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3. Material e Métodos

3.1. Lito, Crono e Bioestratigrafia

As Bacias do Paraná (Brito, 1979; Zerfass et al., 2003, 2004), del Bermejo (Stipanicic & Marsicano, 2002) e Cuyana (Stipanicic & Marsicano, 2002) são três das bacias sedimentares mais significativas quanto à presença de vertebrados fósseis paleozóicos e mesozóicos na América do Sul (FIGURA 23).

FIGURA 23. Bacias sedimentares sul-americanas com registros de cinodontes triássicos. Baseado em Artabe et al. (2001), Brito (1979), Milani (2000) e Stipanicic & Marsicano (2002).

Dentre estas unidades, a Bacia do Paraná é a mais ampla, com uma área de cerca de 1,5 milhões de km2, distribuída principalmente no Brasil e no Paraguai e com menos representação no Uruguai e na Argentina (Brito, 1979; Milani, 2000; Stipanicic & Marsicano,

2002) (FIGURA 23). No Brasil, estratos do Permiano Médio e do Triássico contendo tetrápodos afloram no Rio Grande do Sul, nas Formações Rio do Rasto (Mesopermiano, Guadalupiano) (Araújo, 1985; Barberena, 1998; Dias & Barberena, 2001; Langer, 2000), Sanga do Cabral (Eotriássico, Scythiano) (Dias-da-Silva et al., 2006; Lavina, 1983), Santa Maria (Meso-Neotriássico, Ladiniano a Carniano) (von Huene, 1935–1942; Langer et al., 2007) e “Caturrita” (Neotriássico, Noriano) (Dias-da-Silva et al., 2009; Langer et al., 2007), além de registros permianos (Fm. Rio do Rasto) esparsos no Paraná (Barberena et al., 1985) (FIGURA 24).

A porção uruguaia da Bacia do Paraná é conhecida localmente como Bacia Norte (Santa Ana et al., 2006) (FIGURA 23), onde aflora, entre outras, a Formação Buena Vista (?Neopermiano-?Eotriássico, ?Lopingiano-?Scythiano), da qual vem sendo recuperada uma grande variedade de tetrápodos (Piñeiro & Ubilla, 2004; Piñeiro et al., 2004, 2007; Ubilla et al., 2004) (FIGURA 24). Da porção argentina da Bacia do Paraná, conhecida localmente como Bacia Mesopotâmica, ainda não foram recuperados fósseis triássicos (Stipanicic & Marsicano, 2002), bem como da porção paraguaia (Bacia do Chaco) (FIGURA 23).

A Bacia Cuyana, no noroeste da Argentina, fornece vários tetrápodos fósseis do Eo- Mesotriássico (Stipanicic & Marsicano, 2002) (FIGURA 23). Na Formação Cerro de Las Cabras (Mesotriássico, Ladiniano) (ver Zavattieri & Arcucci, 2007) foram coletados alguns tetrápodos (antes atribuídos à Formação Río Mendoza, ?Eotriássico-?Mesotriássico, ?Scythiano-Ladiniano) (Bonaparte, 1969c, 1970, 1972; Zavattieri & Arcucci, 2007), enquanto que na Formação Potrerillos (Meso-Neotriássico, Ladiniano-Carniano) os fósseis mais comuns são elementos florísticos, com muito poucos tetrápodos (Minoprio, 1954) (FIGURA 24). Próximo às localidades onde afloram as formações da Bacia Cuyana, aflora a Formação Puesto Viejo (Eotriássico-?Mesotriássico, Scythiano-?Anisiano) (Artabe et al., 2001; Stipanicic & Marsicano, 2002), outra localidade fossilífera importante no território argentino, de onde procedem alguns tetrápodos terrestres (Bonaparte, 1966b, 1969a) (FIGURAS 23–24).

