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Livro I: idade da necessidade (de zero até 02 anos de idade)

No documento 2008GilbertoLuizTomazelli (páginas 41-45)

2. ESBOÇO DO PROJETO DE UMA EDUCAÇÃO NATURAL

2.1.1. Livro I: idade da necessidade (de zero até 02 anos de idade)

No primeiro livro, Rousseau parte do pressuposto de que a criança já nasce boa em razão de suas características naturais; assim, precisa nesta primeira fase de sua vida de atendimento em suas necessidades, cuidados e proteção do adulto, numa relação que envolve respeito, afeto, carinho e compreensão. Dessa forma, o adulto deve procurar não interferir na sua formação espontânea a ponto de prejudicá-la, ou permitir que ela cresça e passe a ser envolvida e influenciada a cultivar os vícios e os costumes da sociedade, a qual contribui para que ela se corrompa e se desvie do caminho de sua formação natural. Para que isso seja possível é necessário que o adulto submeta os seus conhecimentos ao desenvolvimento das capacidades naturais da criança, de forma a oportunizar o exercício do seu corpo para desenvolver os sentidos e os sentimentos de forma ordenada para, quando adulta, saber decidir racionalmente.

Neste livro o autor nos mostra que, nesta fase inicial da vida da criança, é de fundamental importância atendê-la em suas necessidades físicas23 para assegurar a sua sobrevivência (alimentação, higiene) e desenvolver os sentidos do corpo, expondo-a diretamente às provações que a natureza impõe a todo o ser de acordo as suas capacidades. Dessa relação se forma o primeiro elo de comunicação entre os envolvidos, o qual passa a

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Após o nascimento, a criança necessita de alimentação, cuidados, proteção contra as variações da natureza, carinho, afeto e proteção.

ser o caminho natural de diálogo entre a criança, o adulto e a natureza sensível, que formam o eixo central desta reflexão.

Com a finalidade de contribuir para que essa relação seja mais adequada ao desenvolvimento natural da criança, o adulto não deve se omitir em dar o atendimento em tudo aquilo de que ela necessita para sobreviver e se desenvolver de uma forma saudável; porém, ao mesmo tempo, deve ser capaz de distinguir todos aqueles cuidados que podem vir a tornar-se desnecessários para a idade em que a criança se encontra, a fim de evitar uma superproteção, evitando, assim, que ela desenvolva e adquira manhas e vícios, muito prejudiciais ao seu desenvolvimento.

Na primeira fase da vida da criança percebemos claramente que o autor defende a importância do adulto em atender as suas necessidades físicas para agir de forma adequada na organização de seus cuidados, em razão de que ela é totalmente dependente e está exposta às variações do estado de espírito do adulto. Como destaca Pissarra: “Essa primeira fase deve favorecer o desenvolvimento físico e a liberdade de movimento, para melhor poder entrar em contato com o mundo por meio dos sentidos, descobrindo, assim, suas diferenças e as oposições”. (2002, p.62). Portanto, o adul to deve criar condições para que ela se sinta protegida e, ao mesmo tempo, possa ser livre para exercitar seu corpo e permitir que faça os movimentos por si mesma desde o primeiro instante em que suas forças o permitirem.

Nesta fase ela está aprendendo a se relacionar com o mundo adulto e ainda não desenvolveu a expressão lingüística. Assim, as primeiras expressões que ela manifesta são suas caretas, demonstrando a insatisfação dos cuidados que lhe são oportunizados, e, quando não está se fazendo entender, ela chora. Por meio dessas expressões ela demonstra toda a insatisfação e o desagrado dos cuidados inadequados dedicados pelos adultos. Por isso, os adultos devem observar que, geralmente, quando uma criança chora, ela está sentindo alguma necessidade física ou dificuldade em exercitar-se; portanto, não devem se opor em atendê-la e, ao mesmo tempo, devem procurar dedicar-lhe atenção e cuidados mais apropriados para a sua idade, para que ela perceba que está bem protegida, não torturada. Assim, perceberá que existem ao seu redor pessoas responsáveis e interessadas na sua existência. Sobre as necessidades da criança e os cuidados dedicados pelos adultos iremos refletir no próximo capítulo a fim de esclarecer o problema de investigação ao qual nos propomos.

Segundo o autor, o primeiro sentimento da criança é de necessidade e fraqueza, o que justifica que os primeiros pedidos demonstrem toda a sua carência e fragilidade. Ela se

apresenta dotada de incapacidade para satisfazer aquilo de que necessita; por isso, chora e, se não for atendida, grita como uma forma de demonstrar a insatisfação no atendimento de seus pedidos. Por isso, é de fundamental importância para o educador tomar consciência desses aspectos, criando oportunidade para que a criança só encontre resistência em seu próprio corpo em razão da carência no desenvolvimento de suas forças e, ao mesmo tempo, não desperte mais vontades em sua mente do que as suas próprias necessidades, a fim de oportunizar-lhe um desenvolvimento saudável e natural.

Contudo, esse processo de formação possui por base a ação e mediação do adulto na organização e orientação de práticas que visem oportunizar que ela tenha contato somente com aquilo que lhe seja útil para a sua idade para oportunizar o seu desenvolvimento natural. Assim destacamos: “Nesse contexto, o projeto de uma educação natural, quando voltado à primeira infância, visa à formação de uma criança capaz de ser rainha de si mesma e, por meio do confronto permanente com diferentes tipos de provações, disciplinar progressivamente seus desejos”. (DALBOSCO, 2007c, p. 314).

