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CAPÍTULO 1: A IMAGEM DO BRASIL PELAS LENTES DA

1.3 A Linguística e a imagem do Brasil

Inicialmente, chamo a atenção para o fato de a imagem e a identidade serem temas recorrentes em diferentes pesquisas, como as que estudam as questões de identidade no discurso empresarial. Alguns deles revelam uma linha bastante sutil que separa a identidade da imagem. Por exemplo Bressane (2000), em seu trabalho sobre a construção de identidade no âmbito empresarial, toma o primeiro conceito como

um processo que carrega as múltiplas ações que definem o sujeito e que se estabelece socialmente por diferenças e igualdades no reconhecimento recíproco dos indivíduos identificados através de um determinado grupo social [...] Não é apenas uma posição que nos define e sim uma multiplicidade de posições em cada momento da nossa existência concreta [...]

A autora relaciona identidade, então, com o segundo conceito, a imagem, por compreender que, apesar de distintos, o primeiro complementa o segundo

[...] já que ao falar do outro estou necessariamente revelando meus valores. A minha imagem é aquilo que os outros dizem/pensam de mim e que só é revelada a partir da linguagem do outro. [...]

Em outra investigação de cunho linguístico sobre o discurso empresarial, Oliveira (2004) apresenta definições que apontam para a relação de proximidade entre as noções de imagem e identidade. A primeira é constituída por uma série de aspectos (valores, princípios, conceitos) que caracterizam uma empresa como ela é. Já a segunda é a percepção do público (a visão) sobre essa identidade, a imagem da empresa. Dentre as definições apontadas nesse trabalho, a autora apresenta a seguinte metáfora: “a imagem é a sombra da identidade. Quando a identidade não é fixada de maneira adequada, a sombra é muito tênue” (TORQUATO apud OLIVEIRA, 2004, p.18-19).

Assim, relacionando com esta pesquisa sobre o Brasil, é possível dizer que o reflexo de nossa identidade nacional pode estar nessa sombra (imagem), que procuro descobrir por meio dos textos jornalísticos que compõem o corpus deste estudo. Porém, nenhum dos trabalhos acima pesquisou a imagem do Brasil como faço nesta tese.

Um outro exemplo de estudo sobre representações sociais, identidade e imagem em textos jornalísticos e literários é o de Martins (2003), que traz um relato sobre as representações do Brasil do ponto de vista do imaginário estadunidense a partir de textos jornalísticos extraídos do jornal The New York Times e da obra The Brazilians (PAGE, 1995), cuja análise baseia-se na Análise de Discurso de linha francesa. A autora analisou essas representações a partir de textos que tratavam das cidades do Rio de Janeiro e de Salvador e suas associações com o carnaval, e de textos sobre a imigração europeia que se estabeleceu na região sul brasileira.

Martins concluiu que os enunciadores do discurso representavam tanto os imigrantes europeus como os sujeitos brasileiros nos contextos de carnaval e

imigração europeia, de forma a construir representações díspares em certos pontos e convergentes em outros. Percebe-se a construção de uma representação para o Brasil que, ao desconsiderar as fronteiras regionais oficiais do país, reescreve em seu discurso um país cujo mapa difere do geográfico. Por exemplo, no caso do contexto das representações do carnaval, as cidades do Rio de Janeiro e de Salvador são enunciadas como fronteiriças e tidas como as únicas onde ocorrem as festas carnavalescas.

A imagem do Brasil também mereceu a atenção da autora, que compilou as opiniões de articulistas e pesquisadores brasileiros publicadas em jornais e revistas para entender qual era a imagem do país no exterior. Por exemplo, França (2000 apud MARTINS, 2003, p.21) acredita que a imagem positiva do Brasil em Portugal teria sido difundida com a chegada naquele país de programas televisivos brasileiros. Por outro lado, alguns portugueses teriam uma imagem ‘negativa’ do Brasil graças à invasão de programas brasileiros de baixa qualidade na mídia lusitana. Reali Jr. (2000 apud MARTINS, 2003, p.21) acredita que a imagem negativa do Brasil na Europa é reflexo do retrato negativo veiculado por jornais e revistas de prestígio (Le Monde, El País, Times e The Independent). Essa imagem teria sido criada pela divulgação dos problemas sociais brasileiros que giram em torno da violência e da corrupção.

