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III. Da Responsabilidade Civil

11. Liquidatários

Questão que também se revela importante a propósito da garantia dos créditos laborais é a que resulta da liquidação da sociedade, prevista nos arts. 146.º a 165.º CSC, e que respeita ao período após a sua dissolução e antes da sua total extinção. Enquanto processo, a dissolução implica o respeito pelos interesses envolvidos, maxime dos credores – onde, como vimos, se integram os trabalhadores – assumindo importância máxima o cumprimento dos deveres dos liquidatários enquanto tais, cfr. arts. 151.º e 152.º. Em caso de incumprimento, dispõe a lei (art. 152.º/1) que estes são responsáveis nos mesmos termos que os membros dos órgãos de administração, o que significa que será de aplicar os arts. 78.º e 79.º234. Igualmente importante é a norma de protecção prevista no art. 158.º/1, que acautela de forma incontestável a posição jurídica dos trabalhadores com créditos por liquidar, prevendo de forma expressa a responsabilidade pessoal dos liquidatários culposos235.

É certo que está em causa a situação específica de liquidação de uma sociedade, no entanto cumpre lembrar que também neste contexto se configura susceptível uma responsabilidade pessoal236 com o propósito de pagar os créditos laborais – mesmo não estando expressamente prevista no artigo 335.º CT237.

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Note-se que ao contrário do que ficou exposto relativamente aos gestores de direito, aqui poderá questionar-se se, no limite, não haverá co-responsabilidade por parte da própria sociedade, caso os sócios conhecessem a situação – e por exemplo a falta de discernimento do sujeito em questão – e nada tenham feito para o impedir a situação.

Quanto à responsabilidade dos outros gestores de direito, esta parece ser clara, em especial no caso do gerente/administrador aparente e na sombra.

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Sobre esta questão, vd. MIRCÉA DELGADO, Dissolução e liquidação das sociedades comerciais, in RDS, ano II, n.º 1-2, 2010.

234

Não obstante, ANTONIO FERNANDES DE OLIVEIRA integra os liquidatários no conceito indeterminado do art. 80.º (cfr. ob. cit. 2008, p. 335).

235

Sem prejuízo de eventual direito de regresso sobre os sócios, casa tenham agido com mera culpa (cfr. n.º 2).

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Apesar de se reconduzir, em regra, aos mesmos sujeitos a que o artigo 335.º CT faz referência – os gestores

societários, cfr. n.º 1 do art. 151.º CSC –, trata-se de uma responsabilidade enquanto liquidatários e não

enquanto gerentes ou administradores.

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Na esteira do que temos visto acontecer em relação a outras situações específicas, também aqui a rejeição da interpretação extensiva que permita integrar na ratio do art. 335.º a responsabilização dos liquidatários se revela irrelevante, na medida em que os preceitos supra mencionados valem por si.

82 12. Membros de órgãos estatutários

Para além dos órgãos sociais típicos – obrigatórios ou facultativos – é possível criar órgãos sociais estatutários238. A existirem, será possível configurar-se uma responsabilidade dos seus membros nos mesmos termos em que respondem os gerentes e administradores, recorrendo, para isso, ao artigo 80.º do CSC enquanto norma de extensão? A pergunta é relevante na medida em que poderá ser mais uma porta que é aberta para efeitos de garantia do cumprimento dos créditos laborais, na medida em que permitirá o acesso ao património pessoal dos membros dos mesmos.

Apesar de alguns autores entenderem que sim239, somos forçados a rejeitar essa possibilidade. Em causa está a tipicidade que recai sobre os diversos órgãos sociais legalmente previstos que, apesar de não determinar a inadmissibilidade de se constituírem estatutariamente órgãos facultativos240, impede que a estes sejam atribuídas competências legais próprias do órgão de administração e representação ou de fiscalização241. Significa isto que as normas relativas às competências específicas dos órgãos legalmente previstos funcionam como obstáculo, não sendo possível configurar casos em que a amplitude, características e efeitos das competências estatutariamente atribuídas se demonstrem suficientes242 para colocar em causa o cumprimento dos créditos dos trabalhadores da sociedade. Em causa estarão, em princípio, apenas funções essencialmente consultivas não vinculativas.

Face ao exposto, podemos, porém, pensar em duas situações em que se poderá responsabilizar os membros do órgão em causa. A primeira prende-se com uma eventual responsabilidade por conselhos e recomendações nos termos gerais do n.º 2 do art. 485.º CC243. A segunda, caso se

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Vd. PAULO OLAVO CUNHA, ob. cit. 2012, p. 488.

239

No âmbito do regime anterior ao CSC, RAÚL VENTURA/BRITO CORREIA (cfr. ob. cit. 1970, p. 405). Já à luz do regime actual, PUPO CORREIA (cfr. ob. cit. 2001, p. 676).

Era frequente na prática estatutária nacional, na vigência do DL n.º 49.381, a previsão de um “conselho geral” ou “conselho de gerência” nas SA, que acabavam por repartir competências com o conselho de administração. Já na época a doutrina duvidava da licitude desse órgão. Hoje não há qualquer dúvida, dada a imperatividade da lei societária na distribuição de competências pelos órgãos sociais. Sobre esta questão, vd. ELISABETE RAMOS, ob. cit. 2002, p. 179.

240

Cfr. PAULO OLAVO CUNHA, ob. cit. 2012, p. 490.

241 Cfr. GONÇALO MENESES, ob. cit. 2011, p. 1117; PAULO OLAVO CUNHA, ob. cit. 2012, p. 489. 242

Por não comportarem a margem de discricionariedade e o poder de decisão (e as consequências que daí possam advir) que estão subjacentes aos órgãos legalmente típicos de administração e fiscalização, e que são, em bom rigor, o fundamento da responsabilidade prevista no art. 72.º e ss CSC.

243

Dada a natureza contratual do dever jurídico em causa, o montante da indemnização apenas pode assegurar os créditos laborais de forma indirecta, uma vez que vai integrar o património social. Sobre esta responsabilidade, Vide. SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, Coimbra, 1989.

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conclua que os membros do órgão consultivo actuam, na verdade, enquanto verdadeiros gestores de facto, mais concretamente enquanto shadow directors ou de forma aparente.

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