Quando trabalhamos com n´umeros como √2, ´e frequente referirmo-nos a “valores aproxima- dos”. Por exemplo, 1.4, 1.41 s˜ao valores aproximados (at´e `as d´ecimas e at´e `as cent´esimas, respectivamente) de √2. Do mesmo modo, vimos em 10, Sec¸c˜ao 8, que 2.23 ´e valor aprox- imado, at´e `as cent´esimas, de √5. Estes conceitos n˜ao se aplicam apenas `a considera¸c˜ao de n´umeros irracionais: tamb´em podemos dizer que 0.33 ´e valor aproximado de 1/3, ou mesmo que 1 ´e valor aproximado de 2. . . De facto, o que ´e importante ao usar o conceito de “valor aproximado” ´e referir o “grau de aproxima¸c˜ao” de que se trata. Assim, partindo dos nossos exemplos anteriores, ficar´a mais correcto afirmar:
1.4 ´e valor aproximado de √2 com erro9 que n˜ao excede 0.1 = 10−1 1.5 ´e valor aproximado de √2 com erro que n˜ao excede 0.1 = 10−1 2.23 ´e valor aproximado de √5 com erro que n˜ao excede 0.01 = 10−2 2.24 ´e valor aproximado de √5 com erro que n˜ao excede 0.01 = 10−2 0.33 ´e valor aproximado de 1/3 com erro que n˜ao excede 0.01 = 10−2 0.34 ´e valor aproximado de 1/3 com erro que n˜ao excede 0.01 = 10−2 1 ´e valor aproximado de 2 com erro que n˜ao excede 1
e o que estas frases significam, simplesmente, ´e que a distˆancia (valor absoluto da diferen¸ca) entre o n´umero e a aproxima¸c˜ao indicada ´e menor ou igual `a quantidade mencionada:
1.4 <√2 < 1.5 e, por isso, |√2− 1.4| =√2− 1.4 < 1.5 − 1.4 = 0.1, |√2− 1.5| = 1.5 −√2 < 1.5− 1.4 = 0.1; 2.23 <√5 < 2.24 e, por isso, |√5− 2.23| =√5− 2.23 < 2.24 − 2.23 = 0.01, |√5− 2.24| = 2.24 −√5 < 2.24− 2.23 = 0.01; 0.33 < 1 3 < 0.34
9O termo “erro” ´e aqui usado com o significado de “diferen¸ca” (em valor absoluto, como veremos) e
e, por isso, 13− 0.33 = 1 3− 0.33 < 0.34 − 0.33 = 0.01, 13− 0.34 = 0.34 − 1 3 < 0.34− 0.33 = 0.01; e |1 − 2| = 1.
De um modo geral, adoptaremos a seguinte defini¸c˜ao: um n´umero real x ´e valor aproximado
(ou aproxima¸c˜ao) de outro n´umero real a, com erro que n˜ao excede δ, se |x − a| δ.
Aqui, δ ´e um n´umero real positivo dado. Vemos, pois, que os valores aproximados do n´umero a com erro que n˜ao excede δ s˜ao exactamente os elementos do intervalo [a−
δ, a + δ] centrado em a.
a− δ a a + δ
| | |
´
E costume referirmo-nos a um intervalo do tipo [a− δ, a + δ] como uma vizinhan¸ca de a, e representamo-lo tamb´em por V (a, δ). H´a tantas vizinhan¸cas de a quantos os n´umeros reais positivos; para fixar uma vizinhan¸ca de a temos de especificar o n´umero δ (que representa metade do comprimento do intervalo).
S˜ao evidentes os dois factos seguintes:
Facto 2.4.1 a ´e valor aproximado de a com erro que n˜ao excede δ para todo o δ > 0.
Facto 2.4.2 Se δ < δ e x ´e valor aproximado de a com erro que n˜ao excede δ, ent˜ao ´e tamb´em valor aproximado de a com erro que n˜ao excede δ.