Para Martins (Ibid, p.22), as colocações de França e Reali Jr. mostram

[...] certa falta de auto-estima, confirmada pela vulnerabilidade dos articulistas às leituras da nação brasileira feitas pelos estrangeiros. Esta vulnerabilidade, a nosso ver, está diretamente relacionada à supervalorização que esses jornalistas conferem à opinião dos estrangeiros sobre o país, e indiretamente, aos próprios estrangeiros.

As questões levantadas pela autora sobre a autoestima dos jornalistas brasileiros e a supervalorização da opinião dos estrangeiros sobre o Brasil apoiam- se na seguinte posição de Orlandi (1990 apud MARTINS, 2003):

O europeu nos constrói como seu “outro” mas, ao mesmo tempo, nos apaga. Somos o “outro”, mas o “outro” excluído sem semelhança interna. Por sua vez, eles nunca se colocam na posição de serem o nosso outro.

Eles são sempre o “centro” (...). Nós é que os temos como nossos “outros absolutos”. Processos de discurso vão provendo o brasileiro de

uma definição que, por sua vez, faz parte do funcionamento imaginário da sociedade brasileira.(MARTINS, 2003, p.23, grifo do autor)

A partir da afirmação de que os brasileiros têm no estrangeiro o “centro”, pode-se atestar a importância atribuída ao “outro” na construção de uma identidade brasileira. De acordo com Paganotti (2007, p.2):

Desde o descobrimento, as impressões estrangeiras são uma das maiores fontes da nossa identidade nacional [...] Os primeiros relatos que divulgaram a existência do Brasil na Europa foram apresentados por viajantes estrangeiros como o italiano Américo Vespúcio e o alemão Hans Staden [...] ou nas cartas de jesuítas portugueses que davam notícias do processo de colonização do país [...].

Em sua pesquisa Paganotti analisa, à luz da Análise Crítica do Discurso, textos jornalísticos sobre o Brasil, publicados de 2002 a 2005 em diários internacionais ingleses, americanos, portugueses, espanhóis e argentinos. O autor busca verificar quais são as estratégias discursivas usadas pelos jornalistas estrangeiros para construir as imagens coletivas do Brasil. Os temas e os processos de repetição, alteração de imagem, conceitos, pré-conceitos e estereotipia mais frequentes, que representam a imagem brasileira, foram organizados em quatro grupos, que são:

1. “verde” (a preservação e a depredação do meio-ambiente); 2. “lama” (corrupção e pobreza);

3. “sangrento” (violência e drogas);

4. “plástico” (riqueza, carnaval e a indústria do turismo).

Apoiado em Fairclough (1997 apud Paganotti, 2007), Paganotti conclui que, apesar de o fato noticioso pressupor o novo, os textos jornalísticos pesquisados reproduzem (pela repetição) as ideias estereotipadas sobre o Brasil ao invés de transformá-las (pela contestação, discussão ou negação). Apesar de não ter ficado clara nessa pesquisa a forma como o autor tratou os dados para chegar às categorias de estereótipos e seu caráter de reprodução ou transformação dos mesmos, é possível relacionar a pesquisa acima com a que ora apresento. Percebo que há em alguns setores da mídia, como por exemplo os jornais escritos, uma preferência pela repetição de ideias que podem se materializar linguisticamente por meio de padrões lexicogramaticais. O estudo de tais padrões por meio de corpus, com o auxílio de ferramentas computacionais como as que proponho, pode servir como metodologia para estudos que queiram descrever a imagem de determinado ator social na mídia escrita.

Para Coracini (1997 apud MARTINS, 2003), a identidade de uma nação é vista como um conjunto de “características capazes de definir o indivíduo ou o grupo social por aquilo que ele tem de diferente com relação aos outros indivíduos; nesse sentido guarda-se uma relação de homogeneidade”. Faço aqui uma relação com a narrativa da nação (HALL, 2001) mencionada na primeira seção deste capítulo. Ao ter-se, por exemplo, brasileiros escrevendo narrativas sobre si e seu país, seria possível prever um texto em que prevalecessem as diferenças em relação ao estrangeiro. Mas como isso se dá ao ter-se o estrangeiro como narrador do Brasil? Por não fazer parte desta identidade, ele extrai informações das narrativas do Brasil e cria uma nova narrativa com a imagem que forma do Brasil. E esta poderá influenciar a identidade do brasileiro já que, ao ler sobre si próprio a partir da narrativa do estrangeiro, ele poderá constatar imperfeições ou distorções na forma como é visto. Esse seria um dos ‘momentos de identificação’ indicados por Coracini (Ibid), já que essa identidade está em constante mudança. E como afirma Hall (Ibid), na pós-modernidade essa identidade está em deslocamento e se altera de acordo com a forma como o indivíduo é representado. Em resumo, como em um ciclo, a identidade e a imagem funcionariam por vezes como espelhos refletores de ideias.

