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Licenciamento das fazendas de camarão e relações de trabalho

4. CAPÍTULO – NO LANÇAR DA REDE

4.3 Licenciamento das fazendas de camarão e relações de trabalho

De acordo com Meireles (2005), quando a SEMACE libera a construção de fazendas de camarão, dentro do ecossistema manguezal (apicum e salgado) e nas demais unidades de preservação permanente (áreas úmidas, mata ciliar e carnaubal), através de seus pareceres técnicos que orientam o COEMA, colocam em risco tanto o meio ambiente como várias comunidades pesqueiras que dependem desses ambientes (s/p).

A Carcinicultura, como já foi dito, atinge principalmente o ecossistema manguezal, de importância fundamental na geração e produção de vida animal e na subsistência de comunidades através da pesca e da mariscagem. Ao destruir os manguezais, a atividade não causa apenas o extermínio da fauna e flora, mas

também põe em risco a sobrevivência das comunidades que dependem da pesca e atividades correlatas.

Para uma melhor compreensão da realidade da Carcinicultura, valho-me mais uma vez das informações oferecidas pelo Diagnóstico do IBAMA (2005) que diz, a partir do seu levantamento, o total de empreendimentos encontrados no estado do Ceará. Foram de 245 projetos nas diferentes fases, ocupando uma área total de 6.069,97 hectares, com 35 projetos em fase de instalação, 165 projetos em funcionamento e 45 empreendimentos desativados. O litoral leste vem sendo aquele que sedia mais empreendimentos tanto em fase de instalação como em funcionamento (IBAMA, 2005).

O estudo também aponta que, do total das fazendas licenciadas pela SEMACE, 84,1% causam impactos diretamente ao ecossistema manguezal (fauna e flora do mangue, apicum e salgado); 25,3% promovem o desmatamento do carnaubal e 13,9% ocupam áreas antes destinadas a outros cultivos agrícolas de subsistência (IBAMA, 2005, p.127).

Um outro aspecto muito presente na Carcinicultura é a irregularidade. A maioria dos empreendimentos camaroneiros do Ceará encontra-se em situação irregular (mais de 51 %), apresentando algum tipo de irregularidade em relação à licença que possui, seja porque a licença não condiz com o estágio de sua implantação, ou porque os projetos se encontram com sua Licença de Instalação com a validade vencida (IBAMA, 2005, p.129).

Um fato sério que chama a atenção em diferentes áreas é a questão das fazendas abandonadas que, mesmo sem operação, apresentam os diques como nas que estão em funcionamento, “impossibilitando as reações ambientais que vão dar suporte à diversidade biológica do manguezal e dos outros ecossistemas relacionados” (IBAMA, 2005, p.129).

Um outro problema destacado é que mais de 70% dos empreendimentos camaroneiros não dispõe de bacias de sedimentação, lançando seus efluentes diretamente nos corpos hídricos (na água dos rios, lagoas e estuários) sem nenhum tratamento, corroborando com os elevados danos ambientais(MEIRELES, 2005).

Os dados disponibilizados pelo IBAMA (2005) evidenciam a realidade dessa atividade no país. A atividade apresenta uma área de aproximadamente 15.000 ha de viveiros implantados, contrastando com pouco mais de 3.500 ha em 1997, um crescimento superior a 300% no período. Com relação à produção no

mesmo período, os dados são ainda mais significativos, a atividade apresentou um crescimento acima de 2400%. Consagra-se, com esses dados, o Brasil como sendo o maior produtor da América Latina, dando destaque especial à Carcinicultura na pauta de exportações do setor primário da economia da região Nordeste. “E as expectativas é que o negócio continue em expansão, cogita-se uma ocupação de 30.000 ha até 2007” (IBAMA, 2005, p. 9 –10).

De acordo com informações da ABCC, o tamanho das fazendas e a estrutura do setor mostram a predominância do pequeno produtor29 (< 10 ha) ao participar com 74,92% do total, e em área de viveiros, com 18,84%. Juntos, pequenos e médios, a participação sobe para 94,48% em número de produtores. Os grandes produtores (> 50 ha) que, em quantidade, correspondem a 5,52% detêm 53,28% da área total em produção. Para a ABCC a participação do pequeno produtor na proporção indicada, desmistifica a idéia de que o camarão cultivado é um agronegócio exclusivo do grande empresário (ABCC, 2004).

