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2 BASES TEÓRICAS

2.1 Algumas reflexões sobre crianças, infâncias, Educação Infantil e a e

2.2.1.3 A linguagem

Piaget (1986, p. 23), afirma que uma das primeiras conquistas reveladas pela

linguagem é que “a criança torna-se, graças à linguagem, capaz de reconstituir suas ações

passadas sob forma de narrativas, e de antecipar suas ações futuras pela representação verbal.” Partindo dessa afirmação, podemos dizer que para Piaget, a linguagem capacita a criança para o pensamento, para um mundo que vai além do momento atual que vive, possibilitando reviver o passado e planejar o futuro em certas situações.

Além dessas possibilidades que surgem com a linguagem, Piaget (2009) considera que ela é uma conduta que

[...] desempenha papel particularmente importante, pois, ao contrário dos outros instrumentos semióticos (imagem etc.) construídos pelo indivíduo à proporção das necessidades, a linguagem já está toda elaborada socialmente e contém de antemão, para uso dos indivíduos que aprendem antes de contribuir para o seu enriquecimento, um conjunto de instrumentos cognitivos (relações, classificações etc.) a serviço do pensamento. (PIAGET, 2009, p. 80).

Nesse sentido, ele aponta que a linguagem traz certos conceitos de relação e classificação e estes ajudarão o pensamento a se organizar e se equilibrar. Como exemplo de tais relações, podemos dizer que quando uma criança, ao dizer que quer mais batata frita e menos arroz no almoço, está utilizando as palavras mais e menos de forma coerente no que diz respeito ao significado das palavras e relacionando quantitativamente o que deseja comer, também de forma convencional.

Percebemos assim, o quanto o papel do docente que atua especificamente na faixa etária da Educação Infantil, com crianças de até cinco anos, é essencial para a proposição de diferentes experiências significativas com estas, para que ampliem sua linguagem oral e os conceitos que as palavras trazem e que serão colaboradoras para um pensamento cada vez mais refinado e complexo.

Para Piaget, a linguagem possibilita o desenvolvimento do pensamento, visto que esta fornece ilimitado campo de ação, ao possibilitar a representação de situações e objetos que ocorreram no passado ou acontecerão no futuro. (PIAGET; INHELDER, 2009).

Piaget e Inhelder (2009, p. 79) afirmam que “se todos admitem que a linguagem decuplica os poderes do pensamento em extensão e rapidez, a questão da natureza linguística ou não das estruturas lógico-matemáticas é muito mais controvertida.” Para eles, não é a linguagem que colabora para a lógica e sim o contrário.

Esse ponto é interessante e essencial nos achados do autor sobre a linguagem, pois, para Piaget, a linguagem é uma rica fonte para o pensamento das crianças, contribuindo para o acesso delas ao mundo das representações, mas não é unicamente através dela que o sujeito será capaz de construir as operações lógico-matemáticas complexas, o que vai ocorrer apenas no estágio posterior, o estágio operatório (concreto e formal), com o surgimento de certas estruturas mentais no indivíduo.

Para o estudioso, apenas o vocabulário adquirido (uso de certas palavras) não possibilita a compreensão da lógica de certas “operações”. Por exemplo, uma criança de três anos pode repetir oralmente os numerais na sequência correta de um até 10, porém, ela não

compreende ainda a lógica da conservação numérica. Assim, ele afirma que: “A linguagem

uma vez adquirida não é suficiente para assegurar a transmissão de estruturas operatórias

feitas, que a criança receberia assim do exterior por constrangimento linguístico.”

Assim, para Piaget (1983),

Uma transmissão verbal adequada de informações relativas a estruturas operatórias só é assimilada nos níveis em que essas estruturas são elaboradas no terreno das ações mesmas ou das operações como ações interiorizadas e se a linguagem favorece essa interiorização, ela não cria nem transmite essas estruturas totalmente feitas por via exclusivamente linguística. (PIAGET, 1983, p. 269).

As contribuições de Piaget e seus colaboradores para a compreensão da função da linguagem e de como ela surge são de extrema riqueza para quem atua com crianças pequenas, visto que o autor acredita na capacidade do ser humano de construir sua inteligência desde que nasce, com o apoio efetivo das interações sociais e das experiências que lhes são possibilitadas em todos os estágios da vida, passando por um constante processo de equilibração, inserido em um determinado momento da maturação de vida.

Lembramos que para Piaget a linguagem é importantíssima para a construção do pensamento; porém, antes dela já existe inteligência, expressa em diferentes esquemas menos sofisticados, que aparecem primordialmente, na ação.

É papel da Educação Infantil possibilitar o desenvolvimento da linguagem da criança, desde o berçário, através de diversificadas experiências que incluam as interações sociais, entre as crianças e delas com os adultos e o mundo.

Para Piaget (1986), em se tratando das relações sociais, com crianças entre dois e sete anos, que já possuem a linguagem, três categorias de fatos podem ser observadas:

Em primeiro lugar, existem os fatos de subordinação e as relações de coação espiritual exercida pelo adulto sobre a criança [...] Em segundo lugar, existem todos os fatores de troca, com o adulto ou com outras crianças. Essas intercomunicações desempenham igualmente papel decisivo para os progressos da ação [...] uma terceira categoria de fatos: a criança não fala somente às outras, fala-se a si própria, sem cessar, em monólogos variados que acompanham seus jogos e sua atividade. (PIAGET, 1986, p. 26).

Ao possibilitar as interações entre as crianças em sua sala de atividades, os professores que atuam com turmas de Educação Infantil possibilitam que elas experimentem diferentes intercâmbios orais e se desenvolvam.

Nessa concepção de linguagem, de sujeito e conhecimento, percebemos o quanto as interações e experiências são elementos constituidores do desenvolvimento infantil e que é na infância que se inicia a capacidade extraordinária que é da linguagem oral, uma das maiores responsáveis pelo processo de desenvolvimento integral da criança e da história humana.