Reparemos que, dados dois n´umeros pertencentes a um certo intervalo, qualquer n´umero situado entre eles ainda pertence ao mesmo intervalo. Esta observa¸c˜ao tem a seguinte conse- quˆencia imediata:
Facto 2.4.3 Sejam x, y dois valores aproximados de a com erro que n˜ao excede δ. Ent˜ao, se x < z < y, z ´e tamb´em valor aproximado de a com erro que n˜ao excede δ.
Facto 2.4.4 x ´e valor aproximado de a com erro que n˜ao excede δ se, e s´o se, x− a ´e valor aproximado de 0 com erro que n˜ao excede δ.
Para vermos como os valores aproximados se comportam relativamente `as opera¸c˜oes, re- gistemos:
Facto 2.4.5 Sejam:
x, valor aproximado de a com erro que n˜ao excede δ; y, valor aproximado de b com erro que n˜ao excede δ. Ent˜ao
x + y ´e valor aproximado de a + b com erro que n˜ao excede 2δ.
Demonstra¸c˜ao. Da hip´otese
a− δ x a + δ, b− δ y b + δ
obt´em-se, adicionando ordenadamente,
a + b− 2δ x + y a + b + 2δ.
OBSERVAC¸ ˜AO. O significado pr´atico deste facto ´e que, quando numa adi¸c˜ao se utilizam aproxima¸c˜oes e n˜ao “valores exactos”, os desvios das parcelas adicionam-se, produzindo o desvio para a soma. Por exemplo, se calcularmos a soma
1 3+
1
9 = 0.33333 . . . + 0.11111 . . .
utilizando aproxima¸c˜oes at´e `as d´ecimas (portanto, com erro que n˜ao excede 0.1) somos conduzi- dos a:
0.3 + 0.1 = 0.4. ´
E certo que obtivemos um resultado “exacto `as d´ecimas”, ou seja, com erro menor que 0.1. Mas, se quisermos trabalhar com uma margem de erro menor, podemos dizer, por exemplo:
0.3 ´e aproxima¸c˜ao de 13 com erro que n˜ao excede 0.04; 0.1 ´e aproxima¸c˜ao de 19 com erro que n˜ao excede 0.02;
e podemos ent˜ao garantir que 0.4 ´e aproxima¸c˜ao de 13 +19 com erro que n˜ao excede 0.06.
Facto 2.4.6 Se x ´e valor aproximado de 0 com erro que n˜ao excede δ e y ´e valor aproximado de 0 com erro que n˜ao excede δ, ent˜ao xy ´e valor aproximado de 0 com erro que n˜ao excede δ2.
Demonstra¸c˜ao. Porque, da hip´otese
|x| δ, |y| δ
se obt´em, multiplicando ordenadamente,
|xy| = |x| |y| δ2.
Um dos aspectos de grande interesse no estudo e utiliza¸c˜ao das sucess˜oes num´ericas con- siste na observa¸c˜ao do comportamento dos seus termos, “para grandes valores de n”, quanto ao modo como tendem a concentrar-se ou dispersar-se. Com este objectivo em vista, a nos- sa aten¸c˜ao deve recair sobre o que fica da sucess˜ao quando sucessivamente lhe retiramos o primeiro termo, os dois primeiros termos, os trˆes primeiros termos, . . . , o primeiro milh˜ao de termos, etc., a fim de fazer sobressair uma tendˆencia de concentra¸c˜ao ou dispers˜ao.
EXEMPLO 2.4.1 Para un = 1n,, a supress˜ao de termos iniciais fornece-nos sucessivamente
os conjuntos de termos C2 = 1 2, 1 3, 1 4,· · · C3 = 1 3, 1 4, 1 5,· · · · · · · · · C100 = 1 100, 1 101, 1 102,· · · .
Constatamos que os conjuntos Cn s˜ao formados por n´umeros (positivos) cada vez mais pr´oximos de 0. Por exemplo, C100 pode ser totalmente “encaixado” no intervalo [0, 0.01] :
C100 ⊂ [0, 0.01]. Mas C1000000 pode ser encaixado no intervalo [0, 0.000001]. . .
EXEMPLO 2.4.2 Para vn= (−1)n, a opera¸c˜ao de sucessivas supress˜oes de termos deixa-nos sempre com o conjunto de dois n´umeros {−1, 1}. Se quisermos “encaix´a-lo” num intervalo, podemos dizer
{−1, 1} ⊂ [−1, 1]
mas as opera¸c˜oes de supress˜ao de termos n˜ao permitem nunca encurtar o intervalo.
