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LINGUAGEM, LÍNGUA E FALA.

No documento O desenvolvimento da linguagem no autismo (páginas 30-40)

O nascimento de uma criança, como já mencionamos, é precedido por várias antecipações que são feitas a seu respeito. Qual será seu nome, a cor dos olhos, a cor do seu cabelo, o seu quarto é preparado, e até mesmo seu futuro já é desenhado pelos pais. Toda essa antecipação cria uma imagem ideal dessa criança. Quando o nascimento finalmente acontece, esse bebê é convocado a responder a todas essas expectativas. E os pais se deparam diante do recém- nascido que cumpre ou não com tudo o que imaginaram.

A criança recém-nascida é puramente real, ela sobrevive por suas pulsões que indicam a mãe o que ela precisa fazer por este bebê. A mãe, no cuidado com seu filho, vai organizando seu pequeno corpo, dando-lhe uma imagem, emprestando-lhe significantes, possibilitando-lhe assim, o acesso à linguagem.

Linguagem, aqui, não é, apenas, a fala e escrita, mas faz referência ao campo simbólico, campo este onde se encontram todos os significantes e representações. No sujeito abrange aspectos inconscientes e conscientes, que são expostos em atos falhos, sonhos, lapsos, sintomas, dentre outros.

É a linguagem, como campo simbólico, representado pelo Outro primordial - função materna – que, de acordo com o desenvolvimento do recém-nascido, causa o sujeito e lhe possibilita reconhecer-se como desejante. A função materna dá sentido ao que a criança faz; o choro, inicialmente, é ‘sem sentido’, assim é a mãe que supõe uma causa para tal, nomeando-o.

Lacan desenvolveu uma teoria das relações entre o sujeito e o significante, baseado nos postulados de Freud que apontavam que a estrutura dos signos, como estavam ordenados a nossa volta – no mundo -, é a mesma nos constitui. E ainda os trabalhos de Ferdinand de Saussure sobre a linguagem, que propõe, segundo Jerusalinsky; “(...) o deslizamento de um significante originariamente fixo, apelando ao esvaziamento do significante para sua articulação em novos sentidos”. (2008, p. 38)

Ainda de acordo com Jerusalinsky, essa teoria tem dois pressupostos:

“Em primeiro lugar, a sua autonomia a respeito do significado e a qualquer referente objetal concreto, de modo que o significante se deriva da passagem de um significante a outro significante e não de uma

correspondência entre significante e significado. Em segundo lugar, a distinção entre duas funções fundamentais do significante de acordo com a sua posição na série: S1 como função nominativa, S2 como função de saber; uma brecha vazia, entre ambas posições, que denuncia a falta de objeto. Uma vacilação na passagem de um significante a outro que coloca em evidência a divisão do sujeito entre o ser e o saber, entre o gozo da vida e o saber da morte. Desse modo, Lacan solda o sujeito ao campo da linguagem, de tal modo que nem esta, nem aquele podem existir um sem o outro”. (ibid, 2008, p. 39)

Não há sentido na linguagem sem ter alguém que a fale para outro.

Encontramos também, em Lacan, a afirmação “o inconsciente está estruturado como uma linguagem”. Mas que linguagem seria esta? É uma linguagem que deve suportar a alteridade e a alienação do sujeito. Jerusalinsky fazendo referencia a Lacan aponta para: “(...) à necessariedade de quatro termos atuantes para constituir o que chamamos propriamente uma linguagem simbólica (a humana)”. (ibid, 2008, p. 64)

Esses termos seriam: o objeto perdido, o signo, o sujeito e o Outro. Mas para que esses quatro termos possam ser diferenciados é preciso que a criança passe pelos processos de alienação e separação.

Jardim afirma que; “(...) o tempo da alienação pode ser entendido como o tempo em que a mãe “empresta” ao seu bebê uma imagem própria, um desejo, um significante, um lugar discursivo, portanto”. (2001, p. 58) É o momento em que a criança é falada, desejada, onde ela responde ao desejo dos pais, sendo o que eles querem.

No processo de alienação o recém-nascido se encontra preso no discurso materno, podemos pensar não somente no discurso, mas, também, no olhar desse Outro Primordial. Está alienado à dimensão imaginária da captura na imagem do outro no Estádio do Espelho.

