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4.2 AUTONOMIA E DISCRICIONARIEDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

4.2.1 Limites do Controle Externo da Atividade Policial

A partir da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público assume uma função de relevo na concretização dos fins de um Estado Democrático de Direito72, constituindo-se em “importante mecanismo de controle da atividade estatal (...) e questões de interesse geral”. Para o efetivo exercício de suas funções institucionais, ao órgão ministerial são conferidas garantias73 constitucionais que o coloca em posição segura para o zelo pelo interesse público e a defesa dos direitos da coletividade. (COSTA JÚNIOR; 2006, p. 59).

Com relação a missão constitucional do órgão ministerial, o que se busca é uma atuação de efeitos concretos de forma a dar respostas a demandas sociais, não se limitando a aplicação literal da lei. Como bem pontuado por Costa Junior (2006, p. 62): “O Ministério Público deixa, pois, de fiscalizar a lei pela lei, num inútil exercício de mero legalismo. Requer-se dele, agora, que avalie, criticamente, o conteúdo da norma jurídicas”.

As relevantes funções do Ministério Público, em diversas áreas, somadas as prerrogativas e garantias constitucionalmente a ele conferidas, torna a instituição um importante ator público na defesa da sociedade democrática de direito. Como “defensor da ordem jurídica74”, o órgão ministerial tem atuação perante o Poder Judiciário e os demais Poderes estatais com autonomia e independência funcional, devendo seus membros, contudo, observar os limites constitucionais e legais. (COSTA JÚNIOR; 2006, p. 58-63)

Em relação ao controle externo da atividade policial a ser exercido pelo Ministério Público, previsto no artigo 129 da Constituição de 1988, é norma de eficácia limitada que necessita de lei complementar local para sua concretização. O texto constitucional traz em seu artigo 61, parágrafo 1º, II, “d”, autorização para edição de legislação nacional sobre a organização do Ministério Público, devendo a lei

72 Segundo Costa Júnior (2006, p. 64), “Tem o Ministério Público a iniciativa de propor medidas judiciais

e extrajudiciais tendentes a preservar o regime democrático”.

73 Autonomia funcional e administrativa (art. 127, § 2º); Estruturação na carreira (arts. 128, §§ 1º e 3º e

129, § 2º); Ingresso na carreira mediante concurso de provas e títulos (art. 129, § 3º); Vitaliciedade após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado (art. 128, inciso I, alínea “a”); Inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público (art. 128, inciso I, alínea “b”); e, Irredutibilidade de vencimentos (art. 128, inciso I, alínea “c”).

complementar reclamada pelo artigo 129 obedecer às normas gerais nela estabelecida de forma a não criar disparidades entre as legislações dos Estados da federação. (MAZZILLI; 1991, p. 22)

Como ensina o ilustre autor Hugo Nigro Mazzilli, não pode o Ministério Público agir indiscriminadamente sobre toda e qualquer atividade da polícia, considerando a divisão funcional que objetiva limitar o exercício do Poder de cada órgão ou instituição, algumas dotadas de maior ou menor independência ou autonomia.

Com relação a ação penal pública que tem como titular o membro do Ministério Público, no caso o Promotor de Justiça ou o Procurador-Geral, pressupõe, geralmente, uma fase preliminar de investigação a ser realizada pela polícia judiciária. Há um relacionamento entre o Ministério Público e a Polícia em que deve ser delimitado o trabalho a ser desenvolvido por cada instituição. (MAZZILLI, 1991, p. 19)

O inquérito policial é peça meramente administrativa que antecede a ação penal pública, objetivando reunir os elementos de autoria e materialidade delitiva para sua propositura em sede judicial. O Ministério Público, por sua vez, é o único legitimado autorizado a oferecer ou não a ação penal pública com base nas provas colhidas em sede policial. (MAZZILLI; 1991, p. 20)

Segundo Mazzilli (1991, p. 21), a polícia judiciária busca combater e apurar a infrações penais objetivando promover a segurança pública e preservar a ordem jurídica e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. O Ministério Público atua no controle externo da atividade policial nas áreas relacionadas as suas funções institucionais, como no caso da ação penal pública. A incidência do controle se dá nos elementos fornecidos pela polícia para formação de sua opinio delict do órgão ministerial, ressaltando o seu poder de requisição e diligência, previstos expressamente no texto constitucional. (MAZZILLI, 1991, p. 20/21)