Na Bacia del Bermejo (ou Bacia de Ischigualasto) (FIGURA 23), também no noroeste da Argentina, afloram as rochas da Formação Tarjados (Eotriássico, Scythiano), com registros esparsos de dicinodontes (Bonaparte, 1969b, 1969c; Cox, 1968; Stipanicic & Marsicano, 2002). Já na Formação Chañares (Mesotriássico, Ladiniano) o conteúdo fossilífero de tetrápodos é imensamente diversificado (e.g. Bonaparte, 1969b; Cox, 1968; Romer, 1967, 1969a, 1969c, 1973). Da Formação Ischigualasto (Neotriássico, Carniano-?Noriano) é proveniente uma série de tetrápodos dos mais diversos grupos (Bonaparte, 1969b; Cabrera, 1943; Martinez & Forster, 1996; Martinez et al., 1996; Reig, 1963). A Formação Los

Colorados (Neotriássico, Noriano-?Rético) também é bastante prolífica no que diz respeito à presença de tetrápodos (Bonaparte, 1969b, 1970, 1980) (FIGURA 24).

FIGURA 24. Estratigrafia (parcial) de formações permianas e triássicas sul-americanas. Compilado de Currie et al. (2009), Jenchen & Rosenfeld (2002), Rubert & Schultz (2004), Santa Ana et al. (2006), Stipanicic & Marsicano (2002), Zavattieri & Arcucci (2007) e Zerfass et al. (2003). Nem todas as formações triássicas são mostradas. A Formação Puesto Viejo não pertence à Bacia Cuyana. “Ma” são milhões de anos; 227,8 Ma é a datação de Rogers et al. (1993) para a base da Formação Ischigualasto [bastante concordante com a base do Carniano, cerca de 228,7 Ma (International Commission on Stratigraphy, 2009)].

Exceto pelo Uruguai, onde nenhuma proposição formal foi apresentada, várias tentativas de se estabelecer unidades bioestratigráficas com base nos tetrápodos triássicos dentro das bacias acima citadas foram realizadas. No Brasil, a primeira tentativa deste tipo de zoneamento foi apresentada por Barberena (1977), propondo a existência de duas zonas de associação (ZA) envolvendo os estratos de onde eram recolhidos os tetrápodos fósseis: ZA de Therapsida e ZA de Rhynchocephalia, embora na primeira ainda houvesse alguma confusão devido à mistura de táxons do Triássico Médio e Superior [com a inclusão na ZA de Therapsida de elementos paleofaunísticos do Mesotriássico (Ladiniano) e do Neotriássico (Noriano)]. Posteriormente, uma série de refinamentos (Abdala et al., 2001; Rubert & Schultz, 2004; Schultz, 1995; Schultz & Soares, 2006; Schultz et al., 1994, 2000) reavaliou as ZA de Barberena (1977) e levou à configuração bioestratigráfica mais aceita atualmente, onde são consideradas válidas quatro zonas (da base para o topo): Cenozona de Therapsida, Biozona de Traversodontídeos, Cenozona de Rhynchosauria e Cenozona de Mammaliamorpha (FIGURA 24). Em cada uma destas zonas está presente uma associação particular de tetrápodos, com um conjunto específico diverso e, normalmente, abundante de cinodontes não-mamaliaformes. Trucidocynodon riograndensis, o objeto central deste trabalho, ocorre na Cenozona de Rhynchosauria.

Algumas proposições também foram apresentadas na tentativa de criar unidades bioestratigráficas para o Triássico argentino, como a de Bonaparte (1973) (ver também Stipanicic & Marsicano, 2002). Neste trabalho, Bonaparte trata cada um de seus quatro intervalos bioestratigráficos como uma “idade-réptil” (Edad/Réptil) (da base para o topo): Puestoviejense (incluindo as faunas das Formações Puesto Viejo e Cerro de Las Cabras, embora os fósseis desta última fossem atribuídos, naquele momento, à Formação Río Mendoza), Chañarense (fauna da Formação Chañares, originalmente atribuída à Formação Ischichuca, e Formação Los Rastros), Ischigualastense (fauna da Formação Ischigualasto) e Coloradense (fauna da Formação Los Colorados) (FIGURA 24).

Com base nestas divisões e, principalmente, nos elementos paleofaunísticos compartilhados entre os estratos aflorantes no Brasil, na Argentina e no Uruguai, é possível correlacioná-los com alguma segurança [ver Lucas (1998), para uma tentativa de uma correlação global entre as faunas triássicas continentais].