É a partir dessa função que se constitui no bebê um sujeito. Pensando no estádio do espelho, o Outro primordial – função materna – está colocado como um espelho para o bebê, e para esse pequeno ser, envia uma imagem de corpo, um desejo, um nome. “A função materna cabe, primordialmente, transmitir um desejo de existência, de pertença a uma história, transmitir ao bebê um desejo que não seja anônimo”. (ibid, 2001, p. 57)

O circuito pulsional completo instaurado na criança também gera nela uma alienação, onde a acriança se assujeita a um novo sujeito. Laznik diz: “É nesse

terceiro tempo que o Ich se faz objeto para um novo sujeito, que não é Ich mas o outro”. (2004, p. 64)

Essa alienação real se junta à alienação simbólica que é sustentada pelo fato de que uso dos significantes do Outro para falar, estando alienado inevitavelmente. Não existe outro meio para que o sujeito possa advir à linguagem, senão passar pelos significantes do Outro.

Jerusalinsky considera que:

“(...) estamos novamente aqui em presença de uma ordem simbólica que, na medida em que ela for sustentada por um Outro Primordial, antecede o traço colocando-o na condição de signo e lhe outorgando sua posição de significante”. (2008, p. 71)

Após a alienação nos deparamos com a separação, onde a metáfora paterna deve se instaurar. O pai ou quem desempenhe a função paterna, deve intervir na relação mãe-filho para que esse não fique preso ao discurso materno.

O momento da separação “é o deslocamento das marcas maternas e da possibilidade de impressão de outras marcas, a paterna, por exemplo”. (JARDIM, 2001, p. 58)

Nos tempos da alienação e separação, Jardim referindo-se a Lacan diz que a alienação é o momento do surgimento do primeiro significante e o tempo da separação o do surgimento do segundo, o que possibilita ao sujeito formar sua rede de significantes e assim, ocupar seu próprio lugar discursivo.

Jerusalinsky apresenta:

“Mas, o que está em questão aqui são as condições de transmissão da linguagem para que ela opere nesse pequeno filhote humano. Nesse ponto nos parece plausível sustentar que, embora possa haver na linguagem ela mesma uma estrutura escrita latente (que organiza sua lógica e perfaz a diferença de significante a significante, marcado incluso até seu ordenamento sintático) a sua transmissão se opera por um ato de fala. (...) o que implica que estamos sustentando a tese de que a linguagem se transmite como uma fala, que embora se inscreva sobre o corpo da pequena criança, precisa não respeitar a escritura prévia para implicar o filhote no trauma que ela causa”. (2008, p. 50)

Considerando ainda que para que o sujeito asceda à linguagem é preciso ser “falado” por alguém. Para que haja fala é necessário que haja uma língua a ser falada. Essa língua vai transmitir ao sujeito os significantes da linguagem.

E que língua é essa?

A língua pode ser considerada como um processo social, que deve perpassar o coletivo antes de se impor a singularidade do indivíduo. Segundo Jerusalinsky; “

(...) a língua se apresenta com notória singularidade na fala de cada um, o que viria a denotar a incidência marcante do contingente (em oposição ao necessário e/ou pré-configurado) embora qualquer suposto de universalidade, inata ou não”. (ibid, 2008, p. 79)

Mas, então porque na relação mãe-filho chamamos a fala da mãe como “língua materna”?

Podemos pensar que a mãe, nesse momento, para a criança é a representante dessa língua coletiva e ainda, que a mãe seria a garantia de que o código da língua fosse transmitido ao recém-nascido. Pode-se pensar na língua materna como representante do idioma da comunidade onde a criança nasce.

Também é possível pensar na língua materna dentro da relação primordial entre mãe-filho, onde a demanda e o desejo estão sendo construídas por ambas as partes. A leitura que a mãe é capaz de fazer, onde o apelo do bebê se constitui em uma demanda, só se dá a partir do desejo materno. Assim, a fala da mãe tem o ‘direito’ de ser chamada língua materna.

De acordo com Jerusalinsky:

“Reformulamos o conceito de língua materna, propondo considerá-lo uma formação específica de “alíngua”: uma formulação equívoca da língua apta, na sua equivocação, para simbolizar o pequeno sujeito que está em curso. Especialmente configurada, então, ao serviço de produzir as inscrições primordiais”. (ibid, 2008, p. 158)

Por inscrições, é possível pensar que há antes da língua uma escrita. Uma escrita que, por mais que não esteja gravada sobre qualquer superfície se mostra, na medida em que a sua marca se faz. Se pensarmos que a criança antecede ao nascimento no discurso dos pais, poderia se considerar que esta já está na linguagem na forma escrita.