EXEMPLO 2.4.3 Para wn= n2, ficamos sucessivamente com C2={4, 9, 16, 25, . . .}
C3={9, 16, 25, 36, . . .}
· · · = · · ·
C100={10000, 10201, . . .}
Os conjuntos C2, C3, . . . , C100, . . . podem neste caso ser encaixados nos intervalos
[4, +∞[, [9, +∞[, . . . , [10000, +∞[. . .
os quais, embora cada um seja menor que o anterior, tˆem sempre “comprimento infinito”.
EXEMPLO 2.4.4 Para zn= (−1)n n , obtemos os conjuntos C2 = 1 2, − 1 3, 1 4, − 1 5,· · · ⊂ −1 3, 1 2 , C3 = −1 3, 1 4, − 1 5, 1 6,· · · ⊂ −1 3, 1 4 , · · · · · · C100 = 1 100, − 1 101, 1 102, − 1 103,· · · ⊂ − 1 101, 1 100 ,
e novamente se observa um efeito de concentra¸c˜ao. Os elementos de Cp s˜ao valores aprox-
imados de 0 com erro que n˜ao excede 1p; este erro ser´a t˜ao pequeno quanto quisermos se tomarmos p suficientemente grande.
Para exprimir em termos rigorosos o efeito de concentra¸c˜ao que se observa nestes e noutros casos, usamos um dos conceitos mais importantes em Matem´atica e que agora vamos intro- duzir: o conceito de limite de uma sucess˜ao.
Seja (un) uma sucess˜ao de n´umeros reais e consideremos os conjuntos num´ericos C1 ={u1, u2, u3, . . .},
C2 ={u2, u3, u4, . . .},
· · · = · · ·
C1000 ={u1000, u1001, u1002, . . .}, . . .
obtidos suprimindo termos iniciais e deixando apenas os termos a partir de certa ordem. Aquilo que nos interessa ´e enunciar uma condi¸c˜ao que traduza a ideia seguinte: os termos de Cp devem constituir valores aproximados de um certo n´umero a; o erro envolvido nessa
aproxima¸c˜ao diminui `a medida que p aumenta e torna-se, na realidade, t˜ao pequeno quanto quisermos.
DEFINIC¸ ˜AO. Dizemos que a sucess˜ao un tem limite a∈ R (ou tende para a) se, dado
arbitrariamente δ > 0, h´a um dos conjuntos Cp constitu´ıdo por aproxima¸c˜oes de a com
Escrevemos ent˜ao:
lim un = a ou lim
n→∞un = a ou un → a
para exprimir a condi¸c˜ao descrita10.
O significado da defini¸c˜ao anterior ´e que, fixado um certo grau de aproxima¸c˜ao (δ) com total arbitrariedade, podemos encontrar uma ordem (p ∈ N) de modo que todos os termos da sucess˜ao a partir desta ordem (isto ´e, up, up+1, up+2, . . . ) constituem aproxima¸c˜ao de a
com erro que n˜ao excede δ, o que significa que eles se encontram no intervalo [a− δ, a + δ]. Podemos, pois, dizer que
lim un= a significa, por outras palavras:
Dado arbitrariamente δ > 0 h´a um n´umero p ∈ N de modo que Cp ⊂ V (a, δ).
OBSERVAC¸ ˜AO. Quando um dado Cp satisfaz a condi¸c˜ao descrita, todos os Cq com q > p
tamb´em a satisfazem, obviamente. . .
EXEMPLO 2.4.5 lim1
n = 0. Se pretendermos, por exemplo, obter termos da sucess˜ao que
sejam aproxima¸c˜oes de 0 com precis˜ao 10−6, exijamos
n1 − 0 =1 n
= n1 10−6;
esta condi¸c˜ao ´e equivalente a n 106 e, portanto, o conjunto C
1000000 tem a propriedade
requerida (todos os seus elementos s˜ao aproxima¸c˜oes de 0 com erro que n˜ao excede 10−6). O que fizemos com 10−6 pode refazer-se com um n´umero positivo arbitr´ario: se pretender- mos, em geral, obter termos da sucess˜ao que sejam aproxima¸c˜oes de 0 com erro n˜ao superior a δ (agora δ ´e um n´umero positivo qualquer) exijamos, analogamente,
1
n δ.
