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10. Atravessamentos e entrelaçamentos com a Linha Saúde Mental da Criança

10.2 Linha Rede

Embora não tenhamos explorado especificamente a Linha Rede, ela tornou-se presente nas demais já analisadas. Para a construção e efetivação de uma Política de Saúde Mental Infanto-Juvenil faz-se imprescindível a construção de rede intersetorial e intrasetorial articulada, na qual a noção de rede se constitui como orientadora para o cuidado (BRASIL, 2005a; COUTO; DUARTE; DELGADO, 2008; PAULA et al, 2012; BRASIL, 2014; COUTO; DELGADO, 2015; COUTO; DELGADO, 2016). É

73 perceptível, porém, a dificuldade enfrentada por essa ESF em sua inserção em uma rede tal qual preconiza-se. Ainda assim, é a articulação em rede que proporciona a sustentação de algumas das atividades referidas, em especial a rede fora dos eixos das políticas públicas - a companhia de ônibus local, a gravadora de música do bairro, os locais visitados pelas crianças e adolescentes nas saídas de campo dessas ações e também a escola e a creche. No que se refere aos pontos da rede de saúde e de saúde mental, a equipe de ESF refere um sentimento de isolamento e abandono, pela escassez dos próprios serviços e de profissionais da rede em seu território e pelo afastamento do território, relativo ao centro da cidade, provocando um distanciamento da própria gestão da Secretaria de Saúde, no apoio que esta poderia oferecer à ESF. O Capsi que atende ao território da Restinga está localizado no centro da cidade e atende a uma área de abrangência desproporcional em relação a sua capacidade de atendimento. Além disso, parte dos usuários da rede tem dificuldade de acesso ao serviço, pela distância e condições socioeconômicas, não tendo como pagar pelas passagens de ônibus para tanto.

A equipe de ESF parece elaborar uma alternativa para sua frágil inserção na rede intra e intersetorial com a criação de uma rede interna baseada na própria equipe e em sua comunidade. Construindo, assim, uma rede menos técnica, conforme sugere Souza (2015). Na discussão a respeito das ações implantadas, emergem dificuldades, desconfortos e ruídos entre os participantes, acerca das razões que motivaram a descontinuidade das referidas atividades. Aponta-se com veemência a necessidade de suporte da própria equipe para a manutenção das ações, entendendo-se essas como trabalho em equipe.

“Eu ajudava, mas não era meu”

“Só que todo mundo ajudava todo mundo. Era só a referência, mas o grupo era de todos”

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“Só que, tipo assim, quem tem afinidade, ninguém quer participar, mas às vezes eu contribuo com alguma coisa, eu contribuo com outra, ah, mas eu gosto de fazer tal coisa, mesmo que não era referência, todo mundo participava, porque era da equipe”

Tais falas expressam de um compromisso da equipe multiprofissional em manter e sustentar as atividades, assumindo a responsabilidade por todas as demandas acolhidas pela ESF e por todas as práticas de saúde ali implementadas. O próprio estabelecimento do que entendemos como uma Linha de Cuidado para a criança e o adolescente, nas ações especificadas, se constituiria como uma rede interna a fim de acolher e cuidar dessa população. A Terapia Comunitária insere-se igualmente nessa rede interna e nos arranjos possíveis para se manejar a demanda reprimida que se forma com o acúmulo de casos que necessitam do apoio matricial. Cita-se que algumas crianças foram encaminhadas, por prescrição da/o profissional de medicina da equipe, para participar das reuniões de Terapia Comunitária. Esta atividade é voltada para o público adulto e mesmo os profissionais da ESF, enxergam com ressalvas a participação de crianças nessa, ainda assim avaliam que tais encaminhamentos tiveram efeitos positivos para os usuários. Discutimos em conjunto com a equipe o possível benefício da participação das crianças na Terapia Comunitária como um recurso para evitar o agravamento de situações de sofrimentos psíquicos potencialmente severos, enquanto se aguarda o atendimento pelo apoio matricial e pela EESCA.

