razão idêntica a si mesma implica um ideal de ação como coerência a princípios a priori. Na filosofia moral se articularia, desse modo, uma conseqüência diretamente tirada da filosofia teórica de Kant. Segundo Adorno:

Se nos voltarmos para a filosofia moral de Kant, deparamo-nos com um fato admirável. O de que seu princípio se encontra em sua filosofia teórica, na Crítica da Razão Pura. O que tem a ver com o pendor de Kant – se me permitem – pelos sistemas teóricos, com sua tendência a derivar, a partir de certos conhecimentos básicos, certas noções fundamentais de sua filosofia transcendental, que são tomados como seguros e irrefutáveis, tudo o mais que diz respeito à filosofia. Assim, também a filosofia moral, em certo sentido, vem a ser fundada no conhecimento... Posso dizer-lhes, uma vez que creio que esta é uma chave para se compreender a filosofia moral de Kant como um todo, que o fator que unifica as filosofias teórica e prática de Kant é o próprio conceito de razão... A razão como a capacidade do pensamento correto, justo, a habilidade de formar conceitos corretamente, a habilidade de fazer juízos corretos e deduções precisas, como é chamada na lógica tradicional – tudo isto, em sua filosofia, é constitutivo tanto para a teoria como para a práxis (PM, 43s).

Se a experiência moral é vista por Kant, já na Primeira Crítica, como conformidade das ações a leis puras, não há como negar a primazia da figura da razão, e de uma razão como identidade formal consigo mesma, recortando, de modo a priori, os seus contornos. É certo que também existe, em Kant, a tentativa de considerar a experiência moral de um ângulo individual. O problema é que, mesmo quando o faz, ele acaba ressaltando o momento da epigênese da razão, da auto-doação de um caráter inteligível, de modo inteiramente puro. Como no exemplo kantiano, na Segunda Crítica, das crianças malévolas

desde a mais tenra idade: nessa perspectiva, elas são responsáveis pela admissão espontânea de um princípio de deflexão das máximas26.

Isso faz com que Kant pense a esfera da experiência moral como perfeitamente permeável pela razão humana, coextensiva à consciência imediata, de maneira análoga àquela consciência cognitiva que possuímos espontaneamente, de um mundo estável e ordenado à medida de nossas faculdades. A tensão interior à experiência moral é nivelada, de acordo com certos aspectos da filosofia moral de Kant, a um reconhecimento não- problemático da necessidade prática de certas ações. Dessa forma, segundo Adorno, Kant teria interrompido a reflexão sobre a experiência moral num ponto muito delicado. Ele a teria bloqueado no limiar da reflexão da necessidade incondicionada da racionalidade do sujeito puro. Ora, ao fazê-lo, Kant teria recalcado elementos críticos presentes no interior de sua própria filosofia, notadamente o princípio da exigência de fazer passar o sentido de cada categoria por uma experiência de objetos no mundo fenomênico. Poder-se-ia dizer, de certa forma, que a experiência moral, em Kant, tende a elidir o objeto. A experiência moral torna-se uma auto-evidente conformidade da razão com suas leis, reconhecível em sua atividade prática. Segundo Adorno:

Por um lado, o princípio kantiano da moral é a razão, uma forma de ação absoluta e ilimitadamente conforme à razão. Ele ignora, assim, a natureza particular dos fins do indivíduo e confina-se à estrutura universal das leis racionais. Por outro lado, em virtude de a razão ser concebida como um universal, isto é, como uma faculdade que é idêntica em todos os seres humanos, também se pode pensar que a razão e sua conformidade a leis, a qual, como vimos, Kant afirma ser algo imediatamente dado, pode ser tida como algo imediato. Assim, o que é preciso para a ação correta não é qualquer reflexão sobre a razão,

mas ação imediata em consonância com a razão e sua consistência lógica. Segue-se deste

momento, se quiserem, que Kant pensaria na auto-evidência da moral (die

Selbstverständlichkeit des Moralischen) (PM, 166 – grifo meu – DGAJ).