Essa letra e escrita prévias possibilitariam a reprodução no inconsciente das marcas (função significante) que desde o principio são endereçadas e já pertencentes a outro ordenamento de escrita, que é situado do lado parental.

Nessa linguagem parental, repleta de marcas e significantes escritos ou falados, é reconhecida a importância da entonação da voz materna que a mãe se dirige ao seu bebê. É possível pensar que a voz da mãe, nesse momento transforma em letra o que até aqui se dava pelo olhar. “A voz se transforma em letra pelo

simples fato de que já não é ela mesma, em tanta coisa, mas signo de um objeto (o olhar) que ela passa a representar em outro nível”. (ibid, 2008, p. 80)

A voz da mãe tem grande importância no inicio da vida do bebê. A fala materna tem uma série de características que despertam no recém-nascido um desejo acentuado para a forma particular dessa fala, que é chamada de “motherese” (manhês).

Essa fala específica se dá no trato da mãe com seu bebê, nos mais variados momentos em que ela está provendo algo a esse pequeno. E segundo pesquisas, citadas por Laznik, nesses momentos a voz da mãe alcança picos prosódicos extraordinários, e se há a tentativa de repetir esses picos na fala com adultos ou mesmo da mãe falando com seu bebê, mas este ausente, esses picos não se repetem.

Assim, as particularidades dessa fala se apresentam fortemente apenas na relação fundamental mãe-filho. Segundo Laznik; “Este motherese apresenta uma série de características específicas de gramática, de pontuação, de escansão, e uma prosódia especial”. (2004, p. 81)

A criança é, então, marcada e falada por todos os significantes presentes no discurso parental. Passando pela alienação e separação, construindo assim, por esses processos, sua cadeia de significantes, podendo ocupar um lugar discursivo. Não faz sentido uma linguagem em que não haja ninguém que fale para o outro, e do lado do sujeito, de poder “falar-se”.

Diante de todo esse processo de ascensão ao mundo da linguagem através da língua coletiva representada pela mãe, o qual gera a possibilidade do sujeito falar por si próprio, o que acontece com os autistas que possuem atraso na aquisição ou até ausência total de linguagem?

Nesse momento podemos, novamente, pensar na constituição psíquica do sujeito. Dizíamos de algumas falhas que acontecem nesse processo, a falha no Estádio do Espelho, no circuito pulsional, e podemos pensar em uma falha na função materna em geral.

Consideramos que as falhas nos dois primeiros processos citados levam a um não assujeitamento da criança à sua mãe (ao seu olhar e ao seu discurso). Esse não assujeitar-se à função materna impediria o acesso ao primeiro significante, que é por esse Outro emprestado, e assim impossibilitaria “(...) o encadeamento de

outros significantes que formariam uma cadeia discursiva. Ou seja, a criança autista não consegue forma linguística de representação de si”. (JARDIM, 2001, p. 60)

Se a criança não está alienada a sua mãe, tampouco poderá sofrer o processo de separação.

Jerusalinsky escreve a esse respeito:

“Estamos dizendo que o som vocálico da mãe adquire o estatuto de letra para o pequeno sujeito somente a partir do aprés coup de sua separação. É na medida de sua alienação ao Outro Primordial (essa forma particular do discurso que lhe diz especial e unariamente respeito) que o que sua mãe fala o implica, e é na medida de sua separação de sua mãe que a lei da linguagem virá a operar sobre as marcas primordiais revelando para a criança que elas já estavam estatuídas no discurso parental como letras, na posição que convém ao significante”. (2008, p. 83)

É em relação a estes processos, alienação e separação, que a criança poderá jogar com a presença e ausência da mãe. Podendo manejar esses momentos e desfrutar deles, impondo, dessa forma, seu desejo nesse jogo, pois quando pode desejar é quando nasce à linguagem.

Nesse momento a criança arranca do Outro o pedaço que é representante do seu “eu” e pode ser incorporado ao campo da palavra. Em Levin (1997) podemos encontrar mais um elemento fundamental do que leva uma criança a falar.