Como esta inequa¸c˜ao ´e equivalente a n 1
δ, basta escolher p ∈ N tal que p
1
δ para que os
termos inclu´ıdos no conjunto
Cp = 1 p, 1 p + 1, 1 p + 2,· · ·
tenham a propriedade requerida (isto ´e, sejam aproxima¸c˜oes de 0 com erro n˜ao superior a δ).
Agora, sim, mostr´amos que lim 1 n = 0. EXEMPLO 2.4.6 Para zn= (−1)n n tem-se tamb´em lim(−1) n n = 0
e a raz˜ao ´e que os c´alculos anteriores valem para esta sucess˜ao sem modificar nada, visto que
(−1)n n − 0 =(−1)n n
= 1n·
EXEMPLO 2.4.7 As sucess˜oes vne wndos exemplos 2.4.2 e 2.4.3, respectivamente, n˜ao tˆem
limite no sentido que acabamos de atribuir a esta no¸c˜ao. No caso de vn, porque os conjuntos Cp s˜ao sempre o mesmo: {−1, 1} e os seus elementos n˜ao podem constituir aproxima¸c˜ao
seja de que n´umero for com erro arbitrariamente pequeno . . . No caso de wn, porque os
conjuntos Cp “fogem” de qualquer intervalo, afastando-se para a direita na recta real, e a
mesma impossibilidade se constata.
Como as afirma¸c˜oes
“x ´e valor aproximado de a com erro que n˜ao excede δ” e
“x− a ´e valor aproximado de 0 com erro que n˜ao excede δ”
s˜ao equivalentes, temos:
lim un= a⇔ lim(un− a) = 0. (2.9)
Podemos dizer ent˜ao que qualquer afirma¸c˜ao sobre limites se pode reduzir a uma afirma¸c˜ao em que o limite considerado ´e 0.
Por isso as sucess˜oes com limite 0 tˆem um papel importante na teoria dos limites, e merecem uma designa¸c˜ao especial:
chamamos infinit´esimo a qualquer sucess˜ao un com lim un = 0.
A sucess˜ao wn = n2 do exemplo 2.4.3 tem uma caracter´ıstica digna de nota. J´a vimos que
os seus termos n˜ao tendem a concentrar-se; pelo contr´ario, eles “afastam-se para a direita” de tal modo que acabam por ultrapassar qualquer n´umero em que pensarmos, por maior que seja. Assim, se pensarmos em 106, os termos de w
n ultrapassam-no a partir de certa ordem: n2 106
desde que n 1000. Ou seja, C1000 ´e, para esta sucess˜ao, constitu´ıdo por n´umeros que j´a s˜ao
maiores ou iguais a 1 milh˜ao. E o que dissemos para 1 milh˜ao pode repetir-se para n´umeros arbitr´arios. . .
DEFINIC¸ ˜AO. Dizemos que a sucess˜ao untem limite +∞ (ler “mais infinito”), ou tende
para +∞, se dado arbitrariamente um n´umero A > 0 h´a um dos conjuntos Cp cujos
elementos s˜ao todos maiores ou iguais a A.
Escrevemos ent˜ao
lim un = +∞ ou lim
n→∞un= +∞ ou un→ +∞.
Uma sucess˜ao nas condi¸c˜oes desta defini¸c˜ao designa-se por infinitamente grande posi-
tivo. A sucess˜ao wn do exemplo 2.4.3 tem, pois, limite no sentido desta nova defini¸c˜ao:
lim wn= +∞.
Observ´amos, ao estudar a fun¸c˜ao 1
x, que quando x est´a “muito pr´oximo” de 0,
1
x ´e “muito
grande”, e quando x ´e “muito grande”, 1
x fica “pr´oximo” de 0. Ora bem, esta circunstˆancia
est´a relacionada com o seguinte
Facto 2.4.7 Seja (un) uma sucess˜ao num´erica com os termos todos positivos. Ent˜ao
lim un= 0 ⇐⇒ lim
1
un
= +∞.
