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Em 16 de Maio de 2007, o Tribunal de Contas da União deu parecer favorável a representação da Bioenergy Geradora de Energia Ltda. contra o Incra a

respeito de supostas irregularidades no contrato de concessão de uso oneroso de

imóvel firmado com a Enerbrasil – Energias Renováveis do Brasil Ltda. Pela

ausência de legislação que regulamente a atividade, os contratos sem processo licitatório realizados entre a Enerbrasil e o Incra foram considerados ilegais e até hoje ex-técnicos do órgão respondem processos na justiça pelo ocorrido.

Do ponto de vista dos(as) assentados(as), os relatos dão conta que a primeira reunião entre empresas representantes do setor eólico e os moradores locais ocorreu há mais de 10 anos. Em 2005, houve encontros no Centro Pastoral de Rio do Fogo, nas quais o processo de instalação do parque eólico foi devidamente explicado à população daquele município, através de projeções. No início, relatam os(as) assentados(as), foram prometidos vários projetos como o calçamento das ruas, empregos e perfuração de poços, mas o primeiro nunca se concretizou, os empregos foram temporários e escassos, e o poço somente efetivado anos mais tarde. A possibilidade de intervenções, pelos participantes, nessas reuniões com a empresa também era mínima, havendo até casos de algumas falas suprimidas.

De acordo com os(a) entrevistados(a), os empreendimentos eólicos inseridos nos limites do assentamento geram um retorno financeiro fundamental para eles. Do Parque Eólico Zumbi/Rio do Fogo (Iberdrola) é gerado um retorno de R$ 100,00/mês para cada família e um pagamento anual para a associação de moradores de R$ 24.000,00. Quanto ao Parque Eólico Arizona 1 (Força Eólica do Brasil), o retorno financeiro é apenas mensal e na quantia de R$ 312,00 para cada família.

Em termos de projetos sociais e obras de infraestrutura, os(a) entrevistados(a) relataram que através das empresas houve a construção da escola de educação infantil localizada na vila rural e a perfuração de um poço tubular, com água de boa qualidade, e a conexão de todas as residências ao poço. Além disso, após 10 anos de operação do Parque Eólico Zumbi/Rio do Fogo houve o pagamento de um valor que os(a) entrevistados(a) não souberam precisar, mas que foi utilizado para pequenas reformas em todas as residências da vila rural. Pelo Arizona 1, há a entrega de uma cesta básica para cada família, ao final do ano.

Os(as) assentados(as) relataram ainda que nem sempre o pagamento firmado em contrato era depositado diretamente na conta da associação. Muitas

vezes, o dinheiro destinava-se diretamente a uma conta do próprio Incra e este órgão se responsabilizava pela gestão do recurso. Em alguns momentos utilizou-se este dinheiro para o pagamento de algumas dívidas juntos aos bancos credores e houve também a aquisição de 72 (setenta e duas) cabeças de gado (reses), sendo uma para cada família assentada. Porém, relatos obtidos por Rozendo, Ferraz e Bastos (2014), dão conta de reclamações em relação à qualidade das reses adquiridas, algo não citado na entrevista concedida.

Quando questionados sobre quais as principais mudanças ocorridas no assentamento pela instalação dos parques eólicos, os(as) assentados(as) afirmaram que a vida melhorou, pois, o recurso que é pago à eles mensalmente, mesmo que ínfimo, diante dos lucros obtidos pelas empresas com a exploração da área, ajuda na aquisição de alimentos e na quitação de algumas dívidas parceladas. Durante a entrevista, os(as) assentados(as) afirmaram ainda que se um novo empreendimento pretendesse se instalar na localidade teriam o aval da maioria dos moradores.

Cabe aqui uma análise crítica a respeito dos relatos obtidos em campo. Apesar de representar a fala de mais de um morador do assentamento Zumbi/Rio do Fogo, os relatos obtidos durante a etapa de campo desta dissertação vão de encontro a alguns trabalhos anteriormente publicados sobre o tema, conforme citados anteriormente. Em todos estes trabalhos foram citados conflitos latentes entre a energia eólica e o assentamento rural, porém no trabalho realizado para esta dissertação, os(as) assentados(as) se mostraram pacíficos diante da coexistência com os parques eólicos, apesar de algumas questões existentes.

É válido ressaltar que o universo amostral utilizado neste trabalho, em virtude da abrangência espacial da análise (praticamente todas as localidades do Rio Grande do Norte em que há produção eólio-energética) não dá conta da totalidade dos assentados residentes em cada local visitado. Não se trata de um estudo de caso, com a aplicação de dezenas de questionários em uma mesma localidade. Trata-se de um trabalho de análise territorial, entendido enquanto totalidade. Por este motivo, as realidades que foram expressas pelos(as) entrevistados(as) não refletem em todos os assentamentos, apesar de ser um bom indicativo das diferentes vivências presenciadas.

Quando questionados a respeito dos ruídos dos aerogeradores como um elemento incômodo, um dos(as) entrevistados(as) afirmou: “Não incomodam muito não. Se for por isso, mais barulho faz a maré e ninguém reclama”, referindo-se ao

som das ondas do Oceano, visto que o assentamento se encontra em zona costeira. É importante ter em mente que os relatos podem não significar um pensamento geral da comunidade, mas apenas um indicativo de cada situação. Sendo um estudo de caso, então recorre-se a aplicação de vários questionários em uma mesma localidade, abarcando assim a percepção mais abrangente.

5.1.2 Mato Grande: densidade técnica da Energia Eólica em plena Caatinga potiguar

Mato Grande é o nome dado a um Território da Cidadania60 do Rio Grande do Norte localizada na porção nordeste deste estado, abrangendo municípios tanto da microrregião da Baixa Verde e do Litoral Nordeste. Trata-se da área de maior adensamento técnico do setor eólico em terras potiguares, havendo dezenas de parques eólicos instalados, centenas de aerogeradores em funcionamento, várias subestações e quilômetros de linhas de transmissão. A instalação desses objetos técnicos está presente na paisagem da região de maneira muito nítida e, nos últimos 10 anos, a dinâmica local foi bastante alterada justamente em virtude da instalação desses objetos (Figura 15).

Figura 15 – Estruturas técnicas voltadas à produção e transmissão de energia elétrica. A) Rede elétrica às margens e sobre a RN-120, entre João Câmara/RN e Parazinho/RN. B) Centenas de torres e linhas de transmissão conectam a energia gerada na região com o Sistema Interligado Nacional (SIN).

Fonte: ARAÚJO; Marcos Antônio Alves de, 2017.

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O território do Mato Grande, constituído um dos territórios da cidadania do RN. Abrange uma área de 5.758,60 Km² e é composto por 15 municípios: Bento Fernandes, Caiçara do Norte, Ceará-Mirim, Jandaíra, João Câmara, Maxaranguape, Pedra Grande, Poço Branco, Pureza, Rio do Fogo, São Bento do Norte, São Miguel do Gostoso, Taipu, Touros e Parazinho. Possuí 6.665 agricultores, 5.161famílias assentadas e 1 comunidade quilombola, porém é o território economicamente mais pobre, apresentando um IDH médio de 0,61 (MDA, 2012).

A) )

B) )

Mesmo considerando que o território do Mato Grande possui 15 municípios, fizemos a opção de neste momento apresentar apenas os relatos obtidos nos municípios de João Câmara/RN e Parazinho/RN. O motivo é que ambos os municípios citados são um caso à parte, se destacando dentro do contexto regional e até mesmo nacional. