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A liberdade religiosa está inserida no campo da liberdade de pensamento, juntamente com as demais liberdades deste grupo (SILVA, José Afonso, 2014, p. 237).

A liberdade religiosa compreende em três formas de expressão de liberdades: “ (a) a liberdade de crença; (b) a liberdade de culto; (c) e a liberdade de organização religiosa” (SILVA, José Afonso, 2014, p. 250, grifo do autor).

A liberdade de crença não foi prevista na Constituição de 1967/1969, mas apenas a liberdade de consciência e a liberdade de culto. Sendo a liberdade de crença garantida como forma de liberdade de consciência, e tendo sido resgatada da Constituição de 1946 à Constituição de 1988, declarando-se a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença (SILVA, José Afonso, 2014, p. 250-251).

Cabe ressaltar a importância dessa garantia realizada pelo constituinte, tendo em vista a divergência entre esses conceitos, uma vez que – conforme Pontes de Miranda: “o descrente também tem liberdade de consciência e pode pedir que se tutele juridicamente tal direito”, assim como a “liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e a de não ter uma crença” (1947, apud SILVA, José Afonso, 2014, p. 251).

Conforme Jacques Robert, “na liberdade de crença entra a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de

religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma” (1971 apud

SILVA, José Afonso, 2014, p. 251, grifo do autor).

A liberdade de culto vai além do sentimento de contemplação do ente sagrado, considerando a existência de um corpo de doutrina que se exterioriza em prática de ritos, em cultos, suas respectivas cerimônias, manifestações, reuniões, de acordo com a religião escolhida (ROBERT, 1971 apud SILVA, José Afonso, 2014, p. 251).

A Constituição atual ampliou o sentido dessa liberdade e até assegurou uma garantia específica, diferentemente das Constituições anteriores que condicionam o exercício dos cultos de acordo com a observância da ordem pública e dos bons costumes (SILVA, José Afonso, 2014, p. 251-252).

Por fim, a liberdade de organização religiosa “diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização das igrejas e suas relações com o Estado” (SILVA, José Afonso, 2014, p. 252).

4.1.1.1 Liberdade religiosa X Estado laico

É possível afirmar que a separação entre o Estado e a Igreja desmantelou o monopólio religioso, colocando em declínio as prerrogativas que a religião oficial usufruía com a aliança política que mantinha com o Estado. Disso, “resultou na garantia legal de liberdade

religiosa, na defesa da tolerância religiosa e na proteção do pluralismo religioso” (MARIANO, 2003, p. 112).

Com a secularização, portanto, o Estado “passou a garantir legalmente a liberdade dos indivíduos para escolherem voluntariamente que fé professar e o livre exercício dos grupos religiosos” (MARIANO, 2003, p. 112).

Nesse sentido, Joana Zylbersztajn (2012, p. 41) explica que “o significado de Estado laico está além da definição básica de separação entre Estado e Igreja e os desdobramentos do conceito devem ser explorados dentro do âmbito das práticas de cada país”.

Assim,

a laicidade pressupõe que o Estado esteja legitimado na soberania popular em detrimento dos dogmas religiosos, bem como a garantia da igualdade e da liberdade entre os cidadãos que professam diferentes crenças. A separação institucional entre Estado e Igreja é um dos elementos que possibilitam a observância dos elementos constituidores da laicidade (ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 41).

Para Antônio Flávio Pierucci, um Estado laico é importante não apenas para quem não professa uma religião, mas para aqueles que têm religião, já que as definições de confissão são cada vez mais diversificadas. Dessa forma, afirma o autor que “diversidade religiosa legítima, diferenciação ativa de crenças, tradições, dogmas e práticas, bem como de figuras e entidades religiosas (santos, santas, anjos, demônios, deuses e deusas), só é possível haver de forma sustentável se o Estado for laico” (2006, p. 5).

Segundo as palavras de Ricardo Mariano (2003, p. 112):

A ampla liberdade religiosa resultante da secularização do Estado está na raiz da desmonopolização religiosa, da formação e expansão do pluralismo religioso e, por conseqüência [sic] do acirramento da concorrência religiosa. Isto é, a concessão da liberdade religiosa e a separação Estado-Igreja romperam definitivamente o monopólio católico, abrindo caminho para que outros grupos religiosos pudessem ingressar e se formar no país, disputar e conquistar novos espaços na sociedade, adquirir legitimidade social e consolidar sua presença institucional.

A laicidade do Estado é, portanto, instrumento essencial para a garantia da liberdade religiosa, uma vez que todos os cidadãos podem professar sua fé livremente e as organizações religiosas podem elaborar seus estatutos particulares (ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 52). Assim, afirma a autora que a laicidade não só é essencial para assegurar a liberdade religiosa de cada um, como a liberdade religiosa em âmbito coletivo – ou institucional – passa a ter maior garantia também (ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 51).

Para que o princípio da liberdade religiosa não seja ofendido com a interferência do Estado em matéria de fé – ou da legítima interferência religiosa em assuntos estatais – é preciso estabelecer uma cláusula constitucional de garantia, a fim de conferir proteção à essa liberdade

fundamental. Tendo em vista que “não há plena liberdade religiosa quando o Estado se imiscui na seara espiritual (e vice-versa)” (PINHEIRO, 2008, p. 349).

Dessa forma, é possível compreender que

a laicidade consiste na garantia da liberdade religiosa e da não submissão pública a normas religiosas e rejeição da discriminação, compreendida em um contexto em que a legitimação do Estado não se encontra mais no divino, mas na legitimação democrática constitucional, garantidora de direitos fundamentais. Ou seja, a laicidade

relaciona-se com a democracia, com a liberdade e com a igualdade”

(ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 37, grifo da autora). No entanto, assevera Maria Cláudia:

para que se tenha um regime de plena consagração da liberdade religiosa, não basta ao Estado não professar, oficialmente, nenhuma doutrina, é preciso que ele, Estado, além disso, mantenha-se neutro, abstendo-se de exercer qualquer influência no livre mercado de idéias [sic] religiosas e no dissenso interconfessional (PINHEIRO, 2008, p. 350).

Dessa forma, somente num regime de separação entre Estado e Igreja é que se poderá concretizar um ideal cenário para o tema de fé – ou seja, somente quando estiver presente o que a autora atribui à “neutralidade axiológica” e na adoção de comportamentos fundados estritamente em parâmetros da “não-ingerência institucional e dogmática” – para que seja possível conferir uma ampla efetividade ao princípio da liberdade religiosa (PINHEIRO, 2008, p. 354).

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