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O local e o tempo de trabalho

IV. O conceito de Acidente de trabalho (arts 8.º a 11.º da LAT):

2. O local e o tempo de trabalho

Conforme resulta expressamente da al. a) do n.º 2 do art. 8.º da LAT, conceito normativo de “local de trabalho” enquanto elemento integrador do acidente de trabalho tem um conteúdo mais abrangente do que o da mera situação geográfica específica onde estava sediada a laboração da empresa ou onde o trabalhador exerça a sua atividade profissional. Trata-se, aqui, de todo o local onde o trabalhador se encontrar direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador, ou seja na dependência jurídica do mesmo.

Tal “ampliação” da noção de local de trabalho funda-se na teoria do risco de autoridade, no facto de o trabalhador se colocar na disponibilidade do empregador assim se mantendo enquanto perdura o contrato e durante o tempo de trabalho, mesmo que nas ocasiões em que não executa tarefas inerentes à atividade laboral.

Consequentemente é à luz da teoria da autoridade que teremos, perante o caso concreto, de verificar se no local específico onde ocorreu o acidente o trabalhador se mantinha ou não direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador.

Integram seguramente tal conceito, os seguintes espaços:

 zona ou dependência onde ocorre a laboração própria dita;

 locais que servem de suporte à prestação laboral (dentro ou não das instalações), como vestiários, lavabos, refeitórios, zonas de repouso usadas durante pausas/interrupções da atividade laboral laborais (ex: camaratas, quartos, etc.);

 zonas de acesso à exploração, desde que usadas para esse efeito, ainda que também possam ter caráter público;

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http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7b5fdce3b0e4c049802577140032def0 ?OpenDocument

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Sobre o conceito de subitaneidade, cfr., igualmente os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria- Geral da República n.º 7/85, de 14/03/1985, no DR II série, n.º 108/85, de 11/05/1985, p. 4387, com extensa citação de anteriores pareceres e, em especial, o parecer n.º 206/78, de 02/11/1978, no BMJ, n.º 286, p. 121.

 local de pagamento da retribuição e durante o tempo que o trabalhador aí permanecer para esse efeito (pode ser na área de laboração ou não. Há, por vezes, certos costumes em algumas atividades, em que o local de pagamento nada tem que ver com o local de laboração);

 local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esses fins.

Sobre o conceito de tempo de trabalho enquanto elemento integrador do de acidente de trabalho rege a al. b) do n.º 2 do art.º 8.º da LAT. Sintetizando o regime legal, podemos considerar que o integram esse conceito de tempo de trabalho:

 o período normal de trabalho (entendido este como o período normal de laboração para o trabalhador sinistrado, que pode ser diferente dos demais trabalhadores ou de apenas alguns deles);

 períodos que precedem a atividade (ex: tempo gasto a equipar-se, a preparar as ferramentas que vai utilizar, etc.) e períodos que se sucedem à atividade (os mesmos anteriormente referidos, agora no sentido inverso);

 períodos correspondentes a interrupções normais (como, pequenas pausas para satisfação de necessidades fisiológicas ou outras permitidas pelo empregador ou decorrentes da lei, por exemplo, amamentar);

 períodos correspondentes a interrupções forçadas da atividade (estas têm, em regra, carácter imprevisível e são sempre alheias à vontade do trabalhador).

Embora adequados a regular a maioria das situações de sinistralidade laboral, os conceitos de local e tempo de trabalho que integram o conceito de acidente de trabalho não permitem dar resposta adequada a outras situações que se situam na órbita do núcleo essencial deste último, mas merecem igual tutela.

Assim, por construção jurisprudencial, nasceu o conceito de acidente de trajeto, ou in

itinere.

Esta figura encontra-se atualmente regulada no art. 9.º do LAT sob a epígrafe “extensão do conceito”. Porém, este preceito engloba realidades que não se reconduzem necessariamente à figura dos acidentes in itinere.

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De qualquer modo, dir-se-á que resulta do n.º 1 daquele normativo que constituem acidentes in itinere os verificados no trajeto de ida e de regresso para e do local de trabalho, nos termos definidos n.º 2 do mesmo artigo.