Se, por um lado, a forma como o Brasil se encontrava retratado na mídia estrangeira suscitou, como aponta Martins (2003), uma série de depoimentos impressionistas negativos entre os jornalistas brasileiros, por outro levou institutos de pesquisa (IBOPE, por exemplo) a fazer enquetes sobre a imagem brasileira no exterior. No texto sobre a pesquisa (Anexo 2), Loturco (2002) relata:

Em meio à tempestade especulativa e de más intenções contra o Brasil vinda de fora, é com certo alívio que se lêem os resultados de uma pesquisa feita pelo Ibope com 592 formadores de opinião no Japão, Estados Unidos, Alemanha, Itália e Argentina. Segundo o levantamento, o Brasil de hoje é financeiramente estável, tem um parque industrial sólido e desenvolvido e uma economia robusta.

Loturco traz depoimentos de personagens da sociedade brasileira que demonstram certo alívio com os resultados da pesquisa, o que indica um relativo contentamento em satisfazer esse ‘outro’. Também concordam que há deficiências a serem superadas, e que cabe aos líderes brasileiros a responsabilidade de projetar e manter uma boa imagem no exterior.

Para surpresa de muitos brasileiros, a pesquisa mostra que a imagem do Brasil no exterior é fruto da divulgação de notícias favoráveis:

Uma das revelações mais interessantes da pesquisa contraria uma concepção disseminada no Brasil, a de que só circulam notícias ruins sobre o país lá fora. Para os entrevistados, 56% das notícias que lêem sobre o Brasil exaltam as qualidades do país e de seu povo. Um dos maiores geradores de notícias positivas sobre o Brasil são suas empresas com forte atuação nos mercados estrangeiros. (Ibid)

Além disso, a pesquisa traz respostas que não só lidam com a boa imagem do Brasil no exterior na atualidade como também apresentam o lado triste da história política recente, que ainda se revela latente para muitos e cria uma imagem instável associada com a ditadura militar e planos econômicos (Collor, Cruzado) de eficiência no mínimo duvidosa. A importância disso, a meu ver, reside no fato de trazer à lembrança dos brasileiros, a todo instante, que o lado mais sombrio e movediço da história política influenciou, influencia e poderá influenciar a imagem do país e que, portanto, é preciso manter tais lembranças para não cometer os mesmos erros do passado.

As imagens de estrangeiros em relação a brasileiros são apresentadas também por Scheyerl & Siqueira (2008) em uma pesquisa que confronta as imagens narradas desde o descobrimento do Brasil por estudiosos brasileiros com as impressões e visões contemporâneas de estrangeiros entrevistados no estudo. O objetivo desse confronto é promover a discussão do que é ser brasileiro, tendo como ponto de partida o olhar do outro. Dessa forma, espera-se esclarecer possíveis estereótipos que possam ter sido criados no decorrer do tempo. A pesquisa, de cunho qualitativo, traça um paralelo entre os olhares brasileiro e estrangeiro sobre o Brasil. Trata-se de uma pesquisa reveladora quanto à visão, interesse e conhecimento do outro sobre o Brasil não apenas a partir de estereótipos, mas também de informações mais profundas sobre o país e seu povo.

A primeira etapa desse estudo faz uma incursão pela Antropologia, Sociologia, História e Estudos Culturais, trazendo a visão dessas áreas do conhecimento acerca do Brasil e do povo brasileiro. Na tentativa de definir a sociedade brasileira, recorre-se à influência inicial de indígenas, africanos e europeus em solo brasileiro. Também se observa como a heterogeneidade cultural e racial auxiliou na criação de uma nação nova, peculiar e repleta de traços singulares que caracterizariam seu povo.

Scheyerl & Siqueira (Ibid, p.388) sintetizam assim a tipologia do perfil do brasileiro:

Séc. XVI: bárbaro selvagem / bom gentio Séc. XVII: grosseiro / exótico

Séc. XVIII: taciturno / alegre

Séc. XIX: preguiçoso / vítima dos trópicos Séc. XX: malandro / homem cordial Séc. XXI: ???

