• Nenhum resultado encontrado

6. DISCUSSÃO

6.3 LIGAÇÃO DA ConM A CITOCININAS

Embora nenhum estudo prévio tenha sido conduzido para se analisar a interação entre lectinas Diocleinae e adenina, o fato desta base nitrogenada, bem como do grupo indol (DELATORRE et al., 2013), se ligar ao CRD da ConM pode indicar que sua presença interfira com a capacidade de ligação a carboidratos. Para verificar esta hipótese submetemos o complexo ConM/adenina a um processo de docking molecular, tendo como ligantes os carboidratos trealose e MAN13 [man(α1-3)man(α1-O)Me], os quais são formas dissacarídicas da glicose e da manose, respectivamente, e cujas estruturas cristalográficas em complexo com a ConM foram resolvidas previamente (BEZERRA et al., 2007; DELATORRE et al., 2006). Estes glicídios foram escolhidos (1) porque a ConM apresenta maior afinidade de ligação a dissacarídeos (GADELHA et al., 2005b; RAMOS et al., 1996) e (2) porque representam formas diméricas dos monossacarídeos glicose e manose, os quais são os açúcares que, historicamente, são reportados como sendo aqueles que dão especificidade às lectinas Diocleinae (RAMOS; BELTRAMINI; MOREIRA, 2001).

Interessantemente, os resultados obtidos mostraram que os dois dissacarídeos mantiveram a capacidade de se ligarem ao CRD da ConM, mesmo com a presença da base nitrogenada. Nos dois casos, as moléculas de açúcar encontram-se dispostas no sítio de modo a performar interações com os resíduos Leu99, Tyr100 e Arg228, bem como com a própria base nitrogenada. Apesar disso, diferenças importantes foram observadas nos dois complexos. Por exemplo, embora as primeiras unidades monossacarídicas das duas moléculas coincidam, aproximadamente, em posição, as segundas unidades encontram-se ortogonalmente dispostas uma relação à outra, com a unidade da maltose mais próxima da Tyr12 (perfazendo uma interação de hidrogênio) e a da trealose distalmente posicionada em relação a este resíduo. Tais diferenças se refletiram nos valores das energias de ligação obtidos nos processos de docking, onde aquele retornado para o dissacarídeo de manose apresentou-se melhor (-243.12 Kcal/mol contra -231.17 Kcal/mol para a trealose). Provavelmente, isto seja resultado da capacidade da MAN13 interagir com o resíduo Tyr12, o qual é reportado como sendo essencial para a ligação de oligossacarídeos (DAM et al., 1998; DAM et al., 2000; DELATORRE et al., 2006), bem como da proximidade de seu grupamento metil aos resíduos Leu99 e Tyr100. Deste modo, a presença da adenina no CRD da ConM parece não interferir com sua capacidade de ligação a carboidratos, resultado este semelhante àquele reportado por

Delatorre e colaboradores (2013) para o complexo ConM/indol. Entretanto, a presença de compostos derivados desta base nitrogenada pode, de fato, afetar esta interação (discutido a seguir).

A capacidade que as lectinas de leguminosas tem em interagir com a adenina indicaria, do ponto de vista da fisiologia vegetal, que tais proteínas poderiam se ligar a citocininas, fitohormônios derivados desta base nitrogenada que estão relacionadas principalmente, com processos de divisão de celular, embora também desempenhem funções quanto a respostas a estresses bióticos e abióticos. De fato, dois estudos demonstraram que a lectina Mistletoe I, uma proteína inativadora de ribossomos (RIP – Ribosome Inactivating Protein) isolada do visco-branco (Viscum album), se liga às citocininas zeatina (MEYER et al., 2008) e kinetina (MALECKI et al., 2012). Sendo uma RIP, mais especificamente da classe II, a estrutura tridimensional desta lectina apresenta dois domínios: um de reconhecimento a carboidratos, que permite sua ligação à superfície celular com subsequente internalização, e um catalítico, responsável pela clivagem de uma ligação N-glicosídica em uma adenosina específica presente no rRNA 28S da subunidade 60S do complexo ribossômico (PARK et al., 2004). Os dois estudos destacados previamente demonstraram que ambas as citocininas se ligam no sítio ativo da Mistletoe I.

Levando-se em consideração que o presente trabalho destacou que a ConM se liga à adenina através de seu CRD, procuramos verificar, semelhantemente ao que fora realizado para a Mistletoe I, se aquela lectina também teria a capacidade de se ligar a citocininas e se, de fato, tal interação ocorreria no próprio CRD. Curiosamente, os resultados do processo de docking molecular da ConM como molécula receptora mostraram que as três principais citocininas naturais, isopenteniladenina (ZIP), trans-zeatina (tZEA) e kinetina (KIN) se ligam ao CRD da lectina. As duas últimas adquirem um posicionamento bastante similar dentro do sítio, com o anel purínico da adenina interagindo com a Arg228, semelhante ao reportado para a mistletoe, onde o anel interage com a Arg168 (KRAUSPENHAAR et al., 2002; MALECKI et al., 2012), e suas cadeias ligantes à base, isopentenil hidroxilada e furfuril, respectivamente, voltadas para as cadeias laterais dos resíduos Tyr12, Leu99 e Tyr100, fazendo, assim, com que o eixo transversal (Leu99  Arg228) do sítio fique preenchido pelo fitohormônio. O mesmo ocorre com a ZIP, embora, neste caso, a molécula sofra uma rotação de aproximadamente 180º em relação a suas homólogas, com o anel purínico próximo aos resíduos hidrofóbicos Tyr12, Leu99 e Tyr100 e a cadeia isopentenil voltada para a Arg228. Interessantemente, apesar desta mudança, esta citocinina apresentou uma energia de ligação

maior que a KIN (-262.65 Kcal/mol e -220.75 Kcal/mol, respectivamente), embora menor que a tZEA (-274.86 Kcal/mol), o que pode ser explicado pelo número de interações hidrofóbicas que estabilizariam os três ligantes (99 para tZEA, 97 para ZIP e 81 para KIN).

Embora a adenina presente no CRD da ConM pareça não interferir com a interação desta lectina com os dissacarídeos trealose e MAN13 (Figura 24), o mesmo parece não acontecer quando citocininas se encontram no mesmo local. Os processos de docking molecular do complexo ConM/tZEA com os dissacarídeos trealose e MAN13 como moléculas ligantes mostraram que estes açúcares não se ligam à lectina através de seu CRD, indicando que, de fato, a presença de fitohormônios no CRD, diferentemente do que ocorre para a base nitrogenada, não possibilita que a lectina se ligue a moléculas de carboidratos (Figura 25). Provavelmente, no caso da tZEA, isto ocorra devido à presença da cadeia isopentenil hidroxilada ligada ao anel purínico, fazendo com que a molécula preencha o espaço referente ao eixo transversal do CRD, de modo que o sítio fique limitado para a acomodação de duas moléculas de tamanhos relativamente iguais. Resultado similar foi obtido submetendo-se a cadeia A da ConM co-cristalizada com a trealose (PDB ID 2CY6) e com a MAN13 (PDB ID 2P37) a processos de docking molecular com a tZEA, onde esta citocinina encontra-se localizada na região próxima ao sítio de ligação a aminoácidos não proteicos (Figura 26).