O DRAMA SOCIAL EM ARTHUR MILLER
2.5 Linda Loman como agente da ação e a posição da mulher em A Morte de um Caixeiro Viajante
No século XIX, uma peça importante para o drama social foi A Casa de Bonecas (1897) de Ibsen. Esta importância é dada pelo fato de que esta peça relata uma notável
164“This scenic idiom gave the audience a greater sympathy for the “real” Willy by drawing them into an
understanding of his inner life”.
165
“The result is a production whose audience [...] understands Willy Loman far better than any of the characters in the play do, enabling a full appreciation of his tragedy”.
instância de emancipação das mulheres e assim teve muita influência no surgimento dos movimentos emancipatórios. A peça trata do casamento de Nora e Torvald Helmer. Nora é uma dona de casa exemplar, entretanto, em uma situação dificil, toma emprestado dinheiro de um agiota, falsificando a assinatura do pai, como este fosse o fiador do empréstimo.
Chantageada pela agiota, Nora tenta, sem sucesso, esconder do marido o que para o mesmo, em sua posição social de gerente de um banco, se configuria como desonra, ainda que o gesto criminoso da esposa houvesse dado para conseguir um dinheiro que lhe salvou a vida. Quando Torvald descobre, fica furioso e, prezando mais por sua própria posição social do que pela boa intenção da esposa, ordena que Nora
fique em casa para cuidar dos filhos. Nora deixa a família e o casamento. Assim, “ouve-
se o som de uma porta que bate lá embaixo e cai o pano” (1976, p. 172).
Foi com este som de uma porta batendo e o pano caindo que terminou a apresentação da peça e provocou um choque na Europa do fim do século XIX. Com este fim da peça, com uma mulher deixando o marido e os filhos, começa a atenção pelos direitos das mulheres no drama social. Ibsen exerceu grande influência sobre Miller. Mas, a respeito da emancipação feminina, esta influência não está muito visível na obra de Miller.
Por exemplo, Otten (2008, p. 11) nota que “para muitos críticos feministas e outros críticos baseados em gênero, Miller é culpado por criar textos sexistas, que
aviltam ou reduzem personagens femininas”166, como Linda na Morte de um Caixeiro-
Viajante. Sobre Linda, Otten (2008, p. 12-13), acrescenta que “Linda continua a ser uma figura controversa. [...] Na melhor das hipóteses, [...] Linda Loman representa o fracasso de Miller para criar personagens femininos progressistas e úteis; na pior das hipóteses, ela reflete a atitude sexista do dramaturgo [...]”167.
Entretanto, Abbotson (2007, p.139) defende Miller, estipulando que “é fácil ser
perturbado pelos estereótipos femininos [...] que encontramos em A Morte de um Caixeiro-Viajante, [...] mas Miller queria que sua peça fosse realista, e na sociedade norte-americana do final dos anos de 1940, era assim que muitas mulheres eram
166 “For many feminist and other genderbased critics, Miller is guilty of creating sexist texts, which
demean or reduce female characters”.
167“Linda remains a controversial figure. [...] At best, [...] Linda Loman represents Miller’s failure to
vistas”168. Os estereótipos femininos usados por Miller na peça são, por exemplo: “[...] a
boa dona de casa, a garota de programa, a secretária tímida [...]”169 (ABBOTSON, 2007,
p. 139). A “boa dona da casa” é representada por Linda.
Na função de dona de casa, Linda “[...] é talvez a mais notória personagem de
Miller em relação à símbolos compensatórios”170, como nota Batten (2008, p. 169). A
esposa de Willy aparace muitas vezes na peça com um cesto de roupas: “Linda entra
[…], uma fita no cabelo, leva um cesto de roupa lavada” (2009, p. 188). Então, “enquanto lavanderia era um dever habitual de uma mulher neste período de tempo, isso
também mostra Linda como uma pessoa que “lava as manchas”, metaforicamente, a
mancha das derrotas de Willy”171 (BATTEN, 2008, p. 169). Linda sempre fica ao lado
do marido, ajudando-o e consolando-o, quando Willy fica desesperado e quer desistir.
Outro símbolo importante são as meias, que, “[...] enquanto elas erotizam a
amante, as meias se tornam o emblema do aprisionamento da mãe na vida
doméstica”172, explica Gilleman (2008, 157). Por exemplo, da citação “Linda entra na
cozinha e começa a cerzir meias” (2009, p.190) pode-se perceber que Linda faz seu
dever doméstico na cozinha para poupar dinheiro por cerzir suas meias, enquanto Willy
dá meias novas à sua amante. Sendo assim, “as meias associam a mulher com a mãe e,
ao mesmo tempo, a sexualidade do pai com a humilhação da mãe”173 (GILLEMAN,
2008, p. 157).
Por isso, Willy não aguenta de ver Linda cerzindo as meias: “não quero você
consertando meias nesta casa” (2009, p. 192), não somente pela humilhação financeira, mas porque as meias lembram a ele sua infidelidade e principalmente, porque as meias representam a discussão com o filho no hotel. No hotel em Boston, Biff encontrou seu
paí com a amante. A amante demanda meias novas de Willy: “você me prometeu duas
caixas de meias […]” (2009, p. 251). Willy dá as meias à amante, o que provoca uma
reação de revolta de Biff: “o senhor deu para ela as meias da mamãe!” (2009, p. 252).
168 “it is easy to be disturbed by the […] female stereotypes that we find in Death of a Salesman, […] but
Miller wanted his play to be realistic, and in U.S. society of the late 1940s, this is how many women were viewed”.
