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Funcionamento linguístico-cognitivo na doença de Parkinson: língua e linguagem

2.2. Abordagens enunciativo-discursivas que respaldam a pesquisa

2.2.1. A Neurolinguística Discursiva nas pesquisas desenvolvidas no GELEP

2.2.1.1. Linguagem como atividade

Coudry destaca o papel central da linguagem nas atividades psíquico-

cognitivas que se desenvolveram ao longo da história humana (Coudry, 1986/1988, 2002), baseando-se, por um lado, nos postulados desenvolvidos por Vygotsky e Luria, entendendo a linguagem como constitutiva de todas as funções complexas superiores e da própria natureza humana, seja filogeneticamente, seja ontogeneticamente. Os autores definem a linguagem como a mais complexa dentre as funções superiores. É um complexo sistema de códigos, formado no curso da história social, sendo possível ao homem, por meio dela, solucionar problemas, transformar o ambiente externo ao seu favor e tornar possível a comunicação e a transmissão de suas experiências (Novaes- Pinto & Souza-Cruz, 2012).

Coudry recorre à seguinte passagem de Franchi (1977) para ressaltar a

53 Fedossi e Flossi (2004, p.01), ao apontar para os efeitos da Neurolinguística no campo da fonoaudiologia,

ressaltam que a ND foi “concebida no Departamento de Linguística primeiramente como área de extensão do curso de graduação de Linguística e, mais posteriormente, tornou-se “disciplina regular desse curso e área de concentração do programa de pós-graduação em Linguística”, além de atualmente integrar o curso de graduação em Fonoaudiologia da UNICAMP.

natureza indeterminada da linguagem – como uma atividade, um trabalho que constitui os sujeitos e a língua:

Não há nada imanente na linguagem, salvo sua força criadora e constitutiva, embora certos “cortes” metodológicos e restrições possam mostrar um quadro estável e constituído. Não há nada universal salvo o processo - a forma, a estrutura dessa atividade. A linguagem, pois, não é um dado ou um resultado; mas um trabalho que „dá forma‟ ao conteúdo variável de nossas experiências, trabalho de construção, de retificação do „vivido‟ que, ao mesmo tempo, constitui o simbólico mediante o qual se opera com a realidade e constitui a realidade como um sistema de referências em que aquele se torna significativo. Um trabalho coletivo, em que cada um se identifica com os outros e a eles se contrapõe, seja assumindo a história e a presença, seja exercendo suas opções solitárias (Franchi [1977]/1992, p. 31).

A língua, nessa concepção, “remete para uma atitude frente aos fatos de linguagem, segundo a qual as formas linguísticas se relacionam com os fatores culturais” (Possenti, 1995 apud Coudry, 2002, p. 101). Trata-se de uma concepção abrangente de linguagem, que “assume a hipótese de sua indeterminação, cujos conceitos de atividade

constitutiva e trabalho atribuem, sob parâmetros ântropoculturais, ao sujeito (afásico e

não afásico) o exercício da linguagem – incompleta e passível de (re)interpretação” (Coudry, 1986, p. 101).

Segundo Luria (1986), a palavra é o elemento fundamental da linguagem, por meio da qual o sujeito designa os objetos do mundo e individualiza suas sensações. Esta questão é importante, uma vez que as atividades de avaliação (conduzidas em episódios dialógicos) baseiam-se, em diferentes graus, na relação do sujeito com a palavra, na relação entre as palavras e, todas elas, com o funcionamento efetivo e contextualizado da linguagem. Para o autor, cada palavra é um sistema de enlaces sonoros, situacionais e conceituais, como vemos na citação a seguir, sobre essa concepção:

Se cada palavra evoca um campo semântico, está unida a uma rede de associações que aparecem involuntariamente, é fácil verificar que a recordação de palavras ou a denominação de objetos de nenhuma forma é a simples atualização de uma palavra. Tanto a recordação de uma palavra, como a denominação de um objeto, são um processo de escolha da palavra necessária dentre todo um complexo de enlaces emergentes e ambos os atos, por sua estrutura psíquica, muito mais complexos do que se costumava acreditar (Luria, 1986, p. 88).

Dessa forma, a palavra é entendida como uma rede de enlaces

multidimensionais – fonético-fonológicos, semânticos e emotivos – o que pode explicar

as trocas lexicais em contextos de interação ou nas avaliações metalinguísticas de linguagem. Segundo o autor, nas patologias as forças inibitórias que caracterizam os processos neurofisiológicos do cérebro podem se igualar às forças de estímulo, ou são ainda mais fracas. Luria afirma que sempre haverá uma motivação para as trocas, para as dificuldades para encontrar as palavras e na produção dos TOTs – as palavras na ponta da língua (Oliveira, 2015). Nas palavras de Luria,

A recordação da palavra necessária perde sua seletividade. No lugar da emergência seletiva exata da palavra necessária conforme um traço semântico determinado, surgem com igual probabilidade todas as palavras parecidas à procurada por traços sonoros, situacionais ou conceituais (...). Consequentemente, podemos dizer que a palavra não é uma simples designação de objeto, ação ou qualidade. Por trás da palavra não há um significado permanente: há sempre um sistema multidimensional de enlaces (Luria, 1986, p. 90).

Outro pilar da ND, conforme Coudry (1986), é a concepção de discurso, tal como explicitada por Osakabe (1979) e sintetizada na citação que se segue:

O discurso pode ser assim definido: do ponto de vista de sua natureza, o discurso caracteriza-se inicialmente por uma maior ou menor participação das relações entre um eu e um tu; em segundo lugar, o discurso caracteriza-se por uma maior ou menor presença de indicadores de situação; em terceiro lugar, tendo em vista sua pragmaticidade, o discurso é necessariamente significativo na medida em que só se pode conceber sua existência enquanto ligada a um processo pelo qual eu e tu se aproximam pelo significado; e, finalmente, o discurso tem sua semanticidade garantida situacionalmente, isto é, no processo de relação que se estabelece entre suas pessoas (eu/tu) e as pessoas da situação, entre seus indicadores de tempo, lugar, etc., e o tempo, lugar da própria situação” (Osakabe, 1979, p. 15).

A seguir, explicitamos o papel e o lugar do sujeito nessa concepção enunciativo-discursiva.