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CAPÍTULO 3: LIVRO E LIVRO DIDÁTICO:

3.6 Livro didático e política nacional

Mudança,

O que muda na mudança, se tudo em volta é uma dança no trajeto da esperança, junto ao que nunca se alcança? (Carlos Drummond de Andrade)

Livro didático e ensino da língua portuguesa passaram a ser temas indissociáveis nas discussões públicas desde que a língua materna constituiu-se como disciplina no Brasil. O controle do que deveria ser ensinado por meio do LD é também outro evento verificado na história. Segundo Lajolo (1993, p. 61), Laerte Carvalho, ao estudar as reformas pombalinas na instrução pública, registra que,

concomitantemente, procurou o Diretor-Geral proibir o ensino pelos antigos métodos. Os professores que teimavam em ensinar pela Arte do Pe. Alvarez, com o auxílio dos demais livros proibidos, eram recolhidos à prisão e obrigados a assinar um termo no qual juravam que nunca mais se ocupariam do ensino do Latim no reino e seus domínios. Os livros proibidos, fossem pertencentes à biblioteca dos professores, fossem das livrarias, eram recolhidos e, algumas vezes, queimados. (LAERTE CARVALHO, 1978, p. 120-121 apud LAJOLO, 1993, p. 61).

Observa-se, a partir dessa declaração, que o controle do que deveria ser lido e ensinado na escola brasileira era contundente. Dessa forma, professores que insistiam em ensinar por meio dos livros que representavam contra modelos à ideologia da época eram punidos e tais livros eram recolhidos e queimados. Isto vem da tradição dos gestos violentos aos autores que contradiziam em suas obras os discursos de poder, verificados na história da humanidade e aqui já relatados por meio da voz de Chartier (1998).

Voltada ainda para questão da problemática do LD e ensino da língua portuguesa, Lajolo (1993, p. 63) aponta que muitos livros didáticos apresentavam não apenas inadequações metodológicas, mas também erros graves de conteúdo, “que reforçam ideologias conservadoras, que subestimam a inteligência de seu leitor/usuário, que alienam o professor de sua tarefa docente [...].” Verifica-se que o fato de não haver, na época, uma

política pública voltada a avaliar de forma especializada o LD. Os que circulavam, nas escolas brasileiras, possuem baixíssimo padrão de qualidade para o ensino.

Nessa esteira teórica, surgem outras vozes sociais, conforme Lajolo (1993), a exemplo das de Raul Pompéia e Graciliano Ramos, que desvelaram o ensino da língua, os LDs e, sobretudo, as cartilhas como reprodutoras da ideologia dominante. Nesse sentido, podemos ainda citar a expressiva voz de Paulo Freire (1989, p. 23), que, ao referir-se aos Cadernos de Cultura Popular (voltados à educação de adultos), aponta-os não como reprodutores da ideologia dominante, pelo contrário, trata-se de um livro de textos com temática ampla, variada e ligada ao momento atual do país.

Essa assertiva comprova que as cartilhas e os LDs eram reprodutores dos discursos de poder da época, representando, por assim dizer, as forças centrípetas21. Desse modo, cabia aos educandos e educadores “aceitá-las” como forma de manter a tão almejada “ordem nacional”. Ainda segundo Lajolo (1993, p. 65), João Batista e seus coautores – na obra A política do livro didático – declaram que “as obras didáticas identificam-se à fina malha social pela qual circulam e por via da qual se transformam em discursos e interagem socialmente.”

Seguindo agora a trajetória do livro didático no Brasil, apresentada por Freitag et al. (1987), observa-se, a partir dos anos 1930, o surgimento com mais frequência de decretos e de leis direcionados à política educacional. Afirmam as autoras que “o livro didático não tem uma história própria no Brasil. Sua história não passa de uma sequência de decretos, leis e medidas governamentais que se sucederam, a partir de 1930, de forma aparentemente desordenada [...].” (FREITAG et al., 1987).

Por tudo que vimos até o momento, nota-se que ensino e LD são indissociáveis na história nacional e mundial. Outra questão é o amplo controle do poder público sobre o que se deve ensinar na escola e, consequentemente, sobre o livro didático. Por isso, podemos verificar o quanto o LD é institucionalizado, visto que a sua história esvai-se ao ceder lugar a decretos, leis e medidas governamentais. Todas essas medidas voltam-se, sobretudo, para questões de ordem ideológica e política que o LD representa na sociedade de épocas historicamente situadas.

As autoras, ao trazerem a posição de Guy de Holanda (1957), referente ao LD nacional, destacam que, segundo Holanda (1957, p. 105), o fato de se produzir LD no Brasil deve-se, em boa parte, à Revolução de 30, que trouxe como consequência a queda da moeda. Isto conjugado ao encarecimento do livro estrangeiro, provocado pela crise econômica

21

mundial, “permitiu ao compêndio brasileiro – antes mais caro do que o francês – competir comercialmente com este.” Isto demonstra o quanto o LD era direcionado à escolarização de uma pequena parcela da população, nesse caso, à elite brasileira. Fato este comprovado por Razzini (2000, p. 238), ao declarar que,

no Brasil, enquanto mais de 70% da população permaneceu analfabeta (inclusive até a década de 1950), uma pequena elite se preparava às pressas no curso secundário para enfrentar os exames preparatórios, os exames de ingresso para os poucos cursos superiores existentes.

