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LINHAS DESCONSTRUTIVAS

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O trabalho que Machado de Assis executa na desconstrução do romance em Dom Casmurro como já menciSonado anteriormente, têm como base as considerações feitas por Rosenfed (1996) e nas colocações que fizemos dos procedimentos que o autor e o pintor Belga utiliza, no que se refere ao modo com que a arte é construída e que apesar de usar o mundo empírico como material para levar o fruidor a camadas mais profundas não só de reflexão não só no processo de construção do homem como crítico e leitor, mas no mergulho da condição humana. Esse olhar agora requer uma visão que traz a realidade como material a modo de ser esvaziado do sentido automatizado da vida e assim o artista pode fazer essa junção entre as duas dimensões em que olha o mundo e a obra.

Anatol Rosenfeld (1996) usa os exemplos tanto da pintura quanto da literatura, conforme foi citado anteriormente quando o autor usa Kafka e Camus para mostrar os processos de desrealização. Tais relações faremos também para que os procedimentos que denunciam a modernidade nas artes fiquem de certa maneira mais notáveis ao leitor. Na obra de Machado de Assis, Dom Casmurro, existem momentos em que o fluxo de consciência se intensifica, como passagens de monólogo interior. Apesar de que a obra inteira de Dom Casmurro é uma espécie desse fluir entre real e irreal, a movimentação de palavras que vai intercalando entre momentos de maré alta e maré baixa. O narrador protagonista, ao narrar a sua história, limita o foco narrativo e de certa maneira guia o leitor ao seu ponto de vista.

A atitude do narrador ou intencionalidade do discurso que está a serviço da arte tem em fazer uso da sua voz com propósito, poderia ser associada com a visão de certo enfeudamento no discurso, mesmo recurso que Luiz Costa Lima (2006) escreve em seu ensaio “O não figurativo (Um fragmento)” sobre os procedimentos que os artistas Wassily Kandinsky e Piet Mondrian se valem para compor suas obras. Neste ensaio, o crítico analisa o processo pelo qual os artistas constroem suas obras e o discurso em que estes quadros são analisados. O intuito é discutir os processos de abstração na arte pictórica, em relação sujeito-pintor e como cada um dos artistas revela em sua arte graus maiores e menores de autonomia. Usaremos aqui o ensaio de Luiz Costa Lima como modo de relacionar o discurso do narrador em Dom Casmurro, intencional e enfeudador e o modo de composição inventiva do autor Macho de Assis, como os processos de Kandinsky e Mondrian.

O professor brasileiro se posiciona em relação ao processo de composição do artista russo Kandinsky como um modo de composição voltado para intenção interior do artista. Nesse caminho de imersão e monólogo interior radical, o pintor produz a sua arte por meios de procedimentos não tão independentes. A arte que traz essa característica, de dependência e intencionalidade do sujeito, deixa de ter um valor de arte autônoma, que vive e fala por si. Portanto se existe dependência entre autor e obra, nasce um questionamento: será a pintura não objetual ou abstrata o desaguadouro do sujeito altamente individualizado? É observado que, ao contrário, a arte requer autonomia e a despersonalização do sujeito. Costa Lima (2006) afirma a importância da arte não figurativa, desde que não seja enfeudadora, e que desde de o cubismo, torna-se irrecusável a proeminência do sujeito autônomo ou sua fragmentação. Na formulação de Kandinsky, poderíamos aludir seus procedimentos com uma possível psicologização da forma, dessa maneira trazendo certa dependência entre artista e objeto, sendo que a obra tem uma servidão em relação à intenção interpretativa do autor/pintor. As conclusões tiradas acerca dessa relação vêm de um depoimento que o próprio pintor fez em relação à sua construção. Apesar de que, justamente nesse quesito interpretativo-intencional que o pintor executa, afasta a possibilidade de autonomia da obra. E por mais que tenha se dedicado a seguir as teorias que formula em suas obras intituladas “Do espiritual na arte’ e “Ponto e Linha”, o atributo à referência e necessidade interior requer um grau de subjetividade que não abarca o tom de mímesis de produção.

Neste fio condutor em que a arte é submetida à intencionalidade, arte vassala, associamos o discurso dos narrados de Dom Casmurro com o mesmo tom de intenção quando trata-se do posicionamento do jogo que instaura em relação ao leitor, a maneira como ele vai conduzindo e manipulando a direção que o olhar do observados de tomar.

Esbarramos em uma conceituação de autonomia como o fio que perpassa pelas obras do pintor russo. Porém tal autonomia se faz presente não na forma da obra em si, mas na condição da qualidade autônoma do indivíduo, como fator de liberdade sem restrição para sua composição, colocando os meios os processos composicionais como a ‘Quintaessência’, assim nesse quinto elemento no mais elevado grau de transubstanciação, nessa junção entre Homem e Divino emerge o produto da arte. Essa liberdade de que o artista se vale para construir sua obra desperta no observador um sentimento de frustração, pelo fato de que a obra emerja da necessidade interna vai ao encontro do posicionamento em que o pintor tem de levar-se e fundir-se na obra e assim exclui à tela a vida própria que é a condição da obra de arte. Se a arte é construída a partir de intenção interna, perde seu valor autônomo de arte pela arte e mesmo que a lente microscópica seja usada para apreender significância, estas subsistem em um outro lugar em que somente o artista poderá acessar, afastando assim olhares críticos e atraindo cada vez mais atitude de referencilialização do observador.

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