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CAPÍTULO I – REFERENCIAL TEÓRICO

1.5 Linhas e pontos sobre indicação geográfica

Convém, agora, fazer menção a uma outra possibilidade de protecção do artesanato em renda irlandesa, feito pelas mulheres de Divina Pastora. É a chamada indicação geográfica. Conforme se depreende do título do presente trabalho, deseja-se saber se a indicação geográfica é uma alternativa para o desenvolvimento socioeconómico e humano da comunidade envolvida na produção das peças de renda irlandesa. Todavia, a primeira questão que surge é a seguinte: o que é uma indicação geográfica?

Battistelli (2005) diz que a indicação geográfica é uma ferramenta a serviço do crescimento económico de determinadas zonas geográficas; uma garantia de qualidade e autenticidade dos produtos; bem como um direito colectivo cuja defesa cabe ao próprio país ou ao conjunto de produtores. Rodrigues e Menezes (2000) revelam que a indicação

geográfica tem natureza abstracta, incorpórea e imaterial. Na opinião destes autores, o objecto do direito recai sobre o topónimo9, que tem carácter eminentemente público.

Ao investigar o sistema de protecção no Brasil, Vilela (2008) mostra que a indicação geográfica só começa a ser efectivamente protegida no país a partir da promulgação da Lei n. 9.279/96, que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. O assunto é tratado nos artigos 176 a 182 da referida norma. A autora explica que o legislador resolveu dividir a indicação geográfica em duas modalidades: a indicação de procedência e a denominação de origem. A indicação de procedência é o nome geográfico de um país, cidade, região ou localidade que se tornou conhecido como centro de produção, fabricação ou extracção de certo produto ou prestação de um serviço específico. A denominação de origem se define pelo nome geográfico de um país, cidade, região ou localidade que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusivamente ao meio geográfico, incluídos factores naturais e humanos. Portanto, o que diferencia uma modalidade da outra são os aspectos de qualidade do produto ou serviço.

Ascensão (2009), quando trata das indicações geográficas nos países em desenvolvimento, não esquece de mencionar o caso brasileiro. De acordo com o autor, a Lei n. 9.279/96 estabelece que o órgão competente para analisar os pedidos de registo de uma determinada indicação geográfica no Brasil é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. A mesma lei determina que as condições de registo devem ser elaboradas pelo INPI, o que foi concretizado por meio do Ato Normativo n. 143/97 e da Resolução n. 75/2000.

Quanto aos titulares de uma indicação geográfica, Rodrigues e Menezes (2000) relatam que, no caso da indicação de procedência, são todos os produtores ou prestadores de serviço que forem estabelecidos na região demarcada; e na denominação de origem há a mesma ideia de titularidade presente na indicação de procedência, com a diferença da importância de que sejam atendidos os requisitos de qualidade. No entendimento de Lages e Braga (2005), o carácter colectivo da titularidade se explica pela vontade compartilhada pelo grupo de produtores ou prestadores de serviço em defender seus produtos e serviços, que são inconfundíveis. E os mesmos autores acrescentam que essa vontade se perpetua graças ao

9 “Nome que designa, geograficamente, país, cidade, região ou localidade de um determinado território e sobre a

representação gráfica, figurativa e geográfica desse território, enquanto indicativos da verdadeira origem de produtos ou serviços” (Rodrigues e Menezes 2000: 17).

respeito às regras de produção, que estão presentes no regulamento de uso da indicação geográfica10.

É fundamental perceber que “toda localização geográfica é única. Nenhuma região se repete” (Ascensão 2009: 113). Dito isto, torna-se oportuno trazer a constatação de Almeida (1999), ao verificar a existência de produtos únicos e originais que são relacionados a um território delimitado. Este autor infere que, nestes casos, a indicação geográfica cumpre seu papel ao ser um sinal distintivo utilizado por empresários e/ou produtores como meio de proteger, de afirmar e de estender a actividade, bem como a relação com os consumidores.

A origem acaba por se tornar uma forma de mostrar aos consumidores a “credibilidade dos produtos ou serviços, estando associada à cultura, tradição e história de uma região” (Locatelli 2007: 235). O desafio é manter a tradição sem perder a qualidade na elaboração dos produtos ou na prestação dos serviços. Fróes (2002) defende que a denominação de origem, por agregar como requisito a qualidade do produto ou serviço, é considerada a modalidade de indicação geográfica com maior valor económico.