Segundo Freitag et al. (1987), foi o Decreto Lei 1.006, de 30/12/1938, que definiu pela primeira vez o que deveria ser entendido como livro didático, compêndio que é livro que integra total ou parcialmente a matéria das disciplinas escolares, livro destinado à leitura em sala de aula, denominado livro-texto. Tais livros são também chamados de manual, livro de classe, livro escolar e livro didático.

Acrescentam ainda essas autoras que, através deste decreto, “é criada uma Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD)”. Tal comissão era composta por sete membros indicados pela Presidência. Freitag et al., ao trazerem a posição de Bomény (1984, p. 33), informam que este autor declara que essa comissão tinha como principal foco avaliar se os livros didáticos atendiam aos interesses ideológicos e políticos da época. Quanto à avaliação sobre a qualidade desses livros, ela era relegada a interesses mínimos, visto que, “no artigo 20, do decreto em questão, são enumerados 11 impedimentos à autorização do livro e somente 5 dizem respeito a questões genuinamente didáticas.” (BOMÈNY, 1984, p. 35 apud FREITAG, 1987).

Nessa esteira histórica, outra questão que merece destaque são os diversos contratos – na década de 1960 (já durante o regime militar) – assinados entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência norte-americana para o Desenvolvimento Internacional. Esses acordos passam a ser conhecidos como MEC/USAID, “criando-se juntamente com um desses acordos a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED).” (FREITAG et al., 1987). Como todo discurso é suscetível a réplicas, observa-se nos versos de Drummond (aqui apresentados) uma contra palavra ao sistema educacional controlado por interesses internacionais. Vejamos: “Precisamos educar o Brasil. / Compraremos professores e livros, / Assimilaremos finas culturas, Abriremos dancings e subvencionaremos as elites.” Outras vozes surgem em discordância à centralização americana sobre a educação nacional, dentre

elas, dos críticos da educação que denunciavam o controle americano voltado ao mercado do livro didático. (cf. FREITAG, 1987).

Dentre os vários programas criados para regulamentação do livro didático nacional, pode-se ainda mencionar, sucintamente, a Fundação Nacional do Material Didático (Fename), criada em 1968. Nesse cenário histórico, a COLTED extingue-se em 1971 com a criação do Programa do Livro Didático (PLID). A FENAME, por sua vez, ao passar por modificações pelo decreto presidencial, substitui, em 1976, o PLID. Desde então, passou a ser atribuição da Fundação Nacional do Material Didático (FENAME):

1) definir as diretrizes para a produção de material escolar e didático e assegurar sua distribuição em todo território nacional; 2) formular programa editorial; 3) executar os programas do livro didático e 4) cooperar com as instituições educacionais, cientificas e culturais, públicas e privadas, na execução de objetivos comuns. (cf. MEC/FENAME: Programa Nacional do Livro Didático, Brasília, 1976, gestão do ministro Ney Braga apud FREITAG et al., 1987).

Entretanto, a política voltada para o livro didático, conforme Freitag (1987), só ocorre pela primeira vez em 1980, a qual se destina a atender à criança carente. Não é, pois, uma política para todos, mas para um público específico. É nesse cenário político que são lançadas “as diretrizes básicas do PLIDEF (Programa do Livro Didático – Ensino Fundamental), posteriormente acrescidas do PLIDEM e PLIDESU, respectivamente, programas do livro didático para o ensino médio e supletivo.” (FREITAG, 1987).

Conforme essa autora, os programas e leis posteriores aos supramencionados foram voltados ao estudante carente, a exemplo da Lei 7.091 instituída em abril de 1983. A Fundamentação de Assistência ao Estudante (FAE), órgão subordinado ao MEC, tem como finalidade oferecer assistência didático-pedagógica ao estudante no nível do pré-escolar e do 1º e 2º graus.

Desta forma, foram reunidos, em uma instituição única, vários programas de assistência do governo, como PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), PLIDEF (Programa do livro didático do Ensino Fundamental), programas editoriais, de material escolar, bolsas de estudos e outros. (FREITAG et al., 1987).

Diante dessa breve abordagem, pudemos constatar que o LD é um agente controlado por uma série de leis e decretos. Por ser responsável pela escolarização de gerações situadas historicamente, o LD tende a ser modelo dos discursos de poder de uma época. Nota-se que

são as autoridades políticas (responsáveis desde o controle valorativo ao discursivo) que ditam o que se deve ser ensinado na escola. Por ser o LD um agente controlado por tais autoridades, ele é responsável pela escolarização dos estudantes, assumindo, por assim dizer, importante função sociodiscursivo na esfera escolar.

Por ser um agente controlado, os LDs precisam atender aos interesses de instâncias institucionalizadas que o regulamentam, para depois terem a sua circulação social autorizada. Por isso, observa-se na história do Brasil que o LD, desde o Brasil Colônia, sempre foi assunto de debates públicos. Constata-se, pois, que os discursos que circulam no LD são avaliados devido à sua função de garantir os interesses ideológicos vigentes em épocas historicamente situadas e ao seu papel na formação das gerações.

A conclusão desta seção leva-nos, então, à apresentação de outro capítulo deste trabalho, reservado à Metodologia. Cumpre ainda reiterar que as revisões teóricas foram alicerçadas em três pilares: leitura e escolarização, gênero, texto e ensino: concepções sociodiscursivas e livro e livro didático: agente formador. Apoiados nesses pilares, apresentamos os caminhos seguidos para a construção da metodologia e da análise e discussão de dados desta pesquisa.

CAPÍTULO 4

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