Entretanto, entende-se como necessário o investimento da equipe de ESF no fortalecimento da articulação em rede, percebemos que já existem conexões com as escolas e creches e com o serviço da rede especializada da região, mas a equipe se fecha em si e nas redes locais com a comunidade para compensar as deficiências dessas conexões. A ausência do setor da Assistência Social é bastante curiosa, considerando que historicamente sempre foi atuante nas políticas voltadas para a criança e inclusive pelo prédio do CRAS situar-se no mesmo terreno da ESF. O movimento da constituição de uma rede interna, como a estamos nomeando, também é relevante, uma vez que fortalece a ESF enquanto um dos pontos de ancoragem de uma rede pública ampliada para a criança e o adolescente (COUTO; DELGADO, 2016). Ainda assim, para que a ESF possa cumprir com seu papel como ordenadora e centro de comunicação da RAPS (BRASIL, 2013b), garantindo a ampliação do acesso da população em geral à atenção psicossocial (BRASIL, 2013b), é imprescindível que as relações com os demais pontos

75 da rede intersetorial seja uma prioridade para a equipe de Estratégia de Saúde da Família.

10.3 Linha Estratégia de Saúde da Família

Analisar separadamente nosso emaranhado de linhas é tarefa complexa, uma vez que essas linhas se cruzam e entrelaçam de modo a sustentarem umas às outras, muitas vezes estando indiferenciadas. A Linha Estratégia de Saúde da Família destaca-se como uma linha transversal às demais, se fazendo presente de forma constante. Desse modo, acreditamos que não conseguiremos esgotar todos os pontos e linhas de fuga que poderiam advir da referida linha. Destacaremos um aspecto dessa linha que atua para a manutenção da Linha Rede.

A equipe refere que houve uma época em que se realizava um planejamento e programação anual. Todo mês tinha sua programação específica, contemplando ações de promoção e de prevenção de saúde, assim como atividades comemorativas e festivas.

“Aqui já foi uma equipe que, cada mês de programação se fazia uma atividade, todo mundo pegava junto. A gente até tinha a festa das crianças que foi aumentando, a gente começou com 150 e depois foi pra 200 [...] A gente fazia, o único mês que não tinha atividade era janeiro e fevereiro. Março, mês das mulheres. Abril, páscoa. E assim ia indo, todas as comemorações a gente fazia pra comunidade”

Com isso, se possibilitava um estreitamento dos laços entre equipe da ESF e comunidade. Abriam-se oportunidades de os usuários frequentarem um espaço de saúde em ocasiões que não possuíam como único foco a doença, de modo que a ESF se configuraria como uma equipe que trabalha para a produção de vida e não apenas para a cura de moléstias. Conhecer o seu território de abrangência, para que assim se efetive um planejamento local está entre as atribuições da ESF (BRASIL, 2012; JESUS, 2013) e esta se consolidava como uma prática dessa equipe, realizando ao início de cada ano um planejamento. A Linha Rede expressa também acerca da relação com a comunidade, a partir dos vínculos que se estabelecem entre essa e a equipe de ESF. Estas são particularidades e potencialidades da ESF, a valorização do vínculo com os usuários e

76 com suas famílias (JESUS, 2013) e o fortalecimento da articulação com a comunidade, propiciando um respaldo para a efetivação da participação popular (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2012). Indiretamente relacionado ao nosso tema de pesquisa, a equipe descreve o Grupo de Gestantes que ocorria à mesma época dos demais grupos e ações mencionados, funcionando nos mesmos moldes do estabelecimento de parcerias com redes locais intersetoriais e, nesse caso, também intrasetoriais (hospital no qual se davam os partos), com saídas para o território. Estabeleceu-se entre as mulheres que haviam participado e participavam desse grupo, um laço de solidariedade. A ACS que coordenava a atividade entregava kits com roupinhas de bebê para as mães e criou-se o costume de essas mães devolverem para a ACS ou para outro profissional da ESF as roupinhas, quando essas já não eram mais necessárias ou mesmo entregar outras roupinhas que não faziam parte do kit, para que as novas mães pudessem utilizar com seus bebês. A produção de saúde e de vida se dá no entremeio desse estabelecimento de redes que lança mão das tecnologias leves.

“tem essa função de solidariedade entre elas tinha muito[...], mesmo não tendo mais o grupo ainda tem, elas me têm como referência pra receber as roupas e passar pra quem precisa”

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