169 “[…] the good housewife, the call girl, the mousy secretary […]”
170“[...] is perhaps Miller’s most notorious character in respect to compensatory symbols”.
171“While laundry was a customary duty of a wife in this time period, it also shows Linda as a person
who “washes out stains,” metaphorically, the stain of Willy’s defeats”.
172 “[...] while they eroticize the mistress, the stockings become the emblem of the mother’s entrapment in
domesticity”.
173“The stockings associate the woman with the mother and thus the father’s sexuality with the mother’s
Assim, “para Willy, e [...] para Biff, a visão de Linda cirzendo meias é um lembrete
visível do preço que ela está pagando [...]”174 (GILLEMAN, 2008, p. 157). O preço
consiste em ficar presa numa vida doméstica e cuidar de um marido egoísta.
Mas, apesar de aparentemente aceitar o mal-tratamento do marido “Linda não é
estúpida ou fraca [...]. Ela é a principal razão pela qual a família conseguiu ficar unida,
daí sua representação como alguém que tenta consertar tudo, de meias até pessoas”175
(ABBOTSON, 2007, p. 139). É Linda que faz e paga as contas da casa, é ela que toma emprestado dinheiro para completar a falta de renda do marido, assim Linda sempre
“[...] surge [...] para ajudar ou apoiar [...] o protagonista da peça, seu marido”176. Então,
Linda é uma mulher determinada e forte e “[...] isso pode ser visto como oposto ao
estereótipo da fraca figura materna”177 (ABBOTSON, 2007, p. 139).
Outro exemplo da força de Linda ocorre quando ela tenta defender o marido e reconciliá-lo com os filhos. Enquanto Happy e Biff criticam o pai, Linda o defende: “Biff, meu bem, se você não tem amor por ele, então não pode ter amor por mim” (2009,
p. 204) e “[...] a vida inteira foi dedicada a vocês e vocês dão as costas para ele” (2009,
p. 208). Linda apela aos filhos para ajudar o paí: “Biff, a vida dele está nas suas mãos!”
(2009, p. 208). Assim, Linda mostra seu lado doce e fiel, o que seu nome “Linda” já
implica dizer.
Além disso, Linda é bastante entusiástica com os planos dos filhos. Quando, Happy vem com a ideia de vender artigos esportivos, o que Willy acha “uma ideia de um milhão de dólares!” (2009, p. 210), pensa-se que assim, a família seria reconcilada, “é a família reunida de novo. A velha honra, a camaradagem [...]”, diz um entusiasta Happy. As reações positivas de Linda ao plano são, por exemplo, “maravilhoso!” (2009, p. 210) e “parece que as coisas estão começando” (2009, p. 211).
Mas, por este encorajamento, Linda, “[...] permite a seu marido e filhos
manterem a falsa bravata, levando-os à destruição”178, como Batten (2008, p. 169)
observa, realçando um lado negativo de Linda, que é provocado pelo desejo e boa intenção de ver sua família sair dos problemas. Biff vai ao escritório do seu ex-chefe
174“To Willy, and [...] to Biff as well, the sight of Linda mending stockings is a visible reminder of the
price she is paying [...]”.
175 “Linda is not stupid or weak […]. She is the main reason why this family has managed to stay
together, hence her depiction as a mender who tries to mend everything from stockings to people”.
176 “[...] emerges [...] to aid or support [...] the play’s protagonist, her husband”. 177“[…] can be seen as against the stereotype of the weak, maternal figure”.
para tomar dinheiro emprestado, a fim de financiar o plano de Happy, mas fracassa. Simultaneamente, o pai, mais uma vez cheio de esperança, vai até seu chefe para pedir outro emprego, mas é demitido. Mais tarde, o pai e os filhos se encontram num restaurante para comemorar o sucesso, mas a situação explode; os filhos brigam com Willy e deixam o pai sozinho e se divertem com duas moças, enquanto um decepcionado Willy vai para casa para planejar o suicídio.
Desta maneira, “Linda contribui [...] para o fim trágico de Willy”179 (OTTEN,
2008, p. 16), porque Willy e seus filhos, apesar da falta de sucesso materialista, são
estimulados por Linda a tentar mais uma vez. Assim, “talvez mais do que qualquer
outro personagem [...], é Linda que ajuda [...] confirmar, as mentiras e ilusões no centro da peça [...]”180, como descreve Bailey McDaniel (2008, p. 28), o papel decisivo de
Linda nas vidas dos homens Loman.
Mas, apesar da discussão sobre o papel de Linda ser positivo ou negativo, “Linda é importante para o desenvolvimento do enredo, porque ela [...] tem um
significativo ‘trabalho’ narrativo na peça de Miller”181, como nota Bailey McDaniel
(2008, p. 28). Ela explica aos filhos o quão terrível é a situação do pai, o que provoca a cena discutida nos parágrafós anteriores.
Linda provoca também a continuação da ação da peça e até “[...] participa nas
[...] reconstruções de Willy do passado”182 (OTTEN, 2008, p 14), como este trecho
mostra: “Linda entra no tempo passado […]” (2009, p. 225). Então, a presença
continuada de Linda na peça, “além de transmitir as primeiras e as últimas palavras que
o público ouve [...]”183 (BAILEY McDANIEL, 2008, p. 28), faz que ela seja o esteio da
peça, responsável pela continuação da ação da Morte de um caixeiro-Viajante.