Inicialmente o que o bebê vocaliza são vogais ou consoantes separadas e sem sentido. No decorrer do seu desenvolvimento, com todos os estímulos que recebe, passa a articular as letras e assim articular o ‘pa-pa’, ‘ma-ma’. Dessa forma sua vocalização passa de apenas ruídos para sons significantes que se encontram no campo do Outro.

Segundo Levin:

“Para que se opere esta fundamental passagem do aaaeeiiui-pprp-rrrr (balbucio-ruídos) ao pá-pá, tá-tá, ma-lálá (sons-significantes) deverá ser efetivado um verdadeiro trabalho de inscrição: o ruído-balbucio tem que perder-se como tal para que possa emergir o som. Poderíamos definir esta perda do ruído como o silêncio do qual surgirá a voz de um sujeito”. (ibid, 1997, p. 74)

Nesse momento de silêncio; poderíamos pensar no processo de separação mãe-filho, onde a criança precisa se descolar desse corpo materno, que tudo provê, para que possa falar por conta própria.

Ainda em referencia ao Outro Primordial, podemos considerar o espelho sonoro, fazendo referencia a Levin (ibid). O recém-nascido produz, inicialmente, um

eco, uma onda sonora, que vai se transformando em demanda na medida em que a mãe dá sentido a esses barulhos, trazendo uma diferença entre o que a criança emite e o que volta a ela.

Essa diferença se dá, apenas, no universo significante, “(...) fora dele, o ruído ensurdece e o eco retorna mudo ao mesmo lugar do qual partiu”. (ibid, 1997, p. 79) Se o Outro não dá sentido ao ruído, o eco da voz fica preso ao real.

No autista, é isso que acontece. A criança emite um ruído e não há ninguém que o signifique, ficando presa ao real, ficando o barulho pelo barulho. A respeito do espelho virtual no autista Levin acrescenta: “Reproduzir-se-ia sempre o mesmo eco, como ruído inerte da criança autista (um vazio sem eco) que materializa dessa forma seu isolamento. Pois finalmente esse Eco emudece no inegável silêncio da coisa”. (ibid, 1997, p.82)

Um autista pode reproduzir ecolalicamente alguns sons, palavras, mas sem que haja nisso alguma intenção de estabelecer uma fala que é destinada a outro. O eco de sua voz se reproduz no mesmo lugar, e não se estabelece a diferença que é feita pela função materna. “(...) aninhando-se no som o gozo que não cessa de reproduzir a impossibilidade do desprendimento da voz. Deste modo, a “eco-lalia” se basta a si mesma, sem referência ao Outro”. (ibid, 1997, p. 79)

Quando a voz não é mediada pelo significante, a palavra é vazia e é uma reprodução de som sem rede e sentido. Esta palavra está morta em sua função. É onde o espelho sonoro não se efetivou que podemos encontrar essa condição.

Segundo Levin, “(...) o som refletido volta sempre sem diferenças ao mesmo lugar; já não se trata de repetição, mas de pura reprodução. Onde o espelho sonoro se quebrou, sem reflexo, sem virtualidade nem retorno, morre a voz”. (ibid, 1997, p. 76) A razão da fala de um sujeito se dá em resposta a relação deste com o outro. Em resposta a função materna, que no inicio da vida de uma criança é quem transmite a língua, de uma forma completamente particular que possa simbolizar o pequeno sujeito. A mãe está para produzir, essencialmente, no seu filho as inscrições primordiais.

Essas inscrições permitem que a pequena criança se reconheça como sujeito e possa ser pertencente a uma língua. “(...) por meio das descontinuidades, das substituições, da variabilidade, da proposição de representações não

representacionais, e da repetição de diferenças, o filhote é introduzido na função simbólica”. (JERUSALINSKY, 2008, p. 158)

Assim, podemos pensar que é a alienação ao Outro, pela fala, que permite que o bebê possua um lugar singularizado na linguagem para que possa falar por si.

O individuo nasce para a linguagem na medida em que há o corte feito pelo significante, que separa o objeto do gozo e a marca que este deixou. Desta forma, o significante é o representante do que falta, do que causa o desejo.

