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Capítulo II Enquadramento teórico

2.3 Estudo de EIs em português e em chinês

2.3.2 Estudo específico sobre as expressões idiomáticas em português

2.3.2.2 Literatura e definição

Além de haver controvérsia na designação a sua definição tem sido considerada ambígua.

No Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa (1965), encontram-se as chamadas “expressões idiomáticas” definidas como “expressões próprias, peculiares a determinada língua. São construções sintácticas que revelam o cunho característico do idioma.” (Bueno, 1965: 1842)

No Dicionário de Linguística (1973), o termo “expressão idiomática” aparece definido como “qualquer forma gramatical cujo sentido não pode ser deduzido de sua estrutura em morfemas e que não entra na constituição de uma forma mais ampla: o port. Como vai?, e o ingl. How do you

Afinal, o que é a expressão idiomática? Quais as características que nos levam a distinguir a expressão idiomática das outras combinações linguísticas? O nosso objectivo é fazer agora um levantamento das definições mais claras e adequadas encontradas durante a nossa pesquisa.

A lexicóloga brasileira Biderman (1978) define as expressões idiomáticas por combinatórias de lexemas que o uso consagrou numa determinada sequência e cujo significado não é a somatória das suas partes. Segundo a autora, as expressões idiomáticas são indecomponíveis e, frequentemente, possuem uma significação metafórica. Esta autora destaca ainda a característica de intraduzibilidade, declarando que “as expressões idiomáticas são geralmente intraduzíveis de uma linha para outra, ou seja, não se pode fazer uma tradução literal de um idiotismo, pois o resultado seria absurdo e não corresponderia ao significado global da expressão” (1978: 134) Neste sentido, a expressão idiomática bicho de sete cabeças (que significa uma grande dificuldade), não pode ser traduzida como qī tóu chóng12 (ch.). A intraduzibilidade não ocorre apenas no processo da tradução para a língua chinesa, mas em todas as línguas. Tal como Nogueira Santos (1990) explica, que

“ «comer como um abade» que significa, como se sabe, «comer muito» por a palavra abade estar aqui empregada com um valor simbólico e se tornar num genérico que nesta forma fixa, ligada a comer é realmente intraduzível literalmente. «falar para o boneco» será outro exemplo: boneco não está usado no sentido literal mas transformado no representante de tudo quanto se assemelhe a ele na qualidade de destinatário incapaz de receber uma comunicação. Nem uma nem outra destas expressões são traduzíveis noutra língua, como o francês, o inglês, o espanhol. Quando muito, pode indicar-se um equivalente, quando existe. Ou então explicar por meio de uma paráfrase o seu significado.” (Nogueira Santos, 1990: VII)

Esta característica de intraduzibilidade faz-nos pensar em estratégias da tradução para a língua chinesa (o conteúdo aparece discutido na secção 3.3.2).

A outra definição, que consideramos ser pertinente e nos norteia, é feita por Xatara (1998). A autora, tomando por base as teorias lexicológicas de Biderman (1978), Chafe (1979), Gross (1982), Ruwet (1983), Tagnin (1988), Lodovici (1989), propôs a seguinte definição: “expressão

idiomática é uma lexia complexa, indecomponível, conotativa e cristalizada em um idioma pela tradição cultural”. O estudo de Xatara delimita os principais elementos caracterizadores das EIs, os quais são: a indecomponibilidade, a conotação e a cristalização.

Em termos de sentido indecomponível, a autora verifica que as expressões idiomáticas constituem uma combinatória fechada e apresentam raras possibilidades de substituição por associação paradigmática. (cf. Xatara, 1998: 149) Isto é, as expressões idiomáticas permitem pouca ou nenhuma alteração na forma. Eis alguns exemplos:

Dar com o nariz na porta constitui uma expressão idiomática, mas dar na porta com o nariz não.

Pois a ordem da ocorrência dos elementos será sempre a mesma. Apesar disso, em termos semânticos, também não se permite a substituição de uns elementos por outros. Como por exemplo, dizemos bater as botas para expressar o sentido de morrer, mas não se diz bater os

sapatos.

Em relação à conotação, a autora tem a mesma opinião que Biderman: para que uma expressão possa ser considerada idiomática, os seus componentes não podem ser “dissociados significando uma outra coisa, ou seja, sua interpretação semântica não pode ser calculada a partir da soma dos significados individuais de seus elementos.” (Xatara, 1998: 150) Assim, trata-se dum tipo de paráfrase sobretudo metafórica. Se olharmos para a expressão idiomática passar as passas do

Algarve (que significa um grande sofrimento), verifica-se que nenhum dos seus componentes tem

o sentido directamente ou indirectamente ligado ao sofrimento ou dificuldade. Apenas com a sua origem e a explicação histórica é que percebemos “as passas” são usadas metaforicamente em lugar das palavras “sofrimento” ou “dificuldade”. Tal como a autora afirma, que

“Uma EI, portanto, é duplamente arbitrária: arbitrária porque, igualmente como ocorre com qualquer outro signo, a relação entre seu significado e seu significante não é motivada naturalmente, e arbitrária uma segunda vez porque a relação entre os signos que a compõem não é motivada linguisticamente, o que ocorre com as palavras compostas.” (ibid.)

É nesse aspecto que podemos compreender a razão pela qual as expressões idiomáticas são consideradas como uma categoria extraordinária duma língua.

A autora ressalta, ainda, que essa metáfora não está associada constantemente à linguagem literária, mas está ao nível da linguagem quotidiana. Este aspecto também constitui uma das grandes diferenças entre as expressões idiomáticas portuguesas e chinesas, conteúdo que ainda discutiremos nas secções posteriores do presente trabalho.

No que diz respeito à cristalização, Xatara lembra que, para que uma expressão seja idiomática, não basta que seja apenas indecomponível e metafórica, porém, é necessário que haja frequência de seu emprego pela comunidade dos falantes. Por outras palavras, é preciso que tenha seu uso frequente por um número significativo de pessoas, pois, são os próprios falantes que participam no processo de lexicalização. Também é nessa perspectiva que muitos estudiosos salientam o valor linguístico sociocultural do ensino/aprendizagem das expressões idiomáticas.

Assim, tendo sido apresentadas as definições adequadas aos nossos propósitos, partimos para a apresentação concreta dos seus traços característicos que pareçam pertinentes aos nossos objectivos.