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IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. OMS – Organização Mundial da Saúde.

ONU – Organização das Nações Unidas. WHO – World Health Organization.

INTRODUÇÃO

Por muito tempo, o Brasil foi reconhecido como sendo um país jovem (Oliveira e Oliveira, 2007, p. 115; Debert, 2012, p. 199) – tanto na sua história, com pouco mais de 500 anos desde que os portugueses aqui (lá) chegaram pela primeira vez, como no perfil de sua população. Ao longo do século XX, com altas taxas de natalidade e expectativa de vida não excedendo os 65 anos, a população do país era, de fato, muito jovem, conforme apontam os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Essa descrição, no entanto, vem sendo gradativamente distanciada da realidade, com o recente envelhecimento da população percebido nos últimos recenseamentos: a redução nos índices de natalidade e a expectativa de vida aumentada geram um contingente de idosos mais expressivo. O processo, que se iniciou nas regiões com mais concentração urbana e índice de industrialização (Sul e Sudeste do país), fará com que o número de pessoas acima dos 60 anos no país passe de aproximadamente 24 milhões de pessoas em 2015 para mais de 66 milhões em 2050, conforme estimativas do governo do país (Simões, 2016).

Esse processo vem acontecendo de forma diversa do que ocorreu na Europa e em alguns países asiáticos, os quais, ao longo do século XX, viram sua população envelhecer lentamente, conforme apontam Rosa (2016) e outros autores. Por consequência, surgem demandas por políticas públicas e por ações da iniciativa privada específicas para esse novo perfil da população da terceira idade (que, no Brasil, corresponde às pessoas a partir dos 60 anos), que podem ser semelhantes a algumas que já ocorrem nesses outros países.

O conceito de envelhecimento é algo que exige uma cuidadosa observação. São muitas as abordagens que buscam compreendê-lo.O contexto atual é de um crescente número de estudos e discussões sobre os mais diversos temas relacionados ao envelhecimento, que incluem teorias que explicam o fenômeno, análises demográficas, avaliação e propostas de políticas públicas, aspectos relacionados aos papéis sociais dos

idosos, comportamentos de consumo e mercado voltado a essa faixa etária, além da presença do envelhecimento e das pessoas idosas nos meios de comunicação. Assim,

a conspiração de silêncio em torno da velhice, denunciada por Simone de Beauvoir em 1970, foi aos poucos sendo substituída por uma crescente produção discursiva sobre o envelhecimento na ciência, nas políticas públicas e no meio social. Transformada em problema, a velhice ganhou visibilidade por conta de uma série de fatores, mas a questão do envelhecimento mundial talvez tenha sido o maior propagador da necessidade de intervenção nessa faixa etária (Correa, 2009, p. 116).

Há outras questões que surgem quando se observa essa mudança demográfica e suas consequências, que vêm nos inquietando há alguns anos e serviram como motivação inicial para o desenvolvimento deste estudo. A observação dessa realidade em que a terceira idade é desvalorizada sob tantos aspectos no Brasil acabou por nos levar a buscar compreender, sob o ponto de vista mercadológico, como se dão as interações sociais e quais os interesses e os hábitos de pessoas nessa faixa etária: em 2016, iniciamos um projeto, que está inativo atualmente, com o intuito de oferecer atividades de convivência social – cursos, workshops, oficinas, viagens e outras – para a terceira idade. Naquela época, participamos também do Lab60+, iniciativa criada no Brasil, a partir de uma comunidade virtual, com a proposta de ser “um movimento de pessoas e organizações, para revolucionar o significado da longevidade” (Lab60+, 2017). A essa motivação profissional vem se somar uma motivação social, a de que este estudo possa contribuir com reflexões junto ao mercado publicitário em relação aos temas relacionados à terceira idade.

Considerando esse cenário, esta pesquisa tem como objetivo geral compreender como a publicidade retrata o envelhecimento no Brasil. A partir desse objetivo, a questão-problema que orienta este estudo é assim formulada: de que formas a terceira idade é retratada em campanhas publicitárias no Brasil no fim da segunda década do século XXI?

Na busca por responder a essa questão, a pesquisa terá como objetivos específicos:

a) Realizar um levantamento de campanhas publicitárias que retratem pessoas da terceira idade ou famílias que incluam pessoas da terceira idade, ou elementos que permitam identificá-los como direcionados ao público da terceira idade.

b) A partir de estudos realizados por outros autores, criar categorias para as formas como as pessoas da faixa etária em questão são retratadas, verificando quais dessas categorias concentram as maiores quantidades de casos.

c) Compreender se existe e como se dá a presença de estereótipos em relação ao envelhecimento, por meio da análise dos materiais selecionados.

d) Identificar características nos idosos retratados nos materiais selecionados, que permitam buscar recorrências entre os materiais de cada uma das categorias, para assim estabelecer inferências e aprofundar o entendimento das formas como as marcas os retratam.

e) Fornecer subsídios para a reflexão por parte de acadêmicos e de profissionais de planejamento e criação de campanhas publicitárias, ao considerar formas de retratar pessoas idosas nesses materiais.