Já para o BNB (2005), os dados acima revelam que o setor de produção apresenta uma concentração em área com predominância absoluta dos grandes produtores (53,29%). No entanto, o perfil dos produtores brasileiros revela que a maioria das fazendas que exploram camarão marinho hoje pertence aos pequenos produtores (p. 29 – 30).

Agora é importante lembrar que para ingressar na atividade é necessário um considerável capital, a terra, enfim todo um conjunto de recursos para se desenvolver o trabalho. Assim, esses pequenos produtores não devem ser associados àqueles pescadores que moram e dependem do mar para a sua sobrevivência.

Biondi (2004) diz que “segundo o – presidente da ABCC cada hectare da atividade gera 3,75 empregos diretos e indiretos. O responsável pelo viveiro recebe em torno de um salário mínimo mensal, e quem faz a despesca, ou os responsáveis pela preparação do viveiro, recebe entre R$ 10 e 15 por dia” (p. 12). Mas devemos questionar se tal afirmação é verdadeira. Sabe-se que é na instalação dos tanques e na despesca que mais a atividade emprega e que, no restante do ano, a atividade requisita pouca mão-de-obra.

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Considera-se pequeno produtor aquele que explora uma área de até 10 hectares, médio produtor, o que explora a atividade com área de 10 hectares a 50 hectares, e grande produtor, aquele com uma área superior a 50 (cinqüenta) hectares.

Já para a ABCC, que utiliza estudos realizados pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Carcinicultura gera 1,89 empregos diretos, alcançando 3,8 empregos, tanto diretos como indiretos por hectare.

A partir de informações dadas ao IBAMA pelos próprios produtores, dos 150 empreendimentos em operação, e que foram obtidas informações acerca do número de empregados e área do empreendimento, “o número de empregos diretos gerados pela atividade foi de 2.579, com uma área total de 4.266,18 ha, sendo utilizada uma média de 0,60 empregos/há”. Assim fica evidente que o número de empregos disponibilizados pela atividade é menor do que os índices apresentados pela ABCC (IBAMA, 2005, p. 152).

Comparando os dados apresentados pela ABCC e os dados obtidos pelo Diagnóstico, em relação à geração de empregos diretos, os índices são bem diferentes e chegam a ser 3,20 vezes menor do que os divulgados.

Predomina na atividade os trabalhadores do sexo masculino, sendo a presença feminina muito pequena ou praticamente inexistente. A parte referente à idade predominante dos trabalhadores gira em torno de 20 anos. Com relação ao grau de escolaridade dos trabalhadores é baixa, a maioria possui no máximo o Ensino Fundamental completo, e somente uma parcela muito pequena apresenta o Ensino Superior completo, normalmente, formados e especializados na área de Engenharia de Pesca, sendo os responsáveis técnicos pelos empreendimentos.

Com relação às mudanças para a comunidade local, são mínimos os benefícios da atividade e estão diretamente referidos aos empregos temporários na época da despesca ou na manutenção dos viveiros. A atividade oferece poucas oportunidades de empregos. O número de empregos temporários é muito maior do que o número de empregos fixos. Como já disse antes, o número de empregos temporários varia e depende imediatamente do tamanho do empreendimento e do nível tecnológico utilizado.

Um importante fato que merece ser destacado e que o Diagnóstico ressalta é a questão da utilização de áreas de apicum e salgado para a implantação das fazendas. Isso se tornou motivo de desentendimento e discussão entre IBAMA e SEMACE. De acordo com as informações do estudo, os “apicuns/salgados são partes integrantes do ecossistema manguezal e, portanto, áreas de preservação permanente. A utilização destas áreas por fazendas de camarão pode levar à perda de parte do ecossistema manguezal” (IBAMA, 2005, p.163).

Pode constatar-se, a partir dessas informações, que a atividade camaroneira trata-se de um negócio muito lucrativo para os donos dos empreendimentos e de forma alguma para trabalhadores, pescadores e comunidades atingidas. Gera poucas oportunidades de emprego, contribuindo acentuadamente para a marginalização das comunidades locais.

Na atualidade, cerca de 50 países praticam essa atividade. A Tailândia lidera o ranking como maior produtor mundial de camarão cultivado. Na América do Sul, o Brasil tem importante destaque. Os Estados Unidos, a Europa e o Japão constituem hoje os principais mercados consumidores de camarão. É importante destacar que esses países também produzem o camarão de forma intensiva, mas apresentam uma produção insuficiente para atender a demanda.

Praticamente toda a produção de camarão, cerca de 99%, concentra-se em países subdesenvolvidos e essa produção é destinada quase que exclusivamente para os países desenvolvidos. Segundo a ABCC, o mercado global do camarão cultivado mostra uma crescente demanda nos principais centros importadores: EUA, Europa e Japão (ABCC, 2004).

O que se constata, a partir das informações divulgadas em diferentes lugares, no próprio jornal, por órgãos como COEMA, em diagnósticos, é que o manejo sustentável dos viveiros ainda hoje não é uma realidade, ainda não se tem um manejo correto na maioria dos empreendimentos.

A expansão da atividade continua vigorosa e deu-se em vários aspectos, seguindo os mesmos caminhos já percorridos pelos países do sudoeste asiático, sem um acompanhamento adequado, sem uma regulamentação, com intenso estímulo governamental e geração de sérios impactos ambientais e sociais. Não houve a preocupação de se informar a respeito dos antecedentes da atividade em outros locais, das experiências obtidas em outros países, que na maioria dos casos foram desastrosas.

Uma prática inaceitável, mas muito comum que ocorre em alguns estabelecimentos, é o lançamento dos dejetos dos viveiros diretamente nos estuários o que, futuramente, com a continuidade desse procedimento, poderá causar eutrofização destes corpos d’água.

Chega ao Ceará, a partir de 2003, uma doença caracterizada pela morte do corpo do camarão, ainda que seu cefalotórax (cabeça) permaneça completo. Essa doença, que comentarei melhor no capítulo seguinte, atinge além do Ceará, os

Estados do Rio Grande do Norte e Piauí. A enfermidade vem sendo ocultada para não provocar crise no mercado, e também para que a população não venha a pressionar os órgãos responsáveis pela liberação e fiscalização da atividade, exigindo providências. Contudo, o principal motivo é o de não arriscar o consumo do camarão. Para alguns estudiosos, as doenças que vêm acometendo o camarão podem afetar outros animais e contribuir para a diminuição de populações naturais de caranguejos, peixes, entre outros.

Para Meireles (2005), algumas medidas mitigadoras para a problemática seriam: a inclusão, nos estudos de impacto ambiental, de projetos para recomposição da paisagem após o abandono da atividade de produção de camarão; a demarcação das faixas marginais de preservação permanente, associada a projetos de revitalização das bacias hidrográficas; a criação de linhas específicas de financiamento para grupos comunitários, vinculadas à produção comunitária e cooperativa; que os EIA/RIMA (estudos e relatórios de impacto ambiental) promovam ampla discussão, nas diversas fases do empreendimento, com a participação efetiva das comunidades tradicionais; associar a Licença Prévia para os novos empreendimentos à definição do incremento dos impactos e ações de abrandamento vinculadas aos empreendimentos em operação. “A definição dos impactos cumulativos, por bacias hidrográficas e ecossistemas impactados, deverá fundamentar a liberação de licenças de implantação e operação” (s/p).

Conforme a argumentação de Meireles (2005, s/p), “a indústria da Carcinicultura levou em conta unicamente os custos de mercado, em detrimento dos danos ambientais, ecológicos, culturais, sociais e à biodiversidade. Comunidades foram expulsas de suas atividades tradicionais. Índios estão em grave perigo de perder suas bases alimentares e culturais”.

Ao refletir sobre essa atividade, fica o questionamento: a Carcinicultura é uma atividade viável ou não? Nos jornais, os discursos a cerca da temática se modificaram bastante ao longo desses quase trinta anos de história. Podemos verificar isso nas análises das reportagens que trato no capítulo seguinte.