Ao prescrever a formação da criança dentro da teoria da educação natural, Rousseau propõe o resgate da concepção tradicional de família, tendo o pai como verdadeiro preceptor e a mãe como responsável pela amamentação, como uma forma natural e característica das famílias que viviam no campo, com cada membro desenvolvendo um certo tipo de atividade, buscando a sua subsistência e o atendimento de suas necessidades de trabalho. Desse modo, Rousseau contrapõe-se ao costume da época, cultivado por grande parte da burguesia que vivia na cidade, de as crianças serem criadas e amamentadas fora do ambiente familiar, nas aldeias, pelas amas-de-leite.

A perspectiva educacional abordada no primeiro livro enfatiza a valorização da criança para o exercício de sua liberdade social, significando que a liberdade humana consiste em não primar pelo excesso ou pela falta, o que pressupõe organizar o equilíbrio entre a necessidade e a vontade. No entanto, essa faculdade esbarra nas próprias limitações do corpo, motivo pelo qual essa liberdade se torna imperfeita e carente de apoio para organizar-se; a criança, na falta de condições de seu corpo para satisfazer as suas necessidades físicas, necessita dos cuidados dedicados pelos adultos, mas nessa relação deve-se ter o cuidado de não criar mais vontades em sua mente do que as necessidades que o corpo demanda.

No pressuposto do tema em questão, o procedimento mais adequado indicado por Rousseau é aquele que se destina a oportunizar o exercício de fortalecimento do corpo da criança para, aos poucos, livrá-la do controle direto dos adultos, que tendem a prejudicar e

interferir diretamente no seu desenvolvimento natural com vistas a buscar sua independência. Isso significa dizer que a ela deve ser proporcionado o exercício da liberdade restrita à capacidade de desenvolvimento de suas forças e realizar seus movimentos assim que manifestar condições para isso. Como a liberdade física é imperfeita, o adulto assume um papel primordial que pode vir a ajudá-la no sentido de criar oportunidades para que ela possa desenvolver a sua autonomia e realizar os movimentos possíveis e que estão de acordo com as suas necessidades, como destaca Rousseau na seguinte passagem: “O único hábito que d evemos deixar que a criança adquira é o de não contrair nenhum [...] preparai à distância o reinado de sua liberdade e o uso de suas forças, deixando em seu corpo o hábito natural, colocando-a em condições de sempre ser senhora de si mesma e de fazer em todas as coisas a sua vontade, assim que a tiver”. (ROUSSEAU, 2004, p. 49).

No exercício de preparação para o reinado da liberdade da criança, o adulto assume um papel primordial, que consiste em ser o organizador e orientador em todos os aspectos, seja na interpretação do choro, seja na satisfação das suas necessidades, na apresentação dos objetos e na confrontação direta com diversos tipos de provações necessárias para o seu fortalecimento. Diante disso, deve-se atribuir elevada importância ao contato direto com a natureza pelo enfrentamento direto com as mudanças das estações, pelo confronto com os objetos sensíveis, de modo que eles mesmos se transformem em elementos limitadores, que servirão como parâmetro para a sua educação. A experiência com as coisas passa a ser um elemento fundamental de mediação no processo educacional que promove a ação do sujeito sobre o objeto, encontrando suas próprias limitações e permitindo, ao mesmo tempo, que a criança se eduque, possa construir seu conhecimento e, também, encontrar o limite no qual o objeto impõe ao ser conhecido.

O aperfeiçoamento físico do corpo da criança, e que passa a ser característico desta fase, é o início do desenvolvimento da linguagem, e a maneira adequada de orientá-la consiste em não apressar a criança a falar, pois ela irá se exercitar assim que sentir necessidade. Conforme Rousseau o erro cometido pelos adultos é fazer as crianças falarem antes da idade adequada, com o que acabam inibindo o processo de repetição, de memorização e de recitação, que são práticas decisivas características do processo de pensar. Portanto, é um inconveniente que elas tenham mais palavras em seu vocabulário do que idéias em sua mente e saibam dizer muito mais expressões do que o sentido que atribuem a elas.

Na primeira fase da infância, segundo a abordagem de Rousseau, cumpre aos adultos dedicarem os cuidados que são mais apropriados no atendimento de suas necessidades físicas, os quais dizem respeito ao seu desenvolvimento saudável, oportunizando carinho, afeto e proteção e, ao mesmo tempo, criando oportunidades para que ela possa exercitar-se e agir para o reinado de sua liberdade física, psíquica e moral. Dessa forma, não se está criando nenhuma possibilidade de que ocorra uma relação impositiva, vertical e direta, mas que se estabeleça um vínculo afetivo que vise a um relacionamento de compreensão e organização, voltado exclusivamente a suprir as limitações apresentadas em razão das suas carências físicas. Ao mesmo tempo, permanece- se vigilante para que dessa relação não venham a surgir manhas e vícios que poderão interferir diretamente na formação do caráter e da personalidade infantil.

No documento 2008GilbertoLuizTomazelli (páginas 41-45)