Um dos pontos mais relevantes para a temática das indicações geográficas é o momento oportuno para se realizar o registo; afinal há o risco de que o nome geográfico venha a se tornar genérico, confundindo-se com o próprio produto ou serviço. Este é o caso brasileiro do queijo de minas que, originalmente, começou a ser produzido no estado de Minas Gerais. Como não houve, à época, uma preocupação dos primeiros produtores em agregar o saber fazer ao estado de origem, localizado na região sudeste do Brasil, este queijo pode ser feito, hoje em dia, em qualquer parte do país e leva o nome de queijo de minas. Não existe, portanto, a indicação geográfica para o referido produto (Souza 2004; Vilela 2008).

Conforme verificado acima, evitar que o nome geográfico se torne genérico é um modo de vislumbrar uma possível indicação geográfica para o produto ou serviço, estando presentes os requisitos legais. E alinhada a esta ideia encontra-se Vilela (2008), ao reconhecer que as indicações geográficas também possuem aspectos relacionados ao desenvolvimento. A autora confirma que surge uma maior preocupação em proteger indicações geográficas a partir do momento em que se dá uma espécie de reacção local aos movimentos de

10 Rangnekar (2009) ressalta que, mesmo uma indicação geográfica tendo sido registada por um grupo de produtores, o conhecimento referente à produção é mantido no domínio público. Isso significa dizer que os demais produtores, localizados na mesma região, poderão continuar a se utilizar do saber fazer. Todavia, por não seguirem as regras definidas pelos titulares, ficarão proibidos de usar a indicação geográfica em seus produtos.

industrialização e globalização da produção. Estes movimentos põem em risco os pequenos produtores, sobretudo de países em desenvolvimento, que, em sua maioria, utilizam técnicas tradicionais e artesanais para realizar suas actividades.

Partindo-se de uma perspectiva mais crítica, Ascensão (2009) acredita que o sistema de protecção dos direitos relativos à propriedade industrial – aqui incluídas as indicações geográficas – não foi estruturado para atender as necessidades dos países em desenvolvimento. Ocorre que as nações menos desenvolvidas precisam concentrar esforços a fim de buscar uma maior inserção no referido sistema. É o caso da possibilidade de atribuir indicações geográficas, também, a serviços. Isso é o que diz a lei brasileira. Porém, o mesmo autor alerta que a qualidade dos serviços nos países em desenvolvimento ainda não apresenta a mesma visibilidade que os produtos. Na verdade, esses países estão mais interessados em proteger e valorizar seus bens, muitos dos quais são considerados únicos e originais.

Almeida (1999), por sua vez, entende que a oferta de produtos diferenciados, com qualidade e vinculados a um determinado nome geográfico encoraja os produtores a exigir um preço mais elevado. Essa diferença no preço do produto que possui indicação geográfica é, na visão de Locatelli (2007), uma possibilidade de fomentar o desenvolvimento económico em sectores específicos das nações menos desenvolvidas. Em outras palavras, isso significa que é possível utilizar-se dos benefícios económicos resultantes da protecção por meio de indicações geográficas.

No que se refere ao valor acrescentado dos produtos com indicação geográfica, em 2004, consumidores da União Europeia foram interrogados e cerca de 40% do grupo informaram que estão dispostos a pagar 10% a mais por um produto que tenha sua origem garantida (Souza 2004; Battistelli 2005). É interessante notar que, em França, um queijo identificado por indicação geográfica chega a ser vendido, em média, por um preço dois Euros mais caro (Souza 2004) ou 30% mais caro (Battistelli 2005) que os demais. Assim, infere-se que há um mercado para os produtos protegidos por indicação geográfica: as pessoas costumam pagar um valor superior pelo saber fazer vinculado a determinada região, cujo produto se destaca dos demais.

Uma questão parece bastante oportuna, qual seja: para que proteger produtos ou serviços por meio de indicações geográficas? Vilela (2008) apresenta uma possível resposta quando sustenta que a protecção existe para evitar a usurpação do nome geográfico por parte de terceiros que não estão localizados na área delimitada, o que poderia causar confusão aos consumidores. Além disso, a autora mostra que a usurpação por terceiros gera o comprometimento das vendas dos produtos ou da prestação dos serviços daqueles que são os

reais titulares da indicação geográfica. Souza (2004) acrescenta que os países em desenvolvimento são os que mais possuem dificuldades para coibir que terceiros se utilizem de suas indicações geográficas11.