Este enumera algumas situações qualificáveis como acidente de trabalho in itinere, em função dos locais de origem e destino do trabalhador. Trata-se de uma enumeração meramente exemplificativa, visto que a mesma é antecedida da expressão “a alínea a) do

número anterior compreende”. Porém, e de forma mais subtil, introduz dois requisitos gerais:

que o acidente se verifique em trajeto normalmente utilizado, e durante o período de tempo que o trabalhador habitualmente gasta para o percorrer.

Os trajetos enumerados neste preceito são os seguintes:

 entre qualquer dos locais de trabalho, quando o trabalhador tenha mais do que um (al. a));

 entre a residência habitual ou ocasional do trabalhador, e as instalações que constituem o seu local de trabalho (al. b));

 entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e o local do pagamento da retribuição (al. c));

 entre qualquer dos locais referidos na al. b) e o local onde o trabalhador deva receber assistência ou tratamento decorrente de (anterior) acidente de trabalho (al. d));

 entre o local de trabalho e o local da refeição (al. e));

 entre o local onde por determinação do empregador presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual ou a sua residência habitual ou ocasional (al. f)).

O requisito da habitualidade do trajeto deve contudo ser interpretado de acordo com o n.º 3 do mesmo art. 9.º, que admite que tal trajeto sofra interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito”.

Densificando estes conceitos, ensina JOSÉ ANDRADE MESQUITA24:

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“A necessidade atendível tem a ver com a prossecução de objectivos meritórios, de

acordo com as valorações do ordenamento jurídico. Pode tratar-se da alimentação do próprio trabalhador, da verificação e uma aparente anomalia no automóvel, ou do transporte dos filhos à escola. Já o desvio para ir fazer compras não se enquadra neste conceito, a não ser que a organização do dia de trabalho não permita ao trabalhador adquirir bens de primeira necessidade noutra ocasião. Justifica-se, por exemplo, um desvio para comprar água se, entretanto, o abastecimento foi interrompido.

Os casos de força maior relacionam-se com circunstâncias que tornam impossível ou inexigível que o trabalhador proceda diferentemente, como, nomeadamente, cortes de estrada, avarias mecânicas do automóvel, paragem do comboio que o trabalhador utiliza, etc.

Por seu lado, os casos fortuitos abrangem ocorrências que, fugindo à regra, justificam a observância de um comportamento diferente do habitual. Estamos a pensar, por exemplo, no facto de o trabalhador se enganar na saída ou entrada de uma auto-estrada, sendo obrigado a fazer um desvio significativo”.

Por outro lado, o mesmo n.º 1 do citado preceito consagra outras formas de “extensão” do conceito de acidente de trabalho que não se reconduzem à figura dos acidentes in itinere. Trata-se dos acidentes que ocorram:

 na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade empregadora (al. b);

 no local de trabalho e fora deste, quando no exercício do direito de reunião ou de atividade de representantes dos trabalhadores, nos termos previstos no CT (al. c));

 no local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa da entidade empregadora para tal frequência (al. d));

 no local do pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para o efeito (al. e));

 no local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento em virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esse efeito (al. f));

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 em atividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação de contrato de trabalho em curso (al. g));

 fora do local ou do tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos.

3. O dano

Como já referenciámos, o conceito vertido no art. 8.º, nº 1 da LAT parece reconduzir o conceito de dano indemnizável ao de lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte do trabalhador ou a redução da capacidade de ganho.

Numa primeira análise poderíamos ser levados a considerar que uma lesão que não tenha uma destas consequências não permite qualificar o acidente como de trabalho.

Contudo, os acidentes que provocam pequenas lesões não suscetíveis de reduzir, mesmo temporariamente, a capacidade de ganho, são suscetíveis de reparação na devida proporção com a prestação de primeiros socorros (artigo 26.º da LAT).

Porém, parece certo que as lesões que não geram a morte nem incapacidade temporária ou permanente para o trabalho são apenas merecedoras de uma tutela residual.

Com efeito, o núcleo essencial do conceito de dano em que se focaliza a tutela legal em matéria de acidentes de trabalho não será tanto a lesão, perturbação ou doença e o sofrimento que estas implicam, mas antes a morte ou redução na capacidade de trabalho ou

de ganho, resultantes daquela lesão, perturbação ou doença.