(Por outras palavras: uma sucess˜ao de termos positivos ´e infinit´esimo se, e s´o se, a sucess˜ao dos inversos constitui um infinitamente grande.)
Demonstra¸c˜ao. Vamos verificar a implica¸c˜ao no sentido ⇒ e deixamos a outra ao cuidado do leitor interessado, visto que o argumento ´e muito semelhante.
Suponha-se ent˜ao que lim un= 0. Seja A um n´umero positivo arbitr´ario. Ent˜ao o n´umero δ = 1/A ´e positivo. Pela hip´otese, h´a um conjunto Cp ={up, up+1, up+2, . . .} cujos elementos
pertencem `a vizinhan¸ca de 0 [−δ, δ]: 0 < un δ ∀n p. Portanto 1 un 1 δ = A ∀n p.
EXEMPLO 2.4.8 Como se viu atr´as, temos lim n2 = +∞. Portanto lim 1
n2 = 0. Podemos
verificar este facto directamente. . .
EXEMPLO 2.4.9 Consideremos a sucess˜ao xn = n+2n+1, cujos termos s˜ao 32, 43, 54, 65,· · ·. N˜ao
´e dif´ıcil suspeitar de que
lim n + 2
n + 1 = 1.
E, para o comprovar, basta atender a que
n + 2 n + 1− 1 = 1 n + 1, pelo que lim(xn− 1) = lim 1 n + 1 = 0,
uma vez que lim(n + 1) = +∞.
EXEMPLO 2.4.10 A sucess˜ao xn= 10− n2, cujos termos s˜ao
9, 6, 1, −6, −15, −26, . . .
n˜ao tem como limite um n´umero e tamb´em n˜ao tem limite +∞, visto que os seus termos se afastam n˜ao para o lado positivo, mas sim para o lado negativo do eixo real. Na verdade, temos
lim(−xn) = +∞.
Com efeito,−xn = n2− 10 e para obtermos, por exemplo,
n2 − 10 > 1000
basta que n2 > 1010; todos os inteiros tais que
n 32
satisfazem esta condi¸c˜ao, como ´e f´acil ver. O que fizemos com o n´umero 1000 pode repetir-se com outro qualquer, por muito grande que seja, e confirma o que se pretendia.
Quando se tem lim(−xn) = +∞, dizemos que xn tende para −∞ e escrevemos
lim xn=−∞.
Assim, podemos dizer
EXEMPLO 2.4.11 A sucess˜ao (−1)nn n˜ao tende para +∞ nem para −∞, pois os seus
termos
−1, 2, −3, 4, −5, 6, −7
afastam-se tanto na direc¸c˜ao positiva como na direc¸c˜ao negativa do eixo real. O que facil- mente constatamos ´e que
lim|(−1)nn| = lim n = +∞.
A designa¸c˜ao de “infinitamente grande” usa-se tamb´em para designar qualquer sucess˜ao
xn tal que
lim|xn| = +∞.
Em particular, se lim xn =−∞, xn ´e um infinitamente grande (como no caso de 10− n2)
mas dizemos ent˜ao que ´e um infinitamente grande negativo. Os conceitos de limite que estud´amos d˜ao sentido a escrever
lim xn= a
quer a ∈ R, quer a seja um dos s´ımbolos +∞, −∞. Quando h´a necessidade de sublinhar que dada sucess˜ao (xn) tem limite a ∈ R, dizemos que tem limite real ou limite finito (por
oposi¸c˜ao aos limites infinitos +∞, −∞). O Facto 2.4.7 pode ser assim reformulado:
Facto 2.4.8 Se (un) ´e uma sucess˜ao de n´umeros diferentes de 0, ent˜ao un→ 0 ⇐⇒
1
|un| → +∞.
Na verdade, basta ter em conta que “un→ 0” e “|un| → 0” s˜ao afirma¸c˜oes equivalentes!