Levando em conta todo o contexto aqui apresentado, são consideradas algumas hipóteses, que buscaremos verificar. A primeira delas foi levantada a partir de autores que serviram como base para este projeto, os quais apontam a dificuldade que as marcas têm em considerar idosos entre seus públicos-alvo e em incluí-los em sua comunicação: trata-se da invisibilidade dos idosos na publicidade no Brasil.

Uma segunda hipótese foi levantada a partir de um estudo exploratório prévio1, com questionários e grupos focais com pessoas a partir dos 60 anos, cujos resultados mostraram que as pessoas dessa faixa etária não se consideram idosas e que não reconhecem as iniciativas voltadas à terceira idade como sendo adequadas para elas. A hipótese é de que a publicidade frequentemente retrata as pessoas da terceira idade de maneira estereotipada. Essa hipótese traz um desdobramento: o de que os estereótipos negativos, por existirem desde há muito tempo (Beauvoir, 1970; Limón Mendizábal, 1997), seriam mais presentes e menos sutis do que os positivos.

Por fim, estabelecemos uma terceira hipótese, que denominamos hipótese da adequação da mensagem ao público. No desenvolvimento de uma campanha publicitária, especialmente nas etapas de planejamento e criação, o conhecimento aprofundado do público-alvo é essencial para que a mensagem seja adequada e gere

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O estudo exploratório foi realizado em 2016, como parte de um projeto empreendedor realizado por nós, e que serviu como inspiração para o início deste projeto de doutoramento.

proximidade e identificação (Shimp, 2002, pp. 372-394; O‟Guinn, Allen e Semenik, 2008, pp. 200-225; Solomon, 2016, pp. 26-30; Belch e Belch, 2014, pp. 45-55). Os autores defendem que as pesquisas de mercado que são feitas nessa etapa do planejamento de uma campanha têm a finalidade de permitir conhecer profundamente esse público e se dirigir a ele de forma adequada – esse conhecimento pode ser aplicado por publicitários quando a campanha se destina à população da terceira idade ou a qualquer outro perfil de público. No entanto, quando um perfil de pessoas é retratado sem que seja o público a quem a mensagem se destina, consideramos que dificilmente haveria pesquisas usadas como base para a criação desses personagens. A hipótese da adequação da mensagem ao público considera que, quando a mensagem é direcionada aos idosos, as pesquisas auxiliariam para uma correta criação e produção dos personagens; quando o público-alvo da mensagem é outro, haveria mais chances de erros.

Neste estudo, optamos por padronizar as citações conforme o acordo ortográfico de 1990. Assim, trechos de obras antigas ou que não estavam adaptadas ao acordo, inclusive aquelas escritas conforme o português usado em Portugal, foram reescritos, para manter a unidade do texto. Para responder ao problema de pesquisa e testar essas hipóteses, o estudo se inicia com um capítulo sobre a nova terceira idade brasileira, abordando os principais conceitos e teorias relacionados ao envelhecimento – para além das explicações cronológicas e biológicas para o envelhecimento, teorias psicológicas se somam às sociológicas e às antropológicas, conforme Caldas (2007), Neri (2007), Papaléo Netto (2007), Batistoni e Namba (2010), Debert (2012) dentre outros. O capítulo aborda dos olhares clássicos (Cícero, 2006; Beauvoir, 1970) a conceitos mais atuais como os de Lipovetsky (2016) e Bruckner (2019), além da ideia de Envelhecimento Ativo, termo criado pela Organização Mundial da Saúde – OMS. O perfil demográfico da população brasileira é apresentado, bem como uma comparação com outras regiões geográficas (Portugal, representando realidades econômicas mais desenvolvidas; a região da África subsaariana, para caracterizar regiões economicamente menos desenvolvidas), para permitir a compreensão de como as políticas públicas buscam atender às demandas do envelhecimento da população.