A protecção do nome geográfico, segundo Soeiro (2005), funciona como uma verdadeira alavanca para o desenvolvimento da região, tendo em vista que decorrem várias acções positivas. Entre elas podem-se destacar as seguintes: promoção de produtos oriundos de zonas desfavorecidas; melhoria dos rendimentos dos produtores; fixação das populações em seus locais de origem; respeito dos consumidores; e privilégio da qualidade em detrimento da quantidade. A autora aponta, ainda, que as indicações geográficas podem beneficiar o local delimitado e os consumidores. Ao nível local, verifica-se que uma indicação geográfica gera postos de trabalho qualificados e garante a sobrevivência das gerações actuais e futuras. Em relação aos consumidores, os benefícios estão na manutenção da qualidade dos produtos com origem comprovada e na singularização frente a produtos correntes no mercado globalizado.

Vilela (2008) considera que, com a produção restrita a uma área geográfica demarcada e protegida, as pequenas e médias empresas especializadas em produtos locais e tradicionais correm menos risco de serem afectadas por grandes corporações multinacionais que oferecem produtos padronizados e dispostos a atender as necessidades dos consumidores12. Os produtores locais, por meio de seus produtos diferenciados, de qualidade e identificados com indicação geográfica, conseguem obter um preço a mais no mercado. Portanto, há benefícios também para os produtores. A autora relata que a indicação geográfica é importante para proteger, ainda, o saber fazer porque o produto e seu local de produção passam a ser relacionados à geografia e à cultura13.

Promover as indicações geográficas causa impactos consideráveis na região protegida, tais como desenvolvimento da economia e do turismo local (Battistelli 2005; Ascensão 2009; Vittori 2010); valorização das propriedades e imóveis localizados na área delimitada (Battistelli 2005; Kakuta et al. 2006); e possibilidade de inserção do produto no

11 Este entendimento vai sustentar o que já foi dito por Ascensão (2009) sobre o sistema de protecção dos

direitos relativos à propriedade industrial: não foi estruturado para atender as necessidades dos países em desenvolvimento.

12 Sobre a protecção dos pequenos e médios produtores frente às grandes corporações, quando aqueles detêm

uma indicação geográfica, ver também Bowen (2010).

13 O saber fazer, considerado tradicional, pode ser protegido por indicação geográfica e representar uma

ferramenta para defender os interesses das comunidades locais. Todavia, é preciso atentar para que a protecção conferida não venha a descaracterizar os aspectos culturais e sociais dos detentores (Adiers 2002). Quando se trata de proteger o saber fazer por meio de indicação geográfica, Battistelli (2005) entende que devem ser incluídas as diversas formas de artesanato.

mercado internacional (Kakuta et al. 2006; Locatelli 2007). Logo, é possível perceber que alguns autores reconhecem que as indicações geográficas permitem a valorização do produto, do local de origem e das pessoas envolvidas na produção. A pergunta que se faz, oportunamente, é a seguinte: como tal sucesso consegue ser obtido?

Segundo Locatelli (2007), para que melhor sejam aproveitados os benefícios do sistema de protecção por indicações geográficas, é fundamental haver uma efectiva protecção jurídica aos titulares e consumidores, tanto no contexto nacional quanto no internacional. A autora também acredita na importância do apoio de instituições para buscar as potenciais indicações geográficas no país, prover informações aos produtores e incentivar a mobilização dos mesmos. Ascensão (2009) divide este mesmo entendimento quando expõe que o surgimento de uma indicação geográfica depende de estruturação interna, do ponto de vista normativo e organizativo.

Há uma preocupação por parte de Rodrigues e Menezes (2000), quando revelam que a matéria ainda não é de pleno conhecimento de muitos produtores e prestadores de serviço. Isso se explica diante dos poucos pedidos de indicação geográfica existentes à época. Os autores destacam que não havia, no Brasil, uma cultura de protecção dos produtos e serviços nacionais por meio do reconhecimento oficial das indicações geográficas. Eles vão relatar, também, que é fundamental saber delimitar com precisão o local a ser protegido pela indicação geográfica e atentar para que o nome geográfico não se tenha tornado um termo genérico ou descritivo do produto ou serviço.

Lages e Braga (2005) reconhecem que, para evitar a banalização do uso de nomes geográficos para qualquer produto ou serviço, é necessário haver, também, maior interface entre os órgãos que possuem papel relevante em matéria de indicações geográficas no Brasil. Os autores destacam alguns deles, quais sejam: os já mencionados INPI e IPHAN, além do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Neste sentido, Souza (2004) vai acrescentar que parcerias entre o empresariado, os órgãos classistas e o próprio governo são consideradas boas estratégias para o fomento das potenciais indicações geográficas no país.