Para calcular limites de sucess˜oes, quando eles existem, ´e conveniente usar certas regras a fim de evitar o uso directo da defini¸c˜ao, que por vezes ´e pouco c´omodo. Comecemos por dar as regras mais simples.
Facto 2.4.9 Se xn = c ∀n (isto ´e, xn ´e constante com todos os termos iguais a c), ent˜ao
lim xn = c.
Demonstra¸c˜ao. Neste caso, os conjuntos Cn s˜ao sempre {c}. Para qualquer δ > 0 tem-se: Cn ⊂ [c − δ, c + δ], para todo o n ∈ N.
EXEMPLO 2.4.12 - Limite de uma progress˜ao aritm´etica.
Seja un= b + an o termo geral de uma progress˜ao aritm´etica, com raz˜ao a. Ent˜ao facilmente
se vˆe que
lim(b + an) = lim b = b, se a = 0; lim(b + an) = +∞, se a > 0; lim(b + an) =−∞, se a < 0.
Para comprovar a segunda afirma¸c˜ao, basta atender a que, dado K > 0 arbitr´ario, conseguimos obter b + an K, desde que an K − b, isto ´e, n K− b a ·
Assim, se p ´e um inteiro maior ou igual a K−b
a , todos os elementos do conjunto {up, up+1, up+2, . . .}
ultrapassam K.
Facto 2.4.10 Se lim xn= a e lim yn= b, ent˜ao
lim(xn+ yn) = a + b. (Aqui, a e b s˜ao n´umeros reais.)
Demonstra¸c˜ao. Dado δ > 0 arbitr´ario, temos tamb´em δ2 > 0; ent˜ao temos que
xn ´e valor aproximado de a com erro que n˜ao excede δ
2
yn ´e valor aproximado de b com erro que n˜ao excede δ
2
s˜ao afirma¸c˜oes correctas a partir de certos valores de n, digamos, se n p no primeiro caso e se n q no segundo. Se escolhermos o maior dos n´umeros p, q e lhe chamarmos r, temos que para n r s˜ao as duas correctas e utilizando o Facto 2.4.5 resulta
xn+ yn ´e valor aproximado de a + b com erro que n˜ao excede δ
Facto 2.4.11 (i) Se lim xn= a e c∈ R, ent˜ao
lim(c xn) = c a.
(ii) Se lim xn = 0 e lim yn= 0, ent˜ao
lim xnyn = 0.
Demonstra¸c˜ao. (i) Se c = 0, o resultado ´e evidente tendo em conta o Facto 2.4.9. Admitamos c = 0. Seja δ um n´umero positivo arbitr´ario. Ent˜ao δ
|c| ´e tamb´em positivo.
Pela hip´otese, h´a um Cp tal que Cp ⊂ V
a,|c|δ , o que significa |xn− a| δ |c| ∀n p.
Multiplicando por|c| esta desigualdade obtemos
|c| |xn− a| = |cxn− ca| δ ∀n p
e portanto o conjunto Cp = {cxp, cxp+1, . . .} referente `a sucess˜ao (cxn) est´a contido em V (ca, δ). A demonstra¸c˜ao de (i) est´a concluida.
(ii) Seja δ um n´umero positivo arbitr´ario e inferior a 1. Ent˜ao, pela hip´otese,
xn ´e valor aproximado de 0 com erro que n˜ao excede δ, yn´e valor aproximado de 0 com erro que n˜ao excede δ,
s˜ao afirma¸c˜oes correctas a partir de certas ordens, diagramos, n p no primeiro caso e n q no segundo. Sendo r o maior dos n´umeros p, q s˜ao ambas verdadeiras para n r. Pelo Facto 2.4.6 conclui-se
xnyn ´e valor aproximado de 0 com erro que n˜ao excede δ2,
para n r. Como δ2 < δ, vem
{xryr, xr+1yr+1, xr+2yr+2, . . .} ⊂ V (0, δ).
A condi¸c˜ao que significa “lim(xnyn) = 0” est´a, pois, verificada. (Se obtivemos a inclus˜ao no
Facto 2.4.12 Se lim xn= a e lim yn= b, ent˜ao
lim(xnyn) = ab.