O segundo capítulo trata do tema do envelhecimento inserido na Publicidade no Brasil. Para tanto, aborda o processo de elaboração de mensagens publicitárias, com um olhar específico para os processos de segmentação de público e o mercado voltado aos

idosos (Pinto, 1997; Schultz e Barnes, 2001; Shimp, 2002; Lupetti, 2007; O‟Guinn, Allen e Semenik, 2008; Belch e Belch, 2014; Solomon, 2016, Morace, 2018). Discute também o papel da publicidade como elemento capaz de reproduzir e influenciar construções sociais contemporâneas (Rocha, 2006). Em seguida é apresentado o conceito de estereótipo: são abordados os estereótipos na contemporaneidade, as formas como a publicidade faz uso desse recurso na criação e produção de personagens e, finalmente, a presença de estereótipos relacionados ao envelhecimento (Limón Mendizábal, 1997; Debert, 2003; Cabecinhas, 2004; Lysardo-Dias; 2007; Carrascoza, 2004). O capítulo é finalizado com perspectivas de diversos autores sobre o envelhecimento retratado pelos meios de comunicação (Brandão, 2007; Williams et al. 2010; Debert, 2012; Ylänne, 2014; Araujo et al., 2015, Barbosa, 2017). Ainda não há, no Brasil, estudos que tragam um olhar crítico às práticas publicitárias em relação a esse público quando ele não é o alvo principal das mensagens, e que orientem os profissionais da publicidade em relação às possíveis formas de retratar idosos. É por esse motivo que este trabalho pretende construir um referencial para que pesquisadores e profissionais da publicidade possam discutir e repensar suas práticas nos processos de planejamento e criação em relação a esse perfil etário.

O terceiro capítulo desta tese traz um estudo empírico que buscou verificar as hipóteses aqui apresentadas, na intenção de responder ao problema. Inicia com a apresentação da metodologia utilizada, para então apresentar as análises realizadas.

Para a definição dos métodos de pesquisa, optamos por dividir a pesquisa de campo em quatro partes, relacionadas diretamente aos objetivos específicos já apresentados, os quais são aqui retomados:

a) Para o objetivo de realizar um levantamento de campanhas publicitárias que retratem pessoas da terceira idade ou elementos que permitam identificá-los como direcionados ao público idoso, foi realizada uma coleta piloto entre os meses de outubro e novembro de 2017, selecionando todos os materiais localizados que preenchessem o requisito de mostrar pessoas idosas, independentemente da mídia; a seleção do corpus da pesquisa definitiva considerou mensagens publicitárias dos dez maiores anunciantes do Brasil nas redes sociais Facebook e YouTube (dada a impossibilidade de acessar todos os materiais veiculados na mídia convencional), publicados de julho de 2017 até junho de 2018.

b) Para criar categorias de análise, foram considerados os autores consul- tados na fase de revisão bibliográfica e estado da arte deste estudo, tendo como pontos de partida principalmente as pesquisas de Debert (2003), Williams et al. (2010), Ylänne (2014) e Limón Mendizábal (1997). A partir dessas categorias prévias, foram observadas e descritas as campanhas e peças selecionadas do corpus da pesquisa piloto, buscando identificar a características positivas, negativas ou neutras. Em seguida, foram estabelecidas novas categorias que correspondessem à diversidade identificada, e foi aplicada uma metodologia quantitativa para verificar quais dessas categorias concentram as maiores quantidades de casos. c) Para a compreensão da presença de estereótipos, aprofundando o

entendimento de quais aspectos eles apresentam, foi realizada a análise das campanhas selecionadas, usando uma combinação de elementos da análise documental, análise de conteúdo e análise de discurso.

d) Para aprofundar o entendimento das formas como as marcas retratam os idosos, foram identificadas características objetivas nos personagens idosos presentes nos materiais que compõem o corpus, a partir de estudos seme- lhantes feitos por outros autores. A observação dessas características objetivas permitiu chegar a novas inferências sobre esse objetivo específico.

e) Finalmente, a totalidade desta tese tem a intenção de fornecer subsídios para a reflexão por parte de acadêmicos e profissionais de planejamento e criação de campanhas publicitárias, ao considerar formas de retratar pessoas idosas nesses materiais.

A pesquisa busca ter relevância acadêmica porque, a partir do levantamento do estado da arte, em que são identificados os principais autores que discutem, no Brasil e em outros países, questões que relacionam publicidade e envelhecimento, é feito um extenso trabalho de pesquisa empírica. Além do cruzamento desses diversos olhares teóricos permitir estabelecer um método para a criação de categorias de análise próprias, o ineditismo e a relevância estão, principalmente, na abrangência do corpus coletado e analisado, que cobre as mais significativas marcas anunciantes no mercado brasileiro de publicidade. A pesquisa pretende, assim, contribuir para o entendimento mais amplo de como se dá a presença de idosos na publicidade no Brasil, com intenções de alavancar discussões entre acadêmicos e profissionais da área.