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Capítulo I Literatura infanto-juvenil brasileira: ontem e hoje

I. 3 “As 300”: dados gerais do PNBE/2005

I. 3.4. Literatura infanto-juvenil: um intercâmbio de linguagens

A literatura para crianças e jovens realiza-se, em geral, a partir da combinação entre imagem e palavra. Da interação entre a arte da palavra e as artes visuais surge uma outra materialidade artística que já não é mais o texto verbal, por excelência, nem tão pouco a imagem visual, mas o resultado dessa união. Ao se estudar obras em que ilustrações são partes integrantes do texto, é preciso verificar como se realiza esse diálogo entre essas artes63.

Os processos que resultam em uma obra ilustrada são muitos. Muitas das vezes, o texto verbal é o primeiro a ser feito e o ilustrador trabalha com base na leitura que faz da palavra. Há casos em que as imagens surgem antes do texto escrito, e, por esse viés, o escritor é que lê a ilustração e produz. Um exemplo desse processo criativo é Maria-fumaça

cheia de graça64, livro no qual Roseana Murray escreve tendo por referência as ilustrações

de Demóstenes Vargas. É possível encontrar obras em que autor e ilustrador produzem, a partir de uma ideia ou tema em comum, sem conhecer um o trabalho do outro, para só depois casarem as linguagens. Não raro esses casamentos são perfeitos, menos porque se prestam a sê-los e mais porque respeitam as formas particulares de interpretar o mundo e

62 MEC, internet: <http://portal.mec.gov.br>. Informações coletadas na Galeria de Ministros do referido sítio. 63 Esta pesquisa reconhece que a relação que se estabelece entre texto e ilustração na literatura para crianças e

jovens é muito dinâmica e complexa, limitando-se, por ora, a comentá-la segundo os interesses do presente trabalho.

traduzi-lo em arte. O fundamental nesse processo é somar e, não, dizer o mesmo apenas mudando a forma e a linguagem. A ilustração de qualidade é uma arte e não um adorno usado para tornar as histórias mais coloridas e alegres. Para o autor e ilustrador Roger Mello65,

a leitura visual não se restringe a decodificar os elementos narrativos, simbólicos, e o contexto em que se insere o objeto artístico. A imagem possui ritmo, contraste, dinâmica, direção e, ainda, uma série de outras características que não suportam ser traduzidas em palavras. A imagem tem lá os seus silêncios.

A ilustradora Regina Yolanda66, ao tratar de questões relacionadas à ilustração no livro infantil, aposta no valor criativo de imagens que podem ir além do que o texto escrito expressa:

As ilustrações simbólicas e não descritivas podem contribuir para desenvolver a imaginação própria do leitor. Em contrapartida a ilustração fiel ao texto, nunca além do texto, e a mais “realista” possível, resulta numa comunicação linear, pobre, sem maiores estímulos ao pensamento.

Dessa forma, perceber a contribuição que a imagem oferece para o leitor no preenchimento de vazios textuais é um exercício necessário ao se estudar literatura para crianças. Para Heloisa Lima, “toda obra literária, porém, transmite mensagens não apenas através do texto escrito. As imagens ilustradas também cristalizam as percepções sobre aquele mundo imaginado”67. Considerando que apenas seis obras (2% do acervo) em todo o PNBE/2005 não são ilustradas, a relação entre imagem e palavra torna-se relevante para este estudo.

Um dos critérios para a seleção de obras em análise era a qualidade do projeto gráfico, no que se refere à criatividade; à correção; à ilustração, à adequação da capa, do tipo gráfico, do espaçamento. Aponta-se que tais requisitos foram alcançados. Aliás, a qualidade estético-literária é um dos diferenciais entre os dados encontrados na presente

65 Mello, “O olhar do artista” (disponível na internet), p. 2. 66 Yolanda, “O problema da ilustração no livro infantil”, p. 153.

pesquisa para esse tópico, e os resultados apontados por Rosemberg68, em que – para as obras produzidas até meados da década de 1970 – “a realização material do livro para crianças apresenta, de um modo geral, uma série de imperfeições, ou descuidos.”

Os dados coletados demonstram, ainda e em certa medida, que o senso comum de que literatura para crianças tem mais ilustração do que texto não se confirma. A tabela seguinte indica a proporção usada entre palavra e imagem nas obras do acervo. Visto que o edital do PNBE/2005 previa que a seleção das obras devesse considerar que o aluno pudesse fazer a leitura de forma autônoma ou por intermédio do professor, verificou-se que 52,0% das obras combinam de forma proporcional texto e ilustração.

Tabela 7: Proporção entre texto e ilustração69

Texto e ilustração proporcionais 156 52,0 % Mais texto do que ilustração 97 32,3 % Não há texto 24 8,0 % Mais ilustração do que texto 17 5,7 % Não há ilustração 6 2,0 % Total de obras 300 100%

Fonte: pesquisa “Personagens da literatura infanto-juvenil brasileira contemporânea”.

