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Limpeza da superfície cromática e remoção de repintes

CAPÍTULO IV INTERVENÇÃO DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO

4.1.8. Limpeza da superfície cromática e remoção de repintes

A limpeza da superfície cromática é um tratamento irreversível e consiste na eliminação de mnchas e outros depósitos não-intencionais que alteram o aspeto estético da obra, prejudicando a sua leitura. A remoção de repintes, na maior parte dos casos é sempre um risco,

274 Nicolaus, K. (1999). Ob. cit., p. 41.

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pois só depois da sua remoção se tem perceção do estado de conservação da pintura original, podendo haver falta de material pictórico que põe em causa a leitura da obra275.

Após a remoção da cera foi possível observar, em determinadas áreas da camada cromática, alguns depósitos e manchas de tonalidade amarelada, que até então estavam encobertas. Procedeu-se, então à sua limpeza e, consequentemente à realização de novos testes de solubilidade, de modo a determinar qual o melhor método e produtos a utilizar. A utilização de uma sequência metodológica ordenada e coerente permite-nos efetuar um tratamento seguro e eficaz.

Os testes de solventes foram realizados nas duas áreas mais representativas, na área do sudário de Cristo (fig. Ap-V 15), onde se verificava a maior quantidade de depósitos entranhados e na área do túmulo de Cristo, que possuía a maior concentração de manchas amarelas. No que respeita às metodologias para a realização de testes de solubilidade, optou-se pelo método de Cremonesi, com o qual é possível realizar testes cujo princípio é o aumento da polaridade, de forma gradual. Este método permite identificar qual o parâmetro, fraccional de solubilidade, relacionado com as forças de dispersão do material a remover, de modo a encontrar um solvente ou mistura de solventes com caraterísticas semelhantes. Cremonesi retoma os testes de Feller, de 1972, mas substitui o tolueno por ligroína, um hidrocarboneto alifático derivado do petróleo muito menos tóxico e quase sem hidrocarbonetos aromáticos. Este teste consiste na combinação de ligroína e etanol ou ligroína e acetona, sendo estas soluções ordenadas numa série de 9 misturas cada uma, com diversas concentrações. Para além destas há ainda três misturas de acetona e etanol e a utilização dos solventes puros. O etanol, também denominado álcool etílico, é derivado de hidroxilo e carateriza-se por ser um solvente de grande polaridade. É utilizado sobretudo para limpezas, devido à sua baixa toxicidade e ao seu baixo peso molecular, o que lhe permite um maior poder de penetração. A acetona carateriza-se por ser um solvente de baixa viscosidade, ter elevado poder de penetração e evaporação rápida. De entre o grupo das cetonas é a menos tóxica, o que a torna a mais utilizada em processos de limpeza276,277.

Iniciaram-se os testes pela série LE (ligroína e etanol). O etanol em comparação com a acetona é um solvente menos volátil, sendo este um fator determinante na escolha do solvente a utilizar, visto ter-se considerado preferível a utilização de um solvente menos volátil. Isto deve-se ao facto de à medida que os materiais orgânicos envelhecem ficarem mais polares, ou seja, quanto mais polar for o solvente usado mais afinidade terá com esse material e, portanto

275 IDEM, Ibidem, pp. 339; 359.

276 Ortiz, A. S. (2012). Ob. cit., pp. 186-194. 277 Ramón, V. V. (2007). Ob. cit., pp. 271-272.

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mais fácil será a remoção deste último. Pretendeu-se avançar com valores de polaridade mais baixos, aumentando de forma gradual a sua volatilidade. Teve-se também em conta os valores de fd, começando-se com valores mais altos e diminuindo progressivamente. Assim sendo, começou-se por testar uma solução cuja concentração de etanol é baixa (LE1), aumentando-se gradualmente a sua concentração.

Na área do sudário de Cristo apenas com a solução LE4 se obteve uma limpeza homogénea, embora fosse necessária alguma fricção e insistência, pelo que se testou a mistura LE5. Esta solução foi testada com o intuito de perceber se era possível reduzir o tempo de atuação bem como reduzir o nível de insistência. Verificou-se que era demasiado abrasiva para a obra uma vez que retirava também pigmento e não só depósitos. Na área do túmulo de Cristo, verificou-se que só coma solução LE3 se conseguia bons resultados. Observou-se uma remoção homogénea das manchas, embora não na sua totalidade, sendo necessária alguma insistência. A solução LE4 mostrou-se mais eficaz, produzindo uma limpeza homogénea das manchas, ainda que não na sua totalidade e foi possível diminuir o grau de insistência. Por fim testou-se igualmente a mistura LE5, esta contrariamente às anteriores não produziu uma limpeza homogénea, apesar de se verificar a remoção total das manchas.

A série Ligroína e Etanol mostrou-se bastante eficaz na remoção das manchas e depósitos entranhados, pelo que sendo o etanol um solvente menos volátil e mais polar que a acetona, optou-se por não testar a outra série.

Após a análise destes resultados decidiu-se usar as misturas LE3 e LE4. Nas áreas com menor quantidade de depósitos e manchas menos intensas usou-se a solução menos polar (LE3) e nas restantes LE4. A limpeza foi feita com cotonetes de algodão em movimentos circulares (fig. Ap-V 16) e com o auxílio de um bisturi (fig. Ap-V 17) nas áreas de maior concentração de depósitos e portanto mais difíceis de remover, evitando-se assim mais passagens do solvente. Durante este tratamento verificou-se a existência de repintes, nomeadamente na área do véu branco da Santa Mulher mais à direita, no rosto de Cristo, mais precisamente na área do olho direito e barba e ainda num dos elementos da gruta. Este último repinte sobrepunha-se à paisagem, ocultando assim uma boa parte da pintura original. Estes repintes foram removidos pelas soluções acima descritas, uma vez que se mostraram igualmente eficazes.

A limpeza realizada foi uma limpeza seletiva, isto é, apenas nas áreas com maior concentração de depósitos e manchas, enunciadas atrás.

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