Chama a atenção o fato de alguns desses atributos se encontrarem retratados na literatura e cinematografia, em diferentes momentos, seguindo uma ordem nem sempre tão canônica como a apresentada na síntese de Scheyerl & Siqueira. Inicialmente, no século XVI, o bárbaro estaria relacionado ao nativo que, aos olhos do colonizador, dispunha apenas de recursos primitivos. Após sua dominação, o nativo deixa a ‘selvageria’ e passa a servir gentilmente o comandante estrangeiro. O exótico, o alegre, o preguiçoso e o malandro que desfilam do século XVII ao XX são facetas exploradas pela literatura e pela indústria cinematográfica em personagens como Carmem Miranda e Zé Carioca, que apresento na seção 1.4.3 deste capítulo. O século XXI é deixado em aberto, posto que, a partir das impressões e visões contemporâneas dos estrangeiros entrevistados durante a pesquisa, percebeu-se que há diversas formas para caracterizar o brasileiro, que seriam mais realistas do que aquelas relatadas até o século XX. Esse realismo significaria ter não apenas uma imagem, mas diversas imagens ou representações da sociedade brasileira e, por isso, não seria mais possível atribuir um ou outro traço distintivo a ela. Isso também se baseia nos princípios apontados por Hall (2001, 2005) e Harvey (apud Hall, 2001), que defendem não ser mais possível determinar com exatidão qual é a identidade de uma nação e, consequentemente, apontar com precisão o perfil de um povo, como se fazia anteriormente. Para Hall (2001) “[...] as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado.”

Assim, as imagens que atrelavam o brasileiro a conceitos ora negativos (bárbaro, selvagem, jeitinho, malandro, preguiçoso) ora positivos (cordial, alegre, bom) até o século XX e que fundamentam a primeira etapa do estudo de Scheyerl & Siqueira (2008) são confrontadas em uma segunda etapa àquelas extraídas das

respostas de entrevistas conduzidas com 15 estrangeiros (alemães, americanos, australianos, chilenos, indianos, malaios e vietnamitas).

Com a primeira pergunta (dividida em duas partes) do questionário utilizado por Scheyerl & Siqueira (Ibid) – 1. Que imagens sobre o Brasil e os brasileiros você tinha antes de vir para o nosso país? Com o quê você os associava? –, os autores obtiveram respostas que relacionam a imagem do Brasil e dos brasileiros a pessoas, lugares, eventos e acontecimentos comuns e muito divulgados (Ayrton Senna, Amazônia, carnaval, corrupção política). Contudo, há respostas que não se limitam a superficialidades e dão uma noção de que alguns estrangeiros conhecem a complexidade do país e da sociedade brasileira. Mencionam, por exemplo, os extremos (a beleza do país e a miséria); a influência portuguesa, africana e indígena; o orgulho de ser brasileiro; o racismo.

Já com a segunda pergunta da pesquisa – O que mudou, o que permaneceu sobre o modo como você vê o país e o seu povo após a sua estada no Brasil? –, Scheyerl & Siqueira observaram que “[...] algumas das respostas mostraram uma assertividade muito grande a partir de uma convivência mais direta com as pessoas nas suas comunidades [...]” (p.385).

Por um lado, essa convivência mais estreita possibilita que alguns estrangeiros declarem que o brasileiro é acolhedor, cordial e feliz. Por outro, há aqueles que divergem dessa imagem alegando que essa cordialidade brasileira não significa uma real afetividade. Além disso, haveria um conflito de sentimentos do brasileiro em relação ao seu país, ora de amor ora de ódio.

Algumas das respostas apontam para a globalização de problemas sociais como drogas, violência e prostituição infantil. Para alguns dos entrevistados, esses problemas não se restringem ao Brasil mas a todos os países.

Faço aqui uma relação entre esse achado e o que Hall (2001, p.74) chama de ‘fluxos culturais’. Para o autor, esses fluxos na era da globalização permitem a criação de “identidades compartilhadas [...] entre pessoas que estão bastante distantes uma das outras no espaço e no tempo.” Portanto, não é de se estranhar que os estrangeiros reconheçam os problemas sociais brasileiros como comuns. Com as seguintes respostas à segunda pergunta do estudo de Scheyerl & Siqueira (2008, p.386), é possível ilustrar esse fato:

Desde que comecei a morar em Salvador, minha visão de insegurança mudou radicalmente. Quando não se toma os devidos cuidados, esta cidade é tão insegura como qualquer cidade em qualquer parte do mundo. [...] [...] Nada mudou para mim porque eu nunca acreditei que o Brasil fosse nem perfeito nem horrível. Um país como outro qualquer com seus problemas e suas qualidades.