A ilustração também pode ser feita em parceria, isso é o que se percebe em 6,7% das obras. Esses trabalhos em conjunto abrem espaço para uma variedade maior de pontos de vista frente a um mesmo objeto, enriquecendo sobremaneira a obra. Exemplos de ilustrações coletivas encontram-se tanto em Quem canta seus males espanta (I e II) – obras organizadas por Theodora Maria Mendes de Almeida e ilustradas por várias crianças, a partir de cantigas, parlendas, quadras retidas do folclore brasileiro –, quanto em As

serpentes que roubaram a noite e outros mitos, de Daniel Munduruku, que resgata a

mitologia indígena por meio de histórias que são ilustradas por crianças munduruku da aldeia Katô.

68 Rosemberg, p. 49.

69 Registrou-se apenas 24 obras, e não 26, para o quesito não há texto (ou seja, livro de imagem), pois as 2

obras, conforme explicado anteriormente, que apresentavam breves comentários acerca das ilustrações, fotografias (Olhar e ver – crianças, org. por Raul Lody; e Formas, de Maria Passuello), foram marcadas como

Nos casos acima, tem-se a criança no papel de ilustradora de histórias cujo público leitor, em potencial, são outras crianças. Oferecer a esse grupo social a oportunidade de falar, por imagens, da infância – algo que pertence a ele de uma forma tão particular – é fato merecedor de atenção. Somado a isso, o leitor mirim terá condições de se ver representado nas ilustrações por meio de técnicas tão aproximadas das que ele próprio usa para se expressar.

Assim como há predominância de homens na autoria das obras, prevalecem os ilustradores masculinos. No entanto, nas 300 obras, enquanto apenas 111 são de autoria feminina, 121 foram ilustradas por representantes desse mesmo sexo. Outro dado relevante é o de que, diferentemente do observado em termos de autoria, ocorrem parcerias entre mulheres na hora de ilustrar. Note-se, ainda, que Graça Lima divide com Roger Mello a posição de artistas com maior número de ilustrações no acervo, ambos com 11 obras.

Tabela 8: Ilustradores, por número de obras

Ilustrador Obras %

Graça Lima 11 3,66% Roger Mello 11 3,66% André Neves 10 3,33% Manoel Victor Filho 10 3,33% Mariana Massarani 10 3,33% Angela Lago 9 3% Eva Furnari 9 3% Rui de Oliveira 6 2% Ziraldo 6 2% Marilda Castanha 5 1,66%

Fonte: pesquisa “Personagens da literatura infanto-juvenil brasileira contemporânea”.

Ao comparar as Tabelas 5 e 8 (dos 10 escritores e dos 10 ilustradores com maior número de obras presentes no PNBE/2005, respectivamente), o escritor e ilustrador Roger Mello se sobressai, em número de obras, tanto como ilustrador (11 obras) quanto como escritor, (com 7 obras, atrás apenas de Monteiro Lobato). Essa participação ocorre em 14 obras, visto que há momentos em que Mello é, ao mesmo tempo, autor e ilustrador. Apesar dessa proeminente presença, e do reconhecimento alcançado junto àqueles que analisaram e

escolheram o acervo do PNBE/2005, suas obras não fazem parte do corpus específico deste trabalho, exceto em uma delas, Será mesmo que é bicho?, escrita por Ângelo Machado.

Tabela 9: Obras de autoria e/ou ilustração de Roger Mello

Obra Autor Editora Gênero Ano Ilustrador

A flor do lado de lá Roger Mello Global Livro de imagem 2004 Roger Mello

A pipa Roger Mello Paulinas Livro de imagem 1997 Roger Mello

Bumba meu boi bumba

Roger Mello Agir Teatro 1999 Roger Mello Cavalhadas de

Pirenópolis

Roger Mello Agir Conto folclórico 1998 Roger Mello

Curupira Roger Mello Manati Teatro 1995 Graça Lima

Fulustreca Luiz Raul Machado Ediouro Poema 1994 Roger Mello

Jonas e a sereia Zélia Gattai Best Seller Conto folclórico 2000 Roger Mello Meninos do mangue Roger Mello Companhia das

Letrinhas Novela 2001

Roger Mello Naná descobre o céu José Roberto Torero e

Marcus Aurelius Pimenta Objetiva Novela 2005 Roger Mello Nau catarineta Roger Mello/ (org.) Manati Poema 2004 Roger Mello Nuno descobre o

Brasil José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta Objetiva Novela 2004 Roger Mello Rodas e bailes de sons

encantados Lúcia Pimentel Góes Larousse do Brasil Cantigas 2005 Graça Lima e Roger Mello Será mesmo que é

bicho? Ângelo Machado Nova Fronteira Conto 1996

Roger Mello Vamos brincar com

palavras? Lúcia Pimentel Góes Larousse do Brasil Poema 2005 Graça Lima e Roger Mello/ Fonte: pesquisa “Personagens da literatura infanto-juvenil brasileira contemporânea”.

Ainda em relação ao perfil dos ilustradores, percebe-se que em 24,3% das obras o autor do texto também é o ilustrador, o que demonstra que não apenas a ilustração conduz o artista plástico ao universo da palavra, como pode incentivar o escritor a ilustrar as próprias histórias. Marina Colasanti70, por exemplo, ilustra seus três livros que integram o acervo. Já Marilda Castanha e Mariana Massarani fazem parte do grupo de artistas que iniciou a carreira ilustrando, mas passou a escrever histórias.

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