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Liquidação, execução e rediscussão da coisa julgada

4.2 A coisa julgada coletiva passiva

4.2.5 Liquidação, execução e rediscussão da coisa julgada

275 GIDI, op. cit., 2008, p. 345. 276 Ibidem, pp. 353-354.

277 ZUFELATO, Camilo. Ação coletiva passiva no direito brasileiro: necessidade de regulamentação.

Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, ano 18, n. 69, 2010, p. 203.

278 GIDI, op. cit., 2008, pp. 353-354. O autor identifica esse uso indevido das ações coletivas passiva como “demandas coletivas propostas por emboscada”.

Estabelecida nossa posição acerca da conveniência de um regime jurídico simples e amplo de formação da coisa julgada coletiva passiva, passamos ao exame de algumas particularidades da liquidação e da execução no processo coletivo passivo.

Como se viu, para a condução de ações coletivas passivas, não é conveniente considerar a classificação tradicional de direitos coletivos consagrada pelo CDC. É no caso concreto, por meio do gerenciamento judicial da ação coletiva, que o juiz verificará as particularidades da situação controvertida. Essa máxima se desdobrará para as fases de liquidação e execução.

Em provimentos jurisdicionais que tenham como objetivo sujeitar a coletividade a um comando injuntivo, a decisão judicial deverá ser líquida. Assim como acontece no processo coletivo tradicional, a sentença deverá ser clara, determinando quem

deve se submeter à decisão judicial (qual coletividade) e qual comportamento (positivo

ou negativo) deve ser adotado. Ressalte-se que não é necessário que o magistrado identifique cada um dos membros da coletividade a ser vinculada pela sentença. A ordem deverá ser genérica, vinculando todos os membros que compõem o grupo-réu. Assim, em uma ação de dissídio de greve no serviço público o juiz, quando da concessão de um provimento liminar, deve delimitar os seguintes parâmetros: a quem essa antecipação atinge, deixando claro a abrangência da categoria de servidores que terá o exercício do direito de greve limitado; e o comportamento a ser adotado, tanto pelos indivíduos, como pelas entidades de classe que os representam.

As hipóteses de ações coletivas passivas que pretendem impor obrigações de fazer e não fazer são as mais comuns, dispensando, em regra, liquidação posterior279.

Com efeito, o juiz poderá observar que o caso concreto, muito embora seja melhor tutelado através da molecularização do litígio, necessitará da individualização de certas circunstâncias. Mesmo nas ações acima referidas, em razão do descumprimento de um comando judicial, podem surgir obrigações aptas a serem particularizadas.

279 Alguns exemplos de ações coletivas passivas que visam a impor uma obrigação de fazer ou não fazer: ações possessórias, ações de dissídio de greve, ações de violação de patentes, dentre outras.

Nesse caso, o autor da ação deverá promover a liquidação da sentença genérica de modo a individualizar a ordem judicial. Essa necessidade de liquidação se dará, na maioria das vezes, quando a situação coletiva passiva tratar de obrigação de pagar quantia.

No que tange à execução, quando esta derivar de obrigação de fazer, terá o juiz amplos poderes para submeter a coletividade, de forma abrangente, ao comando judicial específico280. Esses poderes, diante do alcance da coisa julgada coletiva

passiva, podem alcançar, inclusive, a esfera privada dos componentes do grupo-réu. A execução pode ser coletiva, coagindo-se o representante do grupo; individual, atingindo-se cada membro da coletividade; ou ambas, concomitantemente. O caso concreto dirá qual a melhor opção.

Assim sendo, quando da execução de um provimento jurisdicional coletivo passivo consubstanciado em obrigação de fazer ou não-fazer, o juiz não estará adstrito à imposição de medidas coletivas para fazer valer a autoridade da sua decisão. Poderá, também, determinar providências que vinculem os próprios indivíduos representados na ação.

Nesse sentido, trazemos decisão liminar interessante proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Tratava-se de ação coletiva passiva ajuizada pela União para impedir a deflagração de movimento grevista pelos servidores do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, em pleno ano eleitoral.

Na decisão, o Desembargador Federal Cotrim Guimarães proibiu a deflagração da greve, cominando “[...] multa diária de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ao Sindicato réu, inclusive sob regime de solidariedade com cada Servidor que venha a

desobedecer a decisão[...]” (grifo nosso).281

Não satisfeito em coagir o “sindicato réu”, o magistrado pretendeu alcançar cada um dos servidores que viessem a descumprir a decisão liminar. Essa preocupação com a efetividade do provimento jurisdicional revela-se adequada. A

280 Em termos análogos aos dispostos no art. 84 do CDC e parágrafos.

281 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Processo n°0024661-33.2014.4.03.0000. Decisão tomada pelo Desembargador Cotrim Guimarães em Plantão Judicial. Data da decisão: 28/09/2014.

solidariedade mencionada na decisão deriva da indivisibilidade da situação coletiva passiva tutelada.