Ao final dessa pesquisa, Scheyerl e Siqueira concluem que

Na nossa busca por essa brasilidade, brasileirice, tupiquinidade encontramos parcas certezas. Sabemos que nos deparamos com um eu nacional plural, que se fragmenta o tempo inteiro. [...]

Somos fruto, historicamente, de um “caráter brasileiro” que está (e não deve ser diferente) o tempo todo sofrendo mutação, condenando rótulos, abominando marcas indeléveis, se rebelando contra a previsibilidade dos estereótipos. Vimos dessa mistura chamada Brasil, dessa herança carregada de imperfeições, dessa história repleta de controvérsia, injustiça, tensão, exploração, espoliação e superação. Nada diferente de tantas outras misturas pelo mundo afora com trajetórias semelhantes. (p.389) Portanto, a partir das bases históricas, antropológicas e sociológicas que ampararam sua pesquisa, os autores observaram tantas peculiaridades no perfil do brasileiro advindas de sua origem, do tipo de colonização a que foram submetidos e das constantes alterações socioculturais pelas quais passaram, que não foi possível apontar para uma característica geral que tipificasse esse povo no início do século XXI. Além disso, os estereótipos que circulam nas narrativas históricas como aqueles apresentados na síntese da tipologia do perfil do brasileiro (p.388) parecem simplificar e fixar as marcas desse povo que, na verdade, não é tão previsível assim. Isso pôde ser observado pelas respostas de alguns dos entrevistados na pesquisa. Por exemplo:

Para o gringo tido como frio, o estereótipo do brasileiro aberto e caloroso é apenas um estereótipo. O brasileiro é superficialmente afável, e um beijo e um abraço não se traduzem necessariamente em afetividade.(Ibid, p.385) Essa visão estereotipada confunde-se, talvez, com outro conceito atrelado ao brasileiro, o de ‘homem cordial’ sugerido por Holanda (1995, p. 147). Para o autor, esse traço pode significar amabilidade originária de reações emotivas que conferem ao indivíduo um lugar de supremacia em relação ao todo, ao social. O ‘homem cordial’ despreza as instituições, as leis e as regras. Ele segue por caminhos nem sempre retos para alcançar soluções que lhe sejam favoráveis. A origem da concepção do ‘homem cordial’ será mostrada na seção 1.4.1 deste capítulo.

O estrangeiro que, até o final do século XX, vinculava o brasileiro ao ‘homem cordial’ e ‘malandro’, ou ainda o Brasil ao país do ‘jeitinho’ conforme algumas produções cinematográficas (Os Simpsons no Brasil, Next stop Wonderland), agora parece querer conhecer e entender quem é esse povo. Mesmo que a partir de alguns estereótipos, como no documentário britânico apresentado na seção 1.4.3 deste capítulo, parece-me claro que há um interesse do estrangeiro em conhecer mais a fundo o Brasil e o brasileiro.

Mas como o brasileiro se percebe? Qual é a representação que ele faz de si mesmo? Como ele se vê diante do outro? O dramaturgo Nélson Rodrigues tornou célebre o conceito do ‘complexo de vira-latas’ como a forma do brasileiro se enxergar: “Por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo” (1993, p.61).

A partir de crônicas esportivas sobre futebol, o autor explica que a sociedade brasileira não deve se contentar com pouco, como faz um cachorro sem raça definida. Essa reação de infelicidade e de baixa autoestima em que o brasileiro se coloca seria, de acordo com o autor, uma tendência para “ignorar as próprias virtudes e exaltar as próprias deficiências, numa inversão do chamado ufanismo. [...] somos uns narcisos às avessas, que cospem na própria imagem. [...].” Essa posição resignada de ficar em um canto como se desprezado pelo restante do mundo precisaria, de acordo com Rodrigues (Ibid), ser revertida.

O enfrentamento proposto por Rodrigues face ao desprezo do outro pode ser ilustrado pelo documentário Olhar estrangeiro (MURAT, 2005) já que essa produção cinematográfica brasileira, comentada a seguir na seção 1.4.3, não apenas apresenta o olhar do outro mas questiona, por vezes de forma severa, os estereótipos veiculados em determinados filmes sobre o Brasil.

De forma geral, os estudos e suas conclusões acerca da imagem do brasileiro e do Brasil apresentados até aqui são algumas tentativas de definir o brasileiro e o Brasil do ponto de vista antropológico, sociológico e histórico sob a

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