Demonstra¸c˜ao. Pela hip´otese sabemos que, com
un= xn− a, vn= yn− b,
temos
lim un= 0 e lim vn= 0.
Ent˜ao, pelo Facto 2.4.11 (ii) vem
lim(unvn) = 0,
e tamb´em
lim(a vn) = 0, lim(b un) = 0.
Como
xnyn = (a + un)(b + vn) = ab + a vn+ b un+ unvn,
resulta do facto 2.4.10 que
lim(xnyn) = ab + 0 + 0 + 0 = ab.
EXEMPLO 2.4.13 ´E f´acil agora calcular os limites de sucess˜oes que se exprimem como somas ou produtos de outras cujos limites s˜ao conhecidos. Assim,
lim 1− 3 n = lim 1− lim 3 n = 1− 0 = 1, lim2n + 1 n + 2 = lim 2 + −3 n + 2 = 2 + 0 = 2, lim 2n + 1 n2+ 2n = lim 1 n · 2n + 1 n + 2 = 0· 2 = 0.
Facto 2.4.13 Se as sucess˜oes xn, yn, zn satisfazem xn zn yn ∀n e se lim xn = a, lim yn = a, ent˜ao tamb´em
lim zn= a.
Demonstra¸c˜ao. Para todo o δ > 0 h´a (pelo argumento utilizado na demonstra¸c˜ao de 2.4.11) um p∈ N tal que
xn ´e valor aproximado de a com erro que n˜ao excede δ, yn ´e valor aproximado de a com erro que n˜ao excede δ,
sempre que n p. Mas ent˜ao, utilizando o Facto 2.4.3 vemos que tamb´em
zn ´e valor aproximado de a com erro que n˜ao excede δ.
Facto 2.4.14 (i) Se lim xn = +∞ e
xn yn ∀n ent˜ao tamb´em lim yn= +∞.
(ii) Se lim yn=−∞ e
xn yn ∀n ent˜ao lim xn =−∞.
Estas propriedades permitem obter rapidamente muitos limites por compara¸c˜ao. EXEMPLO 2.4.14 Como, para todo o n
0 < 1
n2
1
n (porquˆe?)
e 1
n tem limite 0, resulta que tamb´em
lim 1
n2 = 0.
Na realidade, ´e f´acil reconhecer que nos factos 2.4.13 e 2.4.14 basta que o enquadramento se verifique a partir de um certo valor de n para que se possa tirar a conclus˜ao.
EXEMPLO 2.4.15 ´E claro que
n2− n + 1 n ∀n.
Portanto lim(n2− n + 1) = +∞.
Observa¸c˜oes complementares sobre o conceito de limite.
(1) De acordo com o estudo efectuado nesta sec¸c˜ao, a existˆencia de limite ´e uma caracter´ıstica de algumas sucess˜oes que permite descrever com exactid˜ao o seu “comportamento terminal”, isto ´e, a tendˆencia que os seus termos exibem quanto `a concentra¸c˜ao, quando ignoramos os primeiros 2, 3, . . . , 1000, . . . , milh˜ao, . . . de termos.
Quando a tendˆencia ´e efectivamente para a concentra¸c˜ao em torno de um n´umero deter- minado, estamos no caso em que o limite da sucess˜ao existe e ´e precisamente esse n´umero.
Quando os termos da sucess˜ao se afastam para a direita, no eixo real, para t˜ao longe quanto quisermos - isto ´e, quando ultrapassam um n´umero dado, por maior que seja, desde que retiremos uns tantos termos iniciais - estamos no caso em que o limite ´e +∞. Analogamente descrever´ıamos o caso em que se fala de limite−∞.
(2) Quando uma sucess˜ao tem limite, ele ´e ´unico, o que justifica o uso do artigo definido em locu¸c˜oes como “o limite da sucess˜ao xn. . . ” e o uso da escrita “lim un = a”. Ver adiante a
Consequˆencia 2.4.24.
(3) Os s´ımbolos +∞, −∞ s˜ao apenas isso mesmo: s´ımbolos (que n˜ao tˆem como significado nenhum n´umero!) que servem para abreviar as defini¸c˜oes de limite infinito.
