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2.1 Crise Ambiental

2.1.1. Limites planetários

O discurso sobre limites ao desenvolvimento humano é um que se estende sobre duas centenas de anos (Pálsson et al., 2013). Neste âmbito, destaca-se o proeminente relatório Limites ao Crescimento pelo Clube de Roma (Meadows et al., 1972), e o conceito de ‘capacidade de carga planetária’ desenvolvido por Daily e Ehrlich (1992)28. Não obstante, o quadro de limites planetários de Rockström et al. (2009),

demonstram maior precisão, ao definir os parâmetros de impacto antropogénico sobre o Sistema Terra e apresentam uma imagem do que a humanidade poderá vir a enfrentar no Antropoceno.

Segundo Rockström et al. (2009), o crescimento exponencial da empresa humana alicerçada na industrialização global, tem deturpado importantes processos naturais do Sistema Terra que interagem entre si. Como vimos anteriormente, a pressão sobre um processo natural ou limite planetário - como colocam os autores – poderá induzir o Sistema Terra a afetar outro limite planetário (Steffen, Richardson et al., 2015; Lenton, 2016). De acordo com os autores, as alterações climáticas, a alteração dos ciclos biogeoquímicos do nitrogénio e fósforo, e a perda de biodiversidade constituam as três primeiras transgressões de nove importantes processos naturais, que constituam os limites planetários do Sistema Terra29. Para além dos referidos, entre os limites originais podemos encontrar a acidificação dos oceanos,

28 O discurso de limites, recai sobre o que veremos ser o discurso do eco-castastrofismo e pode ser rastreado até à

obra de Robert Malthus, Essay on the Principle of Population publicado em 1798 (Dryzek, 2013). Malthus determinou que um crescimento económico contínuo conduziria ao colapso da relação entre população e capacidade de produção de alimentos. Quase 175 anos mais tarde, o relatório, Limites ao Crescimento (no idioma original: Limits to Growth) teorizaria sobre o colapso do sistema humano e terrestre ainda no século XXI, a fim de alertar a humanidade. Daily e Ehrlich (1992) procuraram desenvolver uma única análise para medir o tamanho máximo da população humana que o Sistema Terrestre conseguiria sustentavelmente suprir.

Sobreviver ao Antropoceno: Análise Crítica às Estratégias Europeia e Portuguesa de Adaptação às Alterações Climáticas

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o desgaste do ozono estratosférico, a carga atmosférica de aerossol, a utilização de água doce, a utilização do solo terrestre e a poluição química.

Numa atualização de 2015 (Steffen, Richardson et al., 2015), o limite para a utilização do solo foi também considerado como tendo sido excedido30, o que significa que quatro limites planetários estão

atualmente em alto risco de colapso. Rockström e colegas (2009) explicam que:

The planetary boundaries approach focuses on the biophysical processes of the Earth System that determine the self-regulating capacity of the planet. It incorporates the role of thresholds related to large-scale Earth System processes, the crossing of which may trigger non-linear changes in the functioning of the Earth System, thereby challenging social- ecological resilience at regional to global scales. (Rockström et al., 2009, p.5)

O conceito de limites planetários, foi essencialmente concebido com o propósito de fornecer um quadro de referência para que as instituições humanas possam refletir sobre o seu desenvolvimento desenfreado e agir dentro de um domínio sustentável da Terra (Lade et al., 2020; Steffen, Richardson et al., 2015). Os autores não estabelecem uma estratégia específica para o efeito, deixando-a ao encargo dos governos e dos decisores políticos, contudo, sugerem que se a atividade antropogénica permanecer dentro dos limites propostos, o cenário poderá ser não ser um de catástrofe:

On condition that these are not transgressed for too long, humanity appears to have freedom to maneuver in the pursuit of long-term social and economic development within the stability domain provided by the observed resilience of the Earth System in the Holocene. (Rockström et al., 2009, p.19)

Rockström et al. (2009) sugerem que um estado semelhante ao Holoceno é o único que pode proporcionar um ambiente favorável à humanidade, pelo que a humanidade deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para não se afastar deste. À luz disto, o Antropoceno afigura-se como algo que pode ser contornado e não como a mais recente época em vigor do Sistema Terra (Dryzek & Pickering, 2019; Lövbrand et al., 2015). Em contraste, Dryzek e Jonathan Pickering (2019, p. 8) de modo simples colocam que, “if we are already in the Anthropocene, there is no turning back to stable Holocene conditions.” Portanto, de acordo com os autores, a conceção dos limites planetários poderá induzir em erro, uma vez que gere uma noção de evasão e de retorno a um período mais estável. No entanto, “[i]n the Anthropocene the condition of the system is one of continually moving. We cannot rewind ecosystems back to a state untouched by humans” (2019, p. 9).

30 Para além disso, a perda de biodiversidade foi reconceptualizada como integridade da biosfera e novas entidades

(introdução de substâncias artificiais e formas de vida modificadas) substituíram a poluição química (Steffen, Richardson et al., 2015). Consultar figura 3 no Anexo A.

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Como temos vindo a sugerir ao longo deste capítulo, uma das características distintivas do Sistema Terra no Antropoceno são as contínuas interações e feedbacks entre os processos naturais, que conduzem a uma permanente transformação e a uma situação de incerteza. Neste Sistema de interatividade e entrelaçamento, uma reação a um dos processos naturais originará sempre repercussões sobre outro processo (Lenton, 2016). Embora Rockström et al. (2009) reconheçam essa interatividade, a estrutura dos limites planetários mostra-se estática, pois restringe-se a aspetos únicos e limitados das alterações do Sistema Terra, não tendo em consideração as consequências imprevisíveis que tais interações ativariam após uma das variáveis atingir o limiar (Lade et al., 2020). Do mesmo modo, em função dessas interações recíprocas, os limites perdem a sua nitidez e precisão (Dryzek & Pickering, 2019; Lewis, 2012).

Não obstante, reconhecemos que os limites planetários desempenham uma função construtiva, ao alertar para a insustentabilidade do atual ritmo de crescimento e de pressão sobre os ecossistemas e, nessa medida, sobre o futuro estado do planeta. A sua conceção advém, portanto, da necessidade de monitorizar o estado do Sistema da Terra e fá-lo fornecendo aos decisores políticos uma necessária estrutura simplificada de orientação do mesmo (Lenton, 2016). Contudo, embora esta simplificação nos ajude a identificar problemas-chave, pode também conduzir a uma vontade política pouco ambiciosa (Lewis, 2012), visto que a sua estrutura estática atenua a necessidade de uma abordagem reflexiva capaz de se reinventar à luz da incerteza e dos riscos complexos (Dryzek & Pickering, 2019).

De facto, o planeta deve ser entendido como estando em rota para um estado não analógico (Dalby, 2016). Porém tal reconhecimento não deve implicar que estejamos a encaminhar para o colapso da Terra. Pelo contrário, a perceção do Antropoceno proporciona uma oportunidade não só para reconsiderar o poder e as consequências das ações humanas, mas também para reinventar e orientar o potencial da sociedade humana para futuros desejáveis (Bai et al, 2016; Dryzek & Pickering, 2019; Lövbrand et al., 2015). Não o fazer, ameaça a sociedade tal como a entendemos.