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Um dos argumentos acerca da singularidade humana diz respeito à questão da linguagem. Uma das discussões coloca em questão se a linguagem seria um aspecto evolutivo ou uma característica especial que não se explicaria através da teoria evolutiva do homem. Se a linguagem realmente é algo inato ao nosso cérebro, e não um processo evolutivo, isso de certo comprovaria uma característica unicamente humana.

As diversas pesquisas com chimpanzés, gorilas e macacos constatam que esses animais possuem uma complexa habilidade comunicativa, de modo que põe em cheque a possibilidade da linguagem ser uma faculdade unicamente humana. Além destes, diversos outros animais também possuem capacidades complexas de se comunicar. Uma das nossas grandes dificuldades é justamente a de compreendermos as diferentes formas de comunicações entre as espécies não humanas. Talvez essa nossa limitação seja um dos motivos de se negar a capacidade da linguagem a animais não humanos.

A menos que a disposição para a linguagem seja um poder especial da mente, além de toda explicação, deve ser em princípio acessível a mais de uma espécie; na verdade, a nossa ignorância dos métodos que as espécies não humanas usam para se expressar e comunicar produz afirmações pouco convincentes sobre a unicidade humana a este respeito (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2007, p. 23 e 24).

Considerando a questão evolutiva, poderíamos afirmar que alguns animais não humanos possuem uma forma rudimentar de linguagem, mesmo que em um grau bastante inferior ao humano? É importante observar que se comunicar não implica necessariamente em possuir linguagem, o que torna

possível, e não contraditório, aceitar que os animais não possuem linguagem, apesar de possuírem uma forma extremamente complexa de se comunicar. A origem da capacidade humana da linguagem é uma questão complexa, já que consideramos a teoria da evolução a explicação mais plausível. Como nossos ancestrais hominídeos se diferenciaram dos primatas?

Uma das explicações é de que o crescimento do grupo determinou a necessidade de se estabelecer uma comunicação cada vez mais complexa e que minimizasse o tempo durante a comunicação. Mas diferentemente dos humanos, a comunidade de macacos ou chimpanzés é pequena e esses animais raramente se congregam em um mesmo lugar por um tempo significativo. Fernández-Armesto (2007) observa que por possuir aptidões físicas relativamente fracas, comparando com muitos outros predadores, o homem teve a necessidade de se defender em grupo numericamente superior, o que haveria contribuído para a aquisição da linguagem e também da própria fala.

Comparando com a complexidade da comunicação humana, os macacos aparentam para muitos de nós nem mesmo possuir uma forma de comunicação. Porém, macacos possuem capacidade de vocalização dentro das limitações dos seus órgãos da fala. Em contrapartida, os macacos possuem uma comunicação gestual bastante desenvolvida e não necessitam da vocalização humana. Fernández-Armesto escreve que:

quase todos os primatólogos que trabalharam de perto com os macacos grandes reconhecem que eles são muitos superiores aos humanos na habilidade de comunicação não verbal, lendo sinal nos olhos um do outro. (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2007, p. 25).

Esta passagem se refere aos gorilas, chimpanzés, orangotangos e os bonobos, primatas que possuem DNA muito próximo dos humanos. A capacidade cognitiva desses animais sugere que a habilidade da linguagem humana não seja uma característica capaz de ser desenvolvida apenas pelo homem.

O caso da chimpanzé de nome Washoes é um exemplo da capacidade complexa de comunicação. Inicialmente criada como animal de estimação,

Washoes, na década de 1960, passou a ser estudada em laboratório pelo seu alto desempenho comunicativo. A chimpanzé aprendeu cerca de 350 sinais diferentes e usava de forma correta aproximadamente 150 sinais (SINGER, 2006). Ela inventou nomes para os objetos que ela desconhecia, construindo novas palavras a partir do seu vocabulário através de combinações como, por exemplo, “frutinha de pedra” para o que chamamos de castanha.

A chimpanzé chegou até mesmo a ensinar sua habilidade a outro chimpanzé novato. O fim da história da chimpanzé Washoes é triste, mas é um outro claro sinal da habilidade que chimpanzés podem desenvolver com os signos: quando seu bebê ficou doente e morreu, Washoes sempre se comunicava com o seu guardião através de sinais: “traga o bebê, traga o bebê”. (FERNANDEZ-ARMESTO, p. 27ss). Outro relato sobre esta mesma chimpanzé vem da notável primatóloga Goodall que relata que Washoes

...não apenas aprendeu os sinais facilmente, como começou bem depressa a juntá-los de forma a que compusessem significados. Ficou claro que cada sinal evocava, em sua mente, uma imagem mental do objeto que ele representava. Se, por exemplo, pedisse a ela, em linguagem de sinais, que fosse buscar uma maçã, ela ia e localizava uma maçã que estava fora de suas vistas em outro aposento (GOODALL, 1990, p. 24).

Fernández-Armesto sugere ainda que esta complexa capacidade de se comunicar, que ele denomina de “capacidade linguística”, também ocorre em outros primatas. Além de criticar a falta de pesquisa nesta área com gorilas e orangotangos, Fernández-Armesto (2007) afirma que a capacidade da linguagem humana não é um privilégio único do homem:

Os experimentos com gorilas e orangotangos – apesar das contundentes reivindicações feitas – ainda não são realizados com o mesmo rigor dos experimentos com chimpanzés e bonobos; mas os resultados revelados para as duas últimas espécies são consistentes demais para serem desprezados. Eles têm, sem dúvida, uma capacidade para a linguagem humana; em ambientes adequadamente arquitetados, eles a adquirem imitando os humanos, sem que se recorra ao treinamento pavloviano; e, quando a conhecem, eles a usam para si e entre eles mesmos. (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2007, p. 27).

O que parece ser plausível concluir é que os animais possuem de fato uma capacidade muito complexa de se comunicar. Se animais não humanos

possuem linguagem é outra questão. Para Fernández-Armesto, a linguagem não é uma característica unicamente humana. Para ele, o que existe é uma diferença de grau linguístico entre o homem e os animais não humanos: “a destreza sintática deve ser considerada uma peculiaridade distinta de nossa espécie, ou apenas uma diferença de grau” (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2007, p. 28).

Existem diversas espécies que utilizam formas específicas e complexas de se comunicar. Pouco se sabe sobre o limite da capacidade comunicativa de animais como golfinhos e baleias. Outra conclusão ainda mais importante é a de que a posse da linguagem pouco importa para a contribuição do status

moral dos animais não humanos. A questão, se eles possuem ou não

linguagem, deve ser vista como insignificante no que diz respeito a sua

consideração moral e, consequentemente, na sua inclusão em nossa esfera

ética, pois, não importa o modo como um ser se comunica, o que nos importa é saber se ele é suscetível de experimentar dor ou sofrimento.

Continuando a proposta deste capítulo, nos ocuparemos, a seguir, do debate que envolve duas características que são, não sem ressalvas, tradicionalmente aceitas como sendo unicamente humanas; a arte e a cultura. Seria possível constatar comportamento cultural em animais não humanos? E quanto à arte? É uma expressão única do homem?

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