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3.1 OS PROCEDIMENTOS

3.1.2 linguagem cinematográfica

Os filmes mostram muito mais do que apenas a linguagem verbal. As cenas, as tomadas, os planos, considerados imagens iconográficas, (re)velam aspectos da trama que por vezes substituem ou complementam a linguagem verbal.34 Como não poderia deixar de ser, em Neve sobre os cedros, considerei alguns aspectos ostensivamente ligados à percepção visual (inputs perceptuais visuais) na perspectiva do espectador que são descritos na análise, a fim de complementar a compreensão das mensagens entre os personagens.35

De acordo com Gage e Meyer (1985, p. 75-80), a cena consiste numa seqüência dramática com unidade de lugar e tempo, que pode ser “coberta” de vários ângulos no momento da filmagem. Cada um desses ângulos, por conseguinte, pode ser chamado de plano ou tomada. Em filmes com cenas de suspense e de flashbacks, como é o caso deste analisado, além das tomadas de câmeras usuais, é comum o diretor utilizar-se de outras tomadas a fim de

34 Para maiores esclarecimentos sobre as imagens, conferir em Kess e Leeuwen, 1990 e Kess, Leeuwen e Leite- Gracia,1997.

35 Neve sobre os cedros, em especial, apresenta uma fotografia riquíssima que foi reconhecida por sua indicação ao Oscar em 2000 (NEVE, 2002).

close-up.

O plano cut-in close-up oferece ao espectador uma visão ampliada de uma parte importante da cena. Além de valorizar uma ação significante dentro do filme, fazendo com que o espectador “esqueça” por um momento os elementos menos importantes, permite maior envolvimento deste com a cena que está sendo mostrada. À luz da Teoria da Relevância, este plano consiste num estímulo ostensivo utilizado pelo diretor/produtor, cujo objetivo seria desencadear suposições inferenciais no espectador. E, nessa perspectiva, dadas as condições de um filme de suspense, a inclusão deste plano desencadeia no espectador implicaturas sobre o comportamento de Ishmael em relação ao réu e, por vezes, até sobre uma possível culpabilidade deste.

O segundo plano, o cut-away close-up, por sua vez, valoriza uma ação secundária que está se desenvolvendo simultaneamente em outro lugar no filme, mas que tenha uma relação direta com a cena principal.36 Da mesma forma que o cut-in close-up, a sua inclusão também serve de estímulo ostensivo para levar o espectador a desencadear suposições inferencias. Ambos os planos são utilizados no decorrer do filme, uma vez que este funde dois pontos distintos: o julgamento em 1954 e as cenas em flashbacks, episódios que, de alguma maneira, fizeram parte da vida dos personagens envolvidos no julgamento em questão.

Em relação aos planos de tomadas37, Gage e Meyer (1985) destacam alguns tipos: (a) o plano geral focaliza o personagem mais a distância, mostrando também o

contexto no qual ele está inserido;

(b) o plano de conjunto focaliza o personagem por inteiro, sem revelar o contexto;

(c) o plano americano mostra o personagem a partir da altura dos joelhos para cima;

36 Nesse caso, cabe ressaltar que as “cenas secundárias” são secundárias em relação à cena principal daquele momento, e não em relação às ações secundárias do enredo.

37 Embora a análise seja feita na perspectiva de um personagem, o analista-espectador constrói suas inferências estimulado também pela ostensão apresentada pelos recursos audiovisuais do filme, quais sejam, ângulos, tomadas, sons e outros. Daí a necessidade de se detectar um pouco desses recursos no filme, que serão contextualizados a partir da seção 3.3, p. 92.

(d) o plano médio mostra a ação de uma distância média entre o plano geral e o

close-up, é praticamente o plano de um corpo humano enquadrado da cintura

para cima;

(e) o plano próximo enquadra a figura humana da metade do tórax para cima, constituindo-se num plano bastante útil para a filmagem de diálogos;

(f) o plano close-up focaliza o personagem a partir da altura dos ombros. É um dos recursos mais enfáticos na linguagem cinematográfica;

(g) o plano superclose mostra a cabeça do ator dominando praticamente toda a tela. Este tipo de plano é utilizado para revelar as características da personagem com mais força e intensidade dramática.38

(h) o plano de detalhe enquadra somente os detalhes que vão valorizar a seqüência normal do filme.

Na busca de uma melhor imagem, além dos planos e tomadas do objeto a ser filmado, há ainda o ângulo pelo qual esse objeto será filmado. Para esta pesquisa, detenho-me em dois dos ângulos, o da câmera objetiva e o da câmera subjetiva.39 No primeiro caso, a posição da câmera permite a filmagem de uma cena do ponto de vista de um público imaginário. No entanto, “no decorrer de uma tomada e outra, há um envolvimento mais íntimo com a situação dramática quando a câmera é aproximada até a distância mínima da imagem que representa o ponto de vista dos atores” (GAGE e MEYER, 1985, p. 83). Em

Neve sobre os cedros, as audiências são filmadas quase que inteiramente por esse

posicionamento da câmera. No segundo caso, tomada subjetiva, a câmera é colocada na posição que permite filmar do ponto de vista de um personagem em ação durante determinada cena. No filme em questão, um exemplo bem claro desta tomada ocorre no capítulo doze, quando Ishmael dá carona a Hatsue e ao pai dela. No carro, enquanto Ishmael dirige, Hatsue é mostrada ao espectador pelo espelho retrovisor do motorista, ou seja, o ângulo pelo qual Ishmael a vê. Um outro exemplo claro dessa tomada ocorre no final do capítulo dezesseis, quando a câmera é posicionada ‘no ombro’ direito de Ishmael e, do mezanino, são focalizadas as pessoas saindo da sala onde ocorreu o julgamento. Nesse caso, o espectador tem a impressão de que está assistindo ao julgamento através dos olhos do jornalista. Os autores

38 No filme, relativamente às cenas em ambiente fechado, como no julgamento, há uma freqüência maior dos três últimos planos, mostrada a partir da seção 3.2.2, p. 69.

39 Para Gage e Meyer (1985, p.83), a câmera objetiva equivale ao narrador em terceira pessoa, o narrador onisciente; e a câmera subjetiva é o narrador em primeira pessoa, participante da trama.

cena.

Cabe ressaltar que, em algumas cenas do julgamento, além dos recursos visuais, foi utilizado também o recurso de áudio denominado mixagem. Segundo Gage e Meyer, esta técnica faz parte do processo que consiste basicamente no “balanceamento” de tonalidades e volume entre as várias bandas sonoras. Assim, por meio da mixagem, as falas de alguns personagens se sobrepõem umas às outras. Isso o espectador pode conferir em dois momentos do julgamento, quais sejam: durante o interrogatório do Dr. Whitman e no capítulo dezesseis, numa parte do discurso do promotor. Em ambos os momentos, havia certa inquietação por parte de Ishmael Chambers.

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