(4) A pr´opria defini¸c˜ao de limite mostra que podemos alterar `a nossa vontade um determinado n´umero (arbitr´ario) de termos iniciais numa sucess˜ao sem que haja qualquer modifica¸c˜ao no valor do limite: precisamente porque para definir o limite apenas interv´em “o que resta” da sucess˜ao depois de lhe retirarmos 2, 3, 4 ou um bili˜ao de termos. Por exemplo, se tomarmos a sucess˜ao 1
n e modificarmos os primeiros mil termos decretando que todos eles passam a valer
um milh˜ao, obtemos a nova sucess˜ao
106, 106, . . . , 106, . . . , 106 mil termos , 1 1001, 1 1002, 1 1003,· · ·
que tem limite 0, tal como a sucess˜ao original. Na verdade, os conjuntos Cp relativos a estas
sucess˜oes s˜ao os mesmos para p 1001.
Mais geralmente, e com o mesmo tipo de argumenta¸c˜ao, podemos concluir:
Facto 2.4.15 Sejam un e vn duas sucess˜oes que “coincidem a partir de certa ordem”, isto ´e, h´a um n´umero natural r tal que
un = vn se n r. Ent˜ao, se lim un = a, tamb´em ´e verdade que
lim vn= a.
De modo semelhante,
Facto 2.4.16 Seja un uma sucess˜ao, k ∈ N, e definamos a nova sucess˜ao vn = un+k
cujos termos s˜ao
uk+1, uk+2, uk+3, uk+4, . . .
(que podemos referir como sucess˜ao obtida da primeira por supress˜ao dos primeiros k termos). Ent˜ao, se lim un = a, tamb´em ´e verdade que
lim vn= a.
J´a vimos como se comportam os limites com respeito `as opera¸c˜oes de adi¸c˜ao e multipli- ca¸c˜ao. Para a divis˜ao, e em particular para a passagem ao inverso, h´a tamb´em uma regra simples:
Facto 2.4.17 Se lim yn= b= 0, sendo tamb´em os termos de yn n˜ao nulos, tem-se
lim 1
yn
= 1
b·
Demonstra¸c˜ao. Trata-se de analisar em que medida os termos y1
n s˜ao valores aproximados de
1
b· Para isso ´e natural calcularmos o m´odulo da diferen¸ca
y1n − 1 b =b− yn ynb = |yn− b| |ynb| · (∗) Como yn → b, temos ynb → b2 (Facto 2.4.12). Ent˜ao, h´a um conjunto {ypb, yp+1b, . . .} cujos
elementos s˜ao todos maiores que b22:
(|ynb| =) ynb > b2
2 ∀n p. (∗∗)
Dado agora δ > 0 arbitr´ario, b22δ ´e tamb´em > 0, e por hip´otese h´a uma ordem r tal que
|yn− b|
2
b2δ ∀n r.
Se s ´e o maior dos n´umeros p e r, resulta imediatamente de (∗) e (∗∗) 1 yn − 1 b 2 b2δ· b2 2 = δ ∀n s. A demonstra¸c˜ao fica conclu´ıda.
Facto 2.4.18 Se lim xn= a e yn ´e como no facto precedente, ent˜ao
limxn
yn
= a
b·
EXEMPLO 2.4.16 Outra maneira de calcular o limite das duas ´ultimas sucess˜oes do exemplo 2.4.13 ´e utilizar as regras operat´orias, depois de dividir ambos os termos da frac¸c˜ao por n (no primeiro caso) e por n2 (no segundo caso):
2n + 1 n + 2 = 2 + 1n 1 + 2n → 2 + 0 1 + 0 = 2 1 = 2. 2n + 1 n2+ 2n = 2 n + 1 n2 1 + n2 → 0 + 0 1 + 0 = 0. Analogamente se mostra que
3n2− 106n + 1
n2+ 1 =
3− 10n6 +n12
1 + n12
→ 3.
Repare-se nos valores dos primeiros termos desta sucess˜ao e veja-se como eles est˜ao longe de dar uma indica¸c˜ao sobre o valor do limite.
Calcul´amos atr´as o limite de uma progress˜ao aritm´etica. Vamos agora considerar o caso