26

“Há casos em que homens... mostram desde a infância uma maldade tão precoce, continuando a progredir até a sua vida adulta, que são tidos por celerados de nascença e, no tocante ao seu modo de pensar, por totalmente incorrigíveis... [o que] não torna necessária a natureza má da vontade, mas é antes conseqüência de princípios maus e imutáveis voluntariamente admitidos” (CRPr A, 178-179). Comentário de Adorno: é um disparate atribuir a crianças, cuja razão está em formação, uma autonomia moral consumada (Cf. ND, 287).

Essa forma de pensar a experiência moral como uma espécie de atividade auto- certificante da razão, adviria, segundo Adorno, de uma concepção já presente no interior da filosofia teórica de Kant, segundo a qual a razão já seria um tipo de práxis. De que tipo? De maneira análoga à Formgebungsmanufaktur, que Schlosser atribuíra à lógica transcendental de Kant, é possível pensar na normatividade presente na experiência moral – e assim, é claro, na liberdade – como o desdobramento de um processo puramente racional de produção de leis. A experiência moral seria uma construção da razão. O que explicaria, segundo Adorno, o estatuto de “fato” da lei moral:

A razão em Kant é o que podemos chamar de uma faculdade produtiva, um tipo de atividade. E todo o argumento sobre a autonomia de suas leis é baseado na idéia de razão como uma atividade, no sentido de que minha razão não me leva simplesmente a aquiescer passivamente a estas leis, mas, ao invés, de que estas leis são leis que eu devo produzir... Isso remete à afinidade do conceito kantiano de razão com a práxis (PM, 170s).

Assim, uma filosofia moral como sistema só é possível porque se pode pensar, de acordo com Kant, numa experiência moral que é intrinsecamente coextensiva à práxis inteligível da razão. Desse modo, para Adorno, é a razão subjetiva que domina a figura do sistema kantiano da ação moral. Um procedimento filosófico que Adorno chamará, na Dialética Negativa, de “idealismo”, como já indicado na seção precedente. Se idealismo e subjetivismo são a marca da dissolução da ontologia na epistemologia kantiana, o mesmo se poderá dizer de sua ética. A metacrítica de Adorno à ética de Kant seguirá o modelo de sua metacrítica à epistemologia kantiana. Trata-se, em suma, de mostar a impossibilidade de uma filosofia moral como sistema da razão pura. De indicar a desmedida de um pensamento da liberdade unicamente sob a figura de uma causalidade do sujeito projetada aos seus objetos (Cf. ND, 233s). A experiência moral da vontade, sob este sistema, teria sido unilateralmente compreendida, segundo Adorno, como a ação de um domínio da natureza interna (Cf. ND, 253), somente por meio do qual é pensável a identidade da vontade e do sujeito puro (Cf. ND, 233). Em suma, se o sistema da experiência moral de Kant é pensado a partir de seu terminus ad quem, como queria Adorno (PM, 100), se

encontra uma pretensão de autonomia absoluta da esfera moral em relação a duas heteronomias que poderiam ameaça-la: a do desejo (heteronomia em que, segundo Kant, as filosofias morais empiristas teriam incorrido) e a do bem (heteronomia própria das filosofias morais racionalistas, segundo Kant) (Cf. PM, 220s).

Tudo se passa como se a dissolução da ontologia do bem levasse necessariamente à assunção de um critério possuidor de estatuto incondicionado – a lei moral – para a inteligibilidade da experiência moral. Ora, é precisamente isto que Adorno questiona. O interessante é que ele o faz recorrendo a elementos da filosofia crítica de Kant, capazes de minar o “idealismo” de sua filosofia prática. Assim, segundo Adorno, seria preciso resgatar um procedimento “anti-idealista”, próprio ao criticismo, a fim de que seja possível refletir

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