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Embora o stalking não se encontre previsto como conduta criminal no nosso quadro penal, algumas das características do fenómeno encontram-se devidamente criminalizadas pelos artigos atrás referidos, pelo que nos parece viável e justificada a adopção de um método de intervenção que tenha como característica principal a sua exequibilidade.

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As várias instituições policiais envolvidas no combate ao fenómeno terão de abraçar uma filosofia que promova a segurança das vítimas e, ao mesmo tempo, consiga promover a condenação dos perpetradores. Isto terá de implicar uma predeterminação para agir em duas frentes distintas mas intrinsecamente relacionadas. Primeiro, terá de existir a “boa vontade” de partilhar e de trabalhar conjuntamente com as restantes instituições sociais envolvidas, de forma a poder maximizar conhecimentos e práticas importantes nas primeiras acções a executar. Em segundo lugar, será necessária a realização de um estudo que possa contribuir para a necessária reestruturação interna das instituições policiais, por forma a estabelecer novas práticas policiais menos burocráticas e mais céleres na sua aplicação.

Em suma, no combate a este fenómeno, comprovadamente destruidor da paz individual e social, será necessário ultrapassar barreiras como a eliminação de rivalidades internas, falta de colaboração e deficiente comunicação entre as diversas patentes, contribuindo todos os envolvidos proactivamente para a obtenção de práticas mais eficientes.

Não obstante o apelo à colaboração de todos, seria necessária a existência permanente de uma liderança policial, que seja claramente determinada, evitando-se possíveis “descarrilamentos” entre as acções e os agentes envolvidos. Os supervisores, comandantes locais e altos comandos terão de ser conhecedores destas regras básicas para que possam contribuir para a sua correcta aplicação. Estes terão de ser capazes de identificar precocemente os problemas que possam surgir, intervindo desde logo (Scott, M.S, 2000).

Assim sendo, e não descurando a ideia de que uma intervenção célere e eficaz terá obrigatoriamente de passar por um espírito de partilha com a comunidade, resolvendo os seus problemas, transformando preconcepções e preconceitos, por vezes dos próprios polícias, capacitando os agentes da “linha de frente”, formando-os e fornecendo-lhes todos os meios necessários, descentralizando o poder, reduzindo as instâncias burocráticas e encorajando e valorizando formas de resolução das situações que se mostrem inovadoras e práticas, parece-nos que, numa primeira fase, o agente que combata o fenómeno do stalking se vai

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confrontar com um conjunto de desafios, motivados pela dificuldade em identificar, investigar, avaliar e prevenir a conduta do stalker (NCVC, 2002).

- O fenómeno do stalking não é uno, linear, directo nem fácil de identificar. Este consiste, frequentemente, numa combinação de condutas criminais e, dependendo do contexto, não criminais, dificultando a identificação e a intervenção. Na prática, e perante determinados episódios, as pistas serão escassas, tornando a identificação dos actos muito mais difícil.

- O impacto do stalking na vítima. O medo/receio da vítima determinará o seu relato, podendo constrangê-lo, afectando, dessa forma, o curso da investigação e determinando também a sua tipificação penal.

- Os comportamentos do stalker são complexos, variados e imprevisíveis. Estes comportamentos assumem várias formas, podendo tornar os vários episódios semelhantes, ou, por vezes, completamente diferentes entre si. Torna-se difícil ser assertivo na intervenção, quando o comportamento escala até episódios de violência física grave, limitando-se, por vezes, a tipificação ao acto mais violento fisicamente e, por isso, mais facilmente observável.

- Não existe um padrão único e estandardizado de perfil de um stalker que possa servir de base ao trabalho dos investigadores. O perpetrador pode ser alguém intimo da vítima ou, pelo contrário, ser um simples desconhecido. O seu comportamento pode ser motivado por sentimentos variados, como a raiva, a vingança, o ciúme, o amor irracional, fantasias ou delírios. Este tanto pode ser um indivíduo já com cadastro, como um "cidadão exemplar".

- No contexto da violência doméstica, a investigação do stalking pode facilmente ser encoberta por manifestações mais visíveis no quadro desta ofensa. O stalking pode parecer insignificante quando associado a ou integrado em situações de violência doméstica, sobretudo as de violência física inseridas neste quadro. O tratamento e investigação do stalking podem ser, por isso, negligenciados.

- A investigação efectiva do stalking depende da recolha de informação de muitas fontes, preconizando-se o “grande plano”. Tal como acontece nos puzzles mais complexos, todas as peças (pistas) devem encaixar para formar "uma

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imagem de grande plano", de forma a identificar-se o fenómeno, resolvendo-o e/ou prevenindo-o.