Para Mazzilli (1991, p. 22), o controle externo da atividade policial a ser realizado pelo Ministério Público carece de legislação infraconstitucional75 a ser elaborada por cada Estado, de forma a disciplinar como efetivamente vai ser exercido e quais os instrumentos a serem utilizados. Isso se deve ao fato da diversificação da atividade policial, o que requer amparo legal para uma intervenção de órgão estranho a

75

Há no estado de Sergipe, de forma pioneira, a edição da Lei Complementar nº 3 de 12 de novembro de 1990. (MAZZILLI; 1991, p. 21)

instituição, no caso o Ministério Público. Não pode o órgão ministerial atuar em toda e qualquer atividade policial, mas apenas naquelas relacionadas a investigação criminal e apuração das infrações penais, visto se ele o destinatário do resultado obtido.

Em sendo assim, o Ministério Público tem a incumbência constitucional de controlar a atividade policial incide sobre: apuração da notitia criminis; coleta dos elementos necessários a formação de sua opinio delictis; apuração de crimes que estão envolvidos policiais ou autoridade públicas; visita as delegacias e aos locais onde possam estar pessoas presas; lavratura de atos policiais (como boletins de ocorrência, flagrantes e demais oitivas); e, ainda, a vigilância no combate à tortura e aos meios ilícitos de prova da autoria e materialidade delitiva. (MAZZILLI; 1991, p. 22)

O Ministério Público, ao constatar a prática de ilícitos penais ou irregularidades administrativas, deve tomar as providências cabíveis, observando suas atribuições previstas nos incisos I a III, do artigo 129, da Constituição Federal de 1988. Quando exceder seu campo de atuação, deve o órgão ministerial fazer as devidas representações, as encaminhando as autoridades competentes para as devidas providências. (MAZZILLI; 1991, p. 22/23)

Segundo Mazzilli (1991, p. 23), no caso de o Promotor averiguar algum tipo de irregularidade ou ilegalidade na fase do inquérito policial, deve atuar dentro de suas atribuições de forma a combater os abusos pelos meios legais, fazendo, se for o caso, as devidas representações aos órgãos competentes. Os incisos III e VI do artigo 129 da Constituição de 1988 autorizam o Ministério Público a instaurar procedimentos administrativos para apuração de abusos e arbitrariedade cometidos por policiais no desempenho de sua atividade funcional.

Quanto aos poderes de notificar e requisitar do Ministério Público, expressamente previstas no texto constitucional, estes se apresentam como instrumentos de ação para o exercício do controle externo da atividade policial, cuja descumprimento pode ensejar a prática de crime de prevaricação, ou outro que deva incidir pelo princípio da especialidade, cuja infração penal esteja prevista em lei especial76. Essas notificações e requisições podem incidir antes e durante o inquérito policial, quando entender necessárias novas diligências para melhor apuração da infração penal. (MAZZILI; 1991, p. 23)

Segundo Mazzilli (1998, p. 24), o artigo 129, inciso VIII da Constituição Federal de 1988 permite o poder de requisição do Ministério Público, sendo que, impõe limitação quando diz “indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”. Isso significa que o órgão ministerial não tem como exigir diligências infundadas, devendo requisitar investigações e instauração de inquérito policial e manifestar os seus motivos jurídicos.

O controle exercido pelo Ministério Público sobre a Polícia incide na sua atividade-fim, mais precisamente na apuração de infrações penais, bem como nos seus poderes gerais de requisição. Segundo Mazzilli (1998, p. 24), “não se exime o Ministério Público do dever de zelar pelo efetivo respeito da Polícia Civil ou Militar aos direitos assegurados na Constituição, promovendo medidas necessárias à sua garantia”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado tem a titularidade do direito de punir (Jus puniendi) e para a sua concretização utiliza diversos órgãos, desde a edição da lei até a execução da pena. Nesse contexto, se situa o Ministério Público e a Polícia, com uma parcela de poder atribuída pelo ente estatal, cujos limites devem ser respeitados para evitar abuso e arbitrariedade por parte das autoridades, tendo como instrumento de operacionalização dos seus fins democrático, o instituto do “controle” externo e interno das atividades da Administração Pública.

