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Capítulo 2 – Revisão da literatura

2.2 Conhecimento técnico-pedagógico do conteúdo

2.2.3 Limitações e desafios do modelo TPACK

O modelo TPACK tem, progressivamente, vindo a aglutinar os investigadores na pesquisa relacionada com a introdução da tecnologia no ensino (Graham, 2011). No entanto, este modelo tem estado sujeito a críticas relacionadas com a falta de precisão e clareza nas fronteiras entre os conhecimentos de conteúdo, pedagógico e tecnológico, sendo esta uma fraqueza do modelo nos processos de discriminação e categorização (Angeli & Valanides, 2009; Cox, 2008).

Alguns autores relevam a debilidade com que, por exemplo, o conhecimento tecnológico é definido e caracterizado, uma vez que não se distinguem os vários tipos de tecnologia. Esta crítica é apoiada pela grande panóplia de definições encontradas na literatura ou pelo facto de alguns autores tenderem a usar siglas

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adaptadas como ICT-TPACK, em que as tecnologias em causa são as tecnologias da informação e comunicação, ou TPCK-W, em que se relevam exclusivamente as tecnologias relativas à Internet (Graham, 2011).

Cox (2008) distingue, a esse respeito, tecnologias transparentes de tecnologias emergentes. Às primeiras associa materiais como o lápis, o quadro negro ou os livros quando usados em contexto de sala de aula; às segundas faz sobretudo corresponder as novas tecnologias, mais tipicamente tecnologias digitais como a Web, os quadros interativos multimédia e os computadores. Segundo Cox, as tecnologias transparentes fazem parte do conhecimento pedagógico do conteúdo, estando as emergentes explicitamente reservadas para o conhecimento tecnológico, o conhecimento tecnológico do conteúdo, o conhecimento técnico- pedagógico e o conhecimento técnico-pedagógico do conteúdo. Neste trabalho de dissertação tem-se em conta a tecnologia tal como é definida por Cox.

A implementação do modelo TPACK na formação de professores tem tido uma abrangência limitada, não só por se tratar de uma proposta recente, mas também por estar ainda muito situado no domínio teórico, sem que tenha ainda sido criado um método claro para a sua implementação e avaliação (Cox, 2008). Num estudo baseado em questionários, envolvendo cerca de seiscentos professores americanos, os dados sugerem que, apesar de o modelo TPACK ser útil sob o ponto de vista organizacional, é difícil considerar individualmente cada um dos seus domínios, pelo que surgem dúvidas acerca da eficácia da sua aplicação na prática (Archambault & Barnett, 2010).

Shin et al. (2009) investigaram o impacto da formação na compreensão do modelo TPACK por parte dos professores e de que forma as convicções destes sobre o ensino e a tecnologia terão mudado como resultado de uma intervenção formativa presencial e não presencial. Os resultados sugeriram que houve da parte dos professores-formandos uma compreensão mais profunda e um entendimento mais completo sobre o modelo.

A utilização de recursos multimédia, enquanto representações externas para a melhoria das aprendizagens dos alunos, tem uma relação íntima com o conceito TPACK, uma vez que estas ferramentas são de cariz eminentemente tecnológico. A utilização de quadros interativos nas aulas, num contexto de colaboração entre

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pares, pode ser um meio adequado para desenvolver nos professores o conhecimento técnico-pedagógico do conteúdo e desta forma melhorar o seu desempenho face à utilização de representações multimédia (Jang, 2010).

No que tem a ver com o nosso país, os últimos anos foram particularmente profícuos na introdução de inovações tecnológicas no processo de ensino e aprendizagem, sendo de destacar, entre outras, a já debatida introdução do quadro interativo nas escolas. Os resultados de um estudo empírico realizado em Portugal em 2009 (Vicente & Melão, 2009) mostraram, em concreto, que a frequência de utilização dos quadros interativos ainda é baixa entre nós, não estando ainda os professores a pôr em prática todo o potencial dessa ferramenta. Nas escolas onde o quadro interativo é mais utilizado são feitas referências claras pelos professores às suas vantagens, tais como a possibilidade de utilização de vários recursos em simultâneo, o aumento da motivação dos alunos e a sua utilidade na explicação de conteúdos complexos. A falta de equipamento, a dificuldade de acesso aos mesmos, a falta de formação e a necessidade de tempo de preparação dos materiais constituíram os principais obstáculos à utilização dos quadros interativos identificados nesse estudo.

Como recomendação alerta-se para a necessidade de uma maior implicação quer da direção das escolas, quer dos professores, no sentido de mobilizar os recursos disponíveis (humanos e técnicos) para promover uma eficaz e plena integração destas plataformas na prática pedagógica. Esta integração envolve não apenas programas de formação diferenciados e atualizados, mas também o recurso a professores com maior apetência para a inovação e utilização das novas tecnologias, de forma a servir de apoio à mudança. E envolve também a criação de espaços de trabalho colaborativo que fomentem a formação entre pares e a valorização dos professores “missionários” no reconhecimento do seu trabalho, o que permitirá uma maior motivação de todos os professores.

Num outro estudo similar, este realizado nos Estados Unidos da América, conduzido por Guzey e Roehrig (2009), foi também avaliado o impacto de uma intervenção formativa em professores de ciências de nível secundário, objetivando a integração de recursos tecnológicos em aulas do 12.º ano, veiculando o uso de representações multimédia como simulações computacionais, imagens digitais e

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filmes. Esta intervenção teve impacto positivo no desenvolvimento do conhecimento técnico-pedagógico do conteúdo nos professores. Fatores de contexto e conceções dos professores acerca do ensino afetaram a transposição para as aulas daquilo que aprenderam na formação. Com base nos resultados obtidos, os autores do estudo foram de opinião que os programas de formação podem ser mais eficazes na alteração de práticas e na integração de tecnologia se for feita uma aposta na colaboração entre professores e se estes refletirem sobre as suas práticas.

2.2.4 Síntese

Shulman introduziu há mais de duas décadas atrás um modelo que fez refletir sobre a especificidade do conhecimento do professor e do seu papel nas aprendizagens dos alunos, tendo proposto a existência de um conhecimento de cariz operacional, onde os conteúdos científicos da disciplina devem ser moldados no contexto de estratégias pedagógicas adequadas para que estes mesmos conteúdos sejam percebidos pelos alunos. Mais recentemente, Mishra e Koehler alargam este modelo, introduzido a componente tecnológica (modelo TPACK).

As representações externas de cariz multimédia são utilizadas hoje em dia quase exclusivamente com recurso às tecnologias da informação e comunicação para a produção, uso, adaptação e apresentação das mesmas. É importante o conhecimento tecnológico, mas não é suficiente, sendo determinante o desenvolvimento do conhecimento técnico-pedagógico do conteúdo no professor. A utilização de representações multimédia no ensino da física e da química, algo que constitui o principal enfoque desta dissertação, tem assim uma adequação natural ao modelo TPACK. Nesta matéria, o desenvolvimento do conhecimento técnico-pedagógico do conteúdo poder-se-á fazer com formação e com trabalho colaborativo entre os professores, onde a reflexão sobre a prática poderá ter um papel determinante, como alguns estudos preconizam. É nesse sentido que no próximo subcapítulo se procede a uma abordagem do desenvolvimento profissional do professor num contexto de trabalho colaborativo.

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