- O perpetrador pode ter cometido crimes em diferentes locais, encontrando-se a sua investigação a decorrer em diferentes jurisdições. A vítima pode morar num determinado local, trabalhar ou estudar noutro, e procurar ajuda noutro. Se o stalker ameaçar terceiros ou vandalizar as suas propriedades, vários nomes irão constar nas diferentes participações, tornando mais difícil a separação dos incidentes e a sua correcta tipificação criminal.

- O stalker não é facilmente dissuadido das suas intenções. Os perpetradores de comportamentos de stalking tendem a ser obsessivos, mesmo que existam sanções severas para o seu comportamento. Alguns, mesmo depois de condenados e de terem cumprido as suas penas, continuam a perseguir e assediar as suas vítimas. A ameaça de intervenção policial, ou a sua efectiva concretização, não serão, portanto, garantias, de per si, da segurança da vítima. - A segurança da vítima é sempre prioritária. Existe sempre o risco de o comportamento do stalker se tornar insuportável, podendo escalar para episódios de violência física que redundem no homicídio. Durante o decurso do processo judicial, e na sequência das várias intervenções judiciais necessárias, o stalker pode iniciar uma escalada de comportamentos agressivos. Todas as intervenções devem ser devidamente monitorizadas, avançando passo a passo, de forma a não colocar em causa a segurança das vítimas.

3 - Procedimentos

Fazendo uso dos conhecimentos já adquiridos no Nacional Center for Victims of Crime (NCVC, 2002) e após a necessária adaptação das metodologias por este indicadas, fruto do também já citado vazio legal existente em Portugal relativamente a este fenómeno, enumeramos de seguida um conjunto de linhas orientadoras, procurando-se facilitar e valorizar o trabalho dos investigadores portugueses.

Página 73 3.1 - Princípios Básicos

Um reconhecimento o mais precoce possível do “potencial” e da perigosidade do stalking torna-se fulcral na intervenção (NCVC, 2002). Muitos dos casos, a nível internacional, em que estiveram presentes comportamentos típicos de stalking, cedo chegaram ao conhecimento das entidades policiais, o que originou apropriadas intervenções anti-stalking que conseguiram interromper a conduta do perpetrador, antes que a escalada de gravidade dos comportamentos culminasse em situações de extrema violência, como o homicídio.

Infelizmente, esta não é a realidade em todas as situações, sendo que, em alguns casos, só tardiamente as actividades do stalker se tornam conhecidas das autoridades. Alguns destes casos só chegam às polícias ou mesmo aos tribunais depois de serem cometidas graves ofensas, quer psicológicas, quer físicas, o que facilmente traduz o risco iminente a que as vítimas se encontram sujeitas.

Neste sentido, desde os primeiros passos da intervenção, deverá estar sempre presente a noção primordial da necessidade de assegurar a segurança da vítima, devendo todos os passos ser tomados com o máximo cuidado. Neste momento, também todas as reacções das vítimas terão de ser monitorizadas, para que esta não se coloque em situação de poder sofrer represálias. Por outro lado deve estar sempre presente que os stalkers não são todos iguais, tornando-se, frequentemente, imprevisíveis.

Tendo em conta que as vítimas vivem em constante sobressalto e com um intenso medo, torna-se, por vezes, difícil fazer uma correcta avaliação de alguns dos casos, sendo que uma das características deste fenómeno é o silêncio das vítimas. Paralelamente, constata-se que um dos maiores aliados do stalking é a violência doméstica, também ela marcada pelo medo e pelo silêncio das vítimas, e de difícil detecção, dado o espaço reservado das ocorrências (Idem).

Finalmente, convém relembrar que, na legislação penal portuguesa, o stalking não se encontra previsto como conduta criminosa, pelo que, em todo o momento, os diversos agentes deve ter presentes duas noções que podem

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parecer antagónicas, mas que, pelo contrário, neste contexto, se complementam: por um lado, estes devem ter a noção de que, embora o stalking não exista como conduta criminosa, ele existe como conduta reprovável na vida em sociedade, sendo a razão da destruição de inúmeras vidas. Por outro lado, devem estar perfeitamente elucidados sobre o tipo de condutas que podem ser parte integrante do todo que é o stalking, sendo que essas condutas, sim, estão tipificadas como crime.

Enquanto a conjuntura legislativa não se alterar, embora o stalking não possa ser combatido, em si, como conduta criminosa, ele poderá ser combatido em função dos crimes pelos quais é constituído. Desta feita, os nossos agentes passarão a dar importância primordial aos crimes já indicados, como sejam as ameaças, coação, ofensas, etc.