Na demanda, a possibilidade de impor comportamentos e sanções diretas aos membros da classe de servidores, advém das circunstâncias de que o grupo é o verdadeiro titular da situação coletiva passiva discutida em juízo e está presente na relação processual. Imagine-se a situação em que o sindicato é impedido de deflagrar greve, mas os servidores, alegando não estarem sujeitos à autoridade da decisão, julguem estar livres para abandonar seus postos de serviço.

Outra decisão que alcançou diretamente os membros da coletividade-ré foi a proferida no processo de n° 5009815-02.2015.4.04.7100/RS da 1ª Vara Federal de Porto Alegre/RS. Na oportunidade, o juízo deferiu medida liminar pleiteada pela União em interdito proibitório para:

[...] determinar às pessoas, representantes e manifestantes de qualquer movimento social, de caminhoneiros ou não, a serem identificados pelo Oficial de Justiça, que se abstenham de bloquear ou obstaculizar por qualquer meio o leito da rodovia BR 116, KM 397,8, no município de Camaquã, ou qualquer rodovia federal sob jurisdição desta Subseção Judiciária de Porto Alegre, devendo a Polícia Rodoviária Federal garantir a trafegabilidade no leito das estradas. Desde já fixo a pena de multa em caso de descumprimento no valor de R$ 5.000,00 por hora de ocupação da rodovia. 282

O provimento jurisdicional impôs um comportamento negativo aos representantes dos movimentos sociais, aos manifestantes representados, e a qualquer pessoa que estivesse bloqueando as estradas federais. A respectiva multa fixada pelo descumprimento também teve ampla abrangência. O alcance pretendido

282 BRASIL. 1ª Vara Federal de Porto Alegre/RS. Ação n° 5009815-02.2015.4.04.7100/RS. Juíza Marciane Bonzanini. Data da decisão em 24/02/2015. É interessante mencionar que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região deu provimento ao agravo de instrumento da União para estender os efeitos decisão antecipatória a todo o estado do Rio Grande do Sul. Na oportunidade, o tribunal consignou que: “No caso em exame, é público e notório que, além de já estarem obstruídas em diversos pontos (em relação aos quais já há ação judicial própria intentada pela Advocacia Geral da União), diversas outras rodovias federais em todo o Estado do Rio Grande do Sul se encontram na iminência de interrupção do fluxo de veículos. Aí reside, justamente, a imprescindibilidade da extensão dos efeitos da decisão proferida pela ilustre Juíza Federal Substituta, de modo a, por um lado, coibir a ocorrência de novos transtornos e, de outro, evitar a necessidade de ajuizamento de dezenas de ações idênticas.” (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento n° 5007416-57.2015.404.0000/RS. Relator: Luís Alberto de Azevedo Aurvalle. Decisão monocrática. Data da decisão: 27/02/2015). Tendo em vista bloqueios efetuados por caminhoneiros em diversas estradas do país em razão do aumento do preço do diesel, dezenas de liminares foram deferidas nesse mesmo sentido.

com a referida decisão é compatível com os objetivos e com a efetividade inerente ao tipo de tutela requerida pelo ente público.283

A execução de obrigações de pagar quantia, seja em razão do descumprimento de obrigação injuntiva, seja em razão da própria natureza da situação coletiva passiva originária, poderá necessitar ser individualizada. Caso não seja possível executar coletivamente o grupo, providência, em tese, mais fácil, o cumprimento da decisão poderá ser imposto diretamente aos membros do grupo.

Quanto à possibilidade de rediscussão da coisa julgada coletiva passiva, uma vez que esta tem amplo alcance em relação aos membros da coletividade, pensamos ser coerente uma concepção restritiva.

Em eventual defesa individual, o magistrado deverá admitir a alegação de matérias próprias à fase de execução, além da ausência de representação adequada do grupo, haja vista tratar-se de vício relacionado à impossibilidade de constituição e desenvolvimento válido da ação coletiva passiva. Somando-se a isso, o indivíduo executado sempre poderá provar que não faz parte da coletividade condenada.284

4.2.6 Propostas dos Códigos de Processos Coletivos para a coisa julgada coletiva