Para a porção mais final do Permiano e início do Triássico Inferior, há algumas semelhanças paleofaunísticas entre as Formações Buena Vista (Uruguai) e Sanga do Cabral (Brasil), com a recuperação de temnospôndilos (Dias-da-Silva et al., 2006; Piñeiro et al., 2007) e de procolofonóides (Lavina, 1983; Piñeiro et al., 2004). Na Argentina, entretanto, não

há um nível que possa ser bioestratigraficamente correlacionado às formações citadas, embora a Formação Tarjados (?Triássico Inferior) seja a candidata mais provável a este posto (Schultz, com. pess., 2009). As faunas das Formações Cerro de Las Cabras e Puesto Viejo (Argentina), as quais caracterizam a “idade-réptil” Puestoviejense, não possuem correspondentes no Brasil, mas podem ser associadas aos estratos africanos onde ocorrem Cynognathus e Diademodon, de idade Scythiano final a Anisiano (Abdala, 2007; Bonaparte, 1969a; Catuneanu et al., 2005; Martinelli et al., 2009) (FIGURA 24).

A “idade-réptil” Chañarense (Argentina, Formação Chañares) é nitidamente correlacionável com a Cenozona de Therapsida (Brasil, Formação Santa Maria); as faunas destes dois intervalos são caracterizadas pela presença de arcossauros similares, do dicinodonte Dinodontosaurus e do cinodonte Massetognathus (Bonaparte, 1973, 1997; Schultz et al., 2000). No Brasil, há ainda a Biozona de Traversodontídeos, marcada por uma predominância muito acentuada de cinodontes (Abdala & Ribeiro, 2003; Abdala et al., 2001) e registros escassos de arcossauriformes (Machado & Kischlat, 2003; Raugust, 2009). Embora haja a possibilidade de alguma afinidade entre algumas formas não formalmente descritas de cinodontes traversodontídeos desta biozona (Abdala et al., 2001; Melo et al., 2009) com alguns encontrados em Madagascar (Flynn et al., 2000), as incertezas sobre a estratigrafia do “Grupo” Isalo (Triássico ?Médio-?Superior), naquele país, não permitem um maior esclarecimento das relações entre estes depósitos (FIGURA 24).

No Neotriássico, em especial no Carniano, as relações entre a “idade-réptil” Ischigualastense (Argentina, Formação Ischigualasto) e a Cenozona de Rhynchosauria (Brasil, Formação Santa Maria) são bastante claras. Nos dois países ocorrem, em abundância, rincossauros hiperodapedontídeos (fósseis-guias do Carniano) e o cinodonte traversodontídeo Exaeretodon e, em menor quantidade, aetossauros, proterocâmpsios, dinossauros basais e outros cinodontes, incluindo a forma argentina Ecteninion lunensis Martinez et al., 1996 e a espécie brasileira muito aparentada, Trucidocynodon riograndensis (Bonaparte, 1973; Colbert, 1970; Langer, 2005a, 2005b; Oliveira et al., 2007b, 2010; Raugust, 2009; Reig, 1963; Schultz et al., 2000) (FIGURA 24). Para o intervalo espaço-temporal representado por estas faunas existe, inclusive, a possibilidade operacional de estabelecer uma subdivisão do mesmo, uma vez que, nos dois pacotes citados, ocorre uma abundância notável de rincossauros na porção mais inferior e, em direção ao topo, uma gradual diminuição na abundância destes animais, em detrimento do aumento populacional (inferido pelo número de espécimes coletados) de Exaeretodon (Langer, 2005a; Oliveira & Schultz, 2007; Rogers et al., 1993).

A Cenozona de Mammaliamorpha (Brasil, “Formação Caturrita”) é correlacionável com a “idade-réptil” Coloradense (Argentina, Formação Los Colorados), devido à presença do dicinodonte Jachaleria (Bonaparte, 1997; Schultz et al., 2000) e cinodontes triteledontídeos (Bonaparte, 1980; Martinelli et al., 2005), embora, nas duas formações, ocorram muitos elementos exclusivos a cada uma delas (Bonaparte, 1997; Langer et al., 2007) (FIGURA 24).

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