Podemos perceber que a linguagem não é um sistema prévio. É provocada pelo Outro através do discurso dos pais e dos significantes que esses dispõem à criança e pelo processo de separação pelo qual ela vai passar. Tudo isso faz com que a criança encontre sua posição de sujeito e faz com que os significantes tenham sentido.

Jerusalinsky afirma:

“É por essa via que a pequena criança se incorpora ao mundo da linguagem (que por outro lado, é o mundo dos humanos que a acolhem) passando a ser habitado por ela”. (2008, p. 159)

A criança é exposta a uma ordem simbólica repleta de significantes que ela organiza para que possam cumprir com suas funções principais: nomear e produzir um saber. Essas funções permitem ao sujeito abrir mão do objeto de gozo e prender-se ao mundo.

CONCLUSÃO

A partir de todos os fatores apresentados nesse trabalho é possível concluirmos sobre alguns aspectos, que, como todo o processo de constituição psíquica, estão interligados.

Penso que todos os aspectos da constituição psíquica do sujeito apresentados nesse trabalho estão relacionados com a função materna. Função essa que tem essencial importância na vida do recém-nascido.

A criança quando nasce é puramente real e essencialmente pulsional, e se expressa com seu olhar, seu choro. É da função materna, como Outro Primordial, ser sensível a esse apelo do bebê e dar significado a isto, e isto acontece através do discurso parental.

Na relação da criança com sua mãe, encontramos dois processos que são de extrema importância, o Estádio do Espelho e a instauração completa do circuito pulsional. Ambos os processos alienam a criança a sua mãe e essa fornece tudo que ela precisa.

No autismo, o “olhar” entre a mãe e seu recém-nascido não se instala quer por uma falha biológica da criança, quer por dificuldades da mãe. Aqui encontramos falha na alienação referente ao Estádio do Espelho. A criança não tem como estar alienada a uma imagem ideal que a mãe lhe empresta, para que mais tarde possa fazer a diferenciação do que é esta imagem e do que ela realmente é.

Quando o circuito pulsional não se completa, também encontramos a alienação. O assujeitamento da criança a sua mãe encontramos no terceiro tempo desse circuito. “O bebê vai à pesca do gozo de sua mãe, enquanto ela representa para ele o grande Outro primordial, provedor dos significantes”. (LAZNIK, 2004, p. 28) Assim, para que o bebê possa advir ao campo do Outro, ele precisa passar pelos significantes e assim é alienado a este.

No autismo esse circuito não se estabelece, na medida em que o bebê, primeiramente, não olha para sua mãe e não está alienado aos seus significantes, como também não possui capacidade auto-erótica e assim, não pode se assujeitar a esse Outro, na medida em que este, para ele, não está ali.

Nas questões da linguagem, língua e fala que nos propomos a pensar, ainda com relação à função materna, é possível considerarmos que a mãe, quando o processo de alienação não acontece, não provê ao seu bebê os significantes que permitirão que este se reconheça como sujeito. A mãe é, também, a representante da língua de todos para o bebê através da sua particular forma de se comunicar, que chamamos língua materna. Essa língua se transmite através da fala e das inscrições que a mãe faz no corpo do bebê.

Mas, não é somente o momento da alienação que tem grande importância para a constituição psíquica do bebê, o processo de separação também é fundamental, pois, é a partir desse momento que o bebê vai significar tudo o que foi dito e inscrito nele e vai poder começar a falar.

Jerusalinsky afirma que: “O sujeito deriva dessa operação de separação entre o objeto e o signo que o nomeia já que, doravante, a pequena criança terá que se fiar do significante para agenciar um saber”. (2008, p. 185)

A grande função da mãe, na linguagem, é dar sentido ao que a criança faz, ao seu olhar, ao seu choro, ao seu apontar. Tudo isso, inicialmente, é sem sentido, e é a mãe, como Outro Primordial, que vai nomear e passar a dar um sentido ao que a criança faz. Se isso não acontece, a criança fica presa ao real.

Bem, penso então que no autismo, é a função materna que falha. Não a mãe, que pode ser uma boa cuidadora do seu bebê, mas a função responsável por emprestar a esse pequeno uma imagem, uma história, os significantes, uma língua para que um dia ele possa reconhecer-se e vir a falar-se. Considera-se assim, que a criança fala na medida em que é falada

No documento O desenvolvimento da linguagem no autismo (páginas 30-40)

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