Com o advento da Constituição da República de 1988 e a sedimentação de princípios e valores democráticos, o Estado se organiza de forma a limitar o “poder” conferido a órgãos e instituições para evitar abusos e arbitrariedade cometidos em prejuízo da coletividade. Opera aqui um sistema de freios e contrapesos entre os Poderes estatais e um controle recíproco entre os diversos órgãos e instituições incumbidas de promover o interesse público.

Enquanto instituição estatal, o Ministério Público assume um papel de extrema importância no que concerne ao controle das diversas áreas de atuação em prol do interesse público, em especial dos órgãos de segurança pública. Por ser considerado ator primordial na defesa da democracia brasileira, o órgão ministerial tem a seu favor instrumentos de ação que o coloca em posição ímpar para a promoção do seu mister constitucional.

O texto constitucional dispõe de forma expressa em seu artigo 129, inciso V, a atribuição conferida ao Ministério Público de controle externo da atividade policial, na forma de lei local a ser editada por cada ente federativo, deve ser entendida de forma ampla, incidindo não apenas o trabalho de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, mas os casos em que seja inviável a atuação dos órgãos de segurança, isso para evitar uma sobreposição do corporativismo em detrimentos do interesse público.

Como é cediço, a investigação criminal operada pela polícia civil tem regulamentação infraconstitucional (Lei nº 13.830/13), concedendo ao Delegado de Polícia o direito presidir, com exclusividade, o Inquérito Policial, principal instrumento de atuação que visa apurar as circunstancias do fato, autoria e materialidade da infração

penal. Tem a Autoridade Policial certo grau de discricionariedade com relação à condução das investigações desde que observados os limites legais.

A polícia civil tem atividade administrativa e se encontra vinculada ao Poder Executivo, tendo com atividade-fim o fornecimento de elementos necessários a formação da opinio delictis do Ministério Púbico para o oferecimento da denúncia. Como destinatário do trabalho efetivado em sede policial, no que concerne a polícia judiciária ou investigativa, o órgão ministerial tem legitimidade para notificar ou requisitar diligências e até a instauração de inquérito policial, desde que indique os fundamentos de seu pedido. Como se observa, não tem o Ministério Público livre atuação sobre a instituição policial, visto não haver qualquer tipo de subordinação entre eles.

Como todo e qualquer controle, este tem limitação, não podendo o Ministério Público intervir em toda e qualquer atividade policial. Seu poder de ingerência deve recair sobre as áreas em que ele se relaciona com a polícia, como no caso de requisitar diligências para subsidiar a denúncia, isso porque às polícias tem a função de investigação criminal, cabendo ao Ministério Público a acusação em juízo.

Isso, entretanto, não significa que o Ministério Público seja omisso nos casos envolvendo abusos ou arbitrariedade de policiais, mesmo porque tem ele o papel tradicional de “fiscal da lei”, devendo apurar e levar ao Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.

Em sua tarefa de controle externo da atividade policial, tem o órgão ministerial a sua disposição vários instrumentos de ação instrumentos de ação, como a ação penal pública e o inquérito civil (que antecede a ação civil pública), para a defesa e o zelo do interesse público.

A limitação de atuação do Ministério Público se estende ao funcionamento dos órgãos de segurança, uma vez que não pode ele intervir em questões internas referentes a organização e estruturação da atividade funcional da instituição policial, exceto se constatado alguma irregularidade ou ilegalidade de seus agentes, caso em que deve comunicar aos órgãos competentes para adoção das medidas cabíveis.

É de se concluir, portanto, que o Ministério Público, apesar de ser considerado uma instituição essencial para a concretização da democracia, dotado de autonomia e discricionariedade no desempenho de algumas de suas funções, deve ter ele limitações

no que concerne ao controle dos órgãos e instituições estatais, em especial com relação a atividade policial.

Apesar de ter a seu favor um “poder” diferenciado em relação aos demais atores públicos, até para evitar a ingerência dos Poderes do Estado em seu funcionamento institucional, não pode o Ministério Público agir em desconformidade com a lei, devendo observar as particularidades e exclusividade conferidas aos demais órgãos e instituições públicas, em respeito as regras e princípios de um Estado Democrático de Direito.

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