A tutela infortunística laboral só se concretiza plenamente quando ocorre a morte ou incapacidade.

Por isso, podemos concluir que no domínio do direito à reparação dos danos decorrentes de acidentes de trabalho a vida ou à integridade física gozam de uma tutela meramente reflexa, sendo que o objeto central de tal tutela é o direito à integridade

económica ou produtiva do trabalhador.

A medida em que tal direito é afetado é suscetível de ser hierarquizada em diversos níveis.

Assim, e desde logo, a morte corresponde à supressão total da capacidade de trabalho e de ganho.

Por outro lado, a redução na capacidade de trabalho reporta-se à necessidade de estabelecer uma incapacidade do sinistrado para o seu trabalho habitual.

Finalmente, a redução na capacidade de ganho se reporta à diminuição da capacidade geral de ganho do trabalhador.

Na verdade é diferente a incapacidade que ocorre para um sinistrado que perdeu um dedo duma mão conforme o seu trabalho exija ou não a utilização duma destreza manual em que todos os dedos sejam absolutamente fundamentais. Um pianista sofrerá, nessa situação, de incapacidade absoluta para o trabalho habitual, enquanto outro trabalhador, com outra profissão, poderá apenas sofrer uma redução na sua capacidade geral de ganho.

Contudo, a lei não define o que seja “trabalho habitual”. Mas decorre da experiência que a lesão que afeta o trabalho habitual será aquela que depois de curada deixa uma inutilidade absoluta para todos os trabalhos da mesma profissão, arte ou ofício a que se dedicava o sinistrado à data do acidente, ainda que possa dedicar-se a outra.

Trata-se, pois, de uma incapacidade de 100% para o exercício da profissão habitual

do sinistrado, mantendo este uma capacidade residual para o desempenho de outra profissão compatível, com uma capacidade de ganho diminuta.

O regime legal de reparação dos acidentes de trabalho não visa reparar lesões, dores ou sofrimentos não traduzíveis nas incapacidades descritas na lei, ou morte, pelo que não

são reparáveis os danos não patrimoniais ou morais, exceto se o acidente de trabalho

tiver ocorrido por culpa da entidade empregadora, conforme resulta do artº 18.º, n.º 1 da LAT.

Nestes casos, estamos perante uma exceção à própria exceção que é o regime de responsabilidade objetiva por acidente de trabalho, o que equivale afinal, nesses casos pontuais, ao reencontro da regra geral da responsabilidade por danos não patrimoniais;

Também não são indemnizáveis as lesões de outra natureza que não sejam corporais ou funcionais.

Assim, se a explosão, a queda, o desabamento, etc., apenas provocarem abalo moral, a reparação desse dano não ocorre ao abrigo da lei dos acidentes de trabalho. O mesmo se dirá, relativamente aos danos decorrentes do estrago da roupa, ou da avaria de um relógio de pulso pertença do sinistrado.

Porém, a fratura duma perna artificial ou de uns óculos, a avaria ou destruição de uma cadeira de rodas utilizadas por um trabalhador, quando tal fratura ou destruição se possam considerar consequência do acidente de trabalho, deverão integrar o conceito de

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“lesão ou perturbação funcional” referido no art.º 8.º, n.º 1 da LAT, com todas as consequências daí resultantes.

De qualquer modo sempre seriam indemnizáveis tais danos ao abrigo do art.º 43 da LAT (reparação ou substituição de “ajudas técnicas” de que o sinistrado era portador à data do acidente).

No caso de morte, o que se tem em vista é a integridade produtiva do sinistrado, do qual certas pessoas dependem, pelo que não é o direito à vida que é reparável, mas sim

a expetativa de rendimento que a prestação de trabalho e as suas contrapartidas remuneratórias criaram no agregado familiar.

Não se trata de um direito sucessório, mas de um direito pessoal e irrenunciável dos familiares e equiparados (art.º 57.º e 78.º da LAT), em função da dependência presumida – cônjuges, pessoas em união de facto e filhos (n.º 1, alíneas a), e c)) ou da dependência real – ascendentes e outros parentes sucessíveis e enteados (n.º 1, alíneas b), d), e e), e n.º 2) para cujo sustento à data do acidente, o sinistrado tinha de contribuir com regularidade.