É interessante notar a existência de um processo sinérgico, colectivo e participativo quando a qualidade dos produtos é remetida a determinado local de origem. Chega-se a esboçar um verdadeiro círculo virtuoso, que se caracteriza pela divisão nas cinco partes a seguir (Vandecandelaere et al. 2009):

1ª) Identificação da relação do produto com seu território de origem e com as pessoas envolvidas na produção;

2ª) Qualificação do produto por meio de regras de valorização e de preservação dos recursos locais, quais sejam naturais e humanos;

3ª) Remuneração do produto relacionada a estratégias de marketing e a gestão do sistema local, de modo a cobrir os custos de produção e garantir uma margem de lucro;

4ª) Reprodução dos recursos locais, incluindo-se preservação e renovação, para garantir a sustentabilidade da actividade;

5ª) Apoio dos actores públicos em quaisquer etapas do círculo, por meio de políticas públicas e parcerias institucionais.

No que se refere ao Brasil, parece que uma região vem conseguindo êxito em todas as fases do círculo virtuoso: é o Vale dos Vinhedos, localizado no estado do Rio Grande do Sul, que foi a primeira indicação geográfica do país concedida pelo INPI. A modalidade de indicação geográfica requerida, à época, foi a indicação de procedência. Em 2002, houve o reconhecimento da tradição na produção de vinhos finos de qualidade no Vale dos Vinhedos. Os produtores dos vinhos, que passaram a ser titulares da indicação de procedência, formaram uma associação que no regulamento de uso definia as condições necessárias para garantir a qualidade do produto. Houve alguns ganhos para a região, tais como: maior aceitação de seus vinhos no mercado interno; geração de empregos, permitindo a fixação da população rural; aumento dos rendimentos; valorização imobiliária; e desenvolvimento de actividades lucrativas como o turismo e a gastronomia (Tonietto e Milan apud Locatelli 2007: 238-239).

Como esta dissertação tem por objecto um produto do artesanato brasileiro, é importante dizer que o país ainda não possui tradição no reconhecimento de indicações geográficas neste segmento de mercado14. Em contraposição, o mesmo não ocorre na Índia: em estudo realizado por Das (2009) sobre as implicações socioeconómicas das indicações geográficas naquele país, verificou-se que até Agosto de 2009, das 106 indicações geográficas registadas, havia 73 registos para identificar produtos de artesanato. Isso equivale a cerca de 69% das indicações geográficas indianas, o que comprova a importância dada pelo povo à protecção do saber fazer artesanal, repassado por gerações e vinculado a um local de origem.

Ainda sobre a protecção de produtos do artesanato na Índia, Marie-Vivien (2011) relata que o país possui muitos produtos tradicionais. Todavia, a dificuldade é delimitar o território a ser protegido por uma indicação geográfica e identificar as pessoas que terão direito a usar o nome geográfico em seus produtos. Isso se deve ao facto de que o

14 Até o final de Agosto de 2011 existem doze indicações geográficas brasileiras registadas no INPI: dez

indicações de procedência e duas denominações de origem. Deve-se ressaltar que apenas um registo se refere a artesanato; os demais registos identificam produtos de outros segmentos de mercado (INPI 2011).

conhecimento está espalhado por diferentes localidades na Índia. Questiona-se o seguinte: se os artesãos mudarem de território, o nome geográfico vai continuar a acompanhar seus produtos? A autora entende que o saber fazer é colectivo e, se a comunidade vier a ocupar nova área geográfica, o regulamento de uso da indicação geográfica deve ser explícito em considerar as relações histórico-culturais. Logo, havendo necessidade de migração dos artesãos, o saber fazer permanece, transformando-se e adaptando-se ao novo local.

Uma vez conhecida a realidade na Índia em relação às indicações geográficas para artesanato, é preciso mencionar que os primeiros passos foram dados recentemente no Brasil. Além do registo da primeira indicação geográfica para artesanato15, na modalidade de indicação de procedência, já tramitam no INPI outros dois pedidos nesta mesma modalidade16 (INPI 2011). Os signos distintivos, que poderão acompanhar os produtos que forem elaborados em conformidade com os respectivos regulamentos de uso, podem ser observados nas figuras seguintes:

Figura 7. Representação gráfica da primeira indicação geográfica brasileira para artesanato (Fonte: INPI 2011)

Figura 8. Representação gráfica de pretensas indicações geográficas brasileiras para artesanato (Fonte: INPI 2011)

15 Região do Jalapão do estado do Tocantins: para assinalar artesanato em capim dourado.

CAPÍTULO II

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