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Wolfgang Iser (2013) contribuí com uma discussão absolutamente esclarecedora sobre a relação da literatura com a realidade. Suas reflexões acerca da natureza ficcional dos textos literários, e da não-ficcional de textos que se relacionam com a realidade, apontam para um questionamento da oposição entre ficção e realidade. Esta oposição, segundo o autor, faz parte do nosso saber tácito, isto é, estamos tão seguros a respeito dessa certeza que ela torna-se evidente por si mesma. Porém, a certeza quanto à oposição entre ficção e realidade é irrefletida. O autor pergunta se os textos ficcionais são mesmo tão ficcionais, e se os textos não considerados assim, são de fato isentos de ficção.

Vivemos circundados por poderes imateriais, a saber, as obras literárias. Produzidas, há séculos, pela humanidade por “[...] amor de si mesma”. Lemos por deleite, elevação espiritual, ampliação dos próprios conhecimentos, ou por puro passa tempo, sem que ninguém nos obrigue a fazê-lo (com exceção das obrigações escolares). Os objetos literários são “imateriais” apenas pela metade, pois se encarnam em veículos que, por hábito, são de papel. Mas houve um tempo em que se incorporavam na voz, que recordava uma tradição oral, ou mesmo em pedra, e hoje discutimos o futuro dos e-books (ECO, 2003).

Velloso (1988, p. 260) defende que embora a literatura não seja um “documento histórico”, a obra literária

[...] não se indispõe com certos parâmetros da realidade objetiva. É por isso que a obra literária também pode oferecer um retrato de época. Ela recorre à história não na perspectiva de testemunho ocular ou repórter dos fatos, mas como intérprete. Capaz de recriar poeticamente a realidade. História como matéria inspiradora para a ficção, reinvenção da realidade.

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O mundo real é a matriz primordial e mediata da obra literária, mas a linguagem literária não se refere imediatamente a esse mundo, não o denota. Ela institui efetivamente uma realidade própria, um heterocosmo com estruturas e dimensões próprias. Não se trata de uma deformação do real, mas, sim, da criação de uma realidade nova que mantém sempre uma relação significativa com o real objetivo (SILVA, 1969). Assim, a realidade histórica do mundo rural goiano é a fonte inspiradora da “nova realidade” criada pela ficção bernardiana.

Para Oliveira, (2008, p. 78)

[...] a obra literária não é um ente imaginário, criado unicamente para entretenimento, mas a exposição consciente e instigante de um conteúdo que se liga, ideológica e instrumentalmente, a um período histórico e a uma organização social. Assim concebida, podemos ver na obra literária um simples documento relativo a um período histórico ou um elemento social como explicação da solução estética, enfim pensar numa dialética entre dois pontos de vista, onde o elemento social determina as escolhas estéticas, mas onde também o estudo da obra e das suas características estruturais permite melhor compreender a situação de uma sociedade.

Silva (1969, p. 446) destaca que a literatura “[...] pode ser apreendida como mediatização dos acontecimentos, podendo ser concebida como uma via de acesso às ideias e formas de ver e de se posicionar frente ao mundo”, tornando-se, desta maneira, disseminadora de valores, e de projetos estético-políticos. A obra literária não aparece isolada no mundo, está nele perfeitamente inserida, num processo de dependência de valores sociais, políticos, filosóficos, religiosos, éticos, estéticos, etc. Derrida (1995, p. 56) ressalta que a "[...] literatura tem o direito de dizer tudo" e goza de uma liberdade democrática sem limites. Esta autorização implica que o autor “[...] não tem responsabilidade alguma sobre seu texto”. Na ótica de Hill (1998), como ficção, o texto literário se constitui num discurso cuja característica principal é a imaginação, a ilusão. Este ultrapassa as fronteiras do real, mas não pode ser confundido com a mentira.

Para Silva (1969), a literatura se singulariza por constituir de modo imanente sua própria situação comunicativa e constrói um discurso que institui uma verdade própria. A criação literária é indissociável do universo dos símbolos, onde o poder da palavra se presentifica.

Pound (1995) destaca que a verdade da literatura está no fato de falar sempre do essencial, do que ultrapassa a comunicação direta da linguagem. A literatura é uma linguagem carregada de significado e não faz questão de demonstrar seus significados, sua verdade.

Conforme Barthes (1985, p. 103), nada é casual numa narrativa, tudo tem a sua função: “[...] mesmo que um pormenor parecesse irredutivelmente insignificante, rebelde a qualquer função, ele acabaria por ter pelo menos o sentido do absurdo ou do inútil: tudo tem um sentido ou nada tem”.

Todorov (2011, p. 11) ressalta que a literatura “[...] nos brinda com todos os temas humanos recorrentes na tradição erudita e popular”. Ela expressa historicamente uma auto-compreensão da condição humana e suas formas de relação com o mundo nos mais diversos espaços histórico-temporais.

No “mundo do texto” literário, é possível enxergar os recônditos do ser humano, da cultura, da sociedade externalizados, na descrição e na ação das personagens “criadas” pelos autores e pelas autoras. A literatura, por meio de uma inusitada combinação/jogo de palavras, se expressa nos textos “[...] sempre abertos a novas leituras” (BARCELLOS, 2010, p. 64)

Entre o mundo imaginário construído pela linguagem literária e o “mundo real”, “histórico”, por assim dizer, existem vínculos, segundo Silva (1969, p. 427), a ficção literária não se desprende completamente da realidade empírica. Isto não implica que o texto literário venha a ser compreendido “simplesmente como espelho da realidade”.

Na nossa perspectiva a relação do texto literário com a realidade está marcada pela complexidade. A criação literária é ficção, é fruto da imaginação do(a) autor(a), entretanto pode ser também em “alguma medida” um “reflexo”, “uma espécie de espelho” do contexto sócio-histórico e cultural de produção da obra. Essa complexidade que marca a relação da literatura com a realidade, nos acompanha nessa leitura “científica” do texto literário de Bernardo Élis, desafiando-nos, assim, a lançar o olhar para o seio de uma linguagem que mais “esconde” do que mostra. No intuito de conhecer a obra, precisamos conhecer o autor e, por essa razão, focamos o olhar na biografia de Bernardo Élis, e em sua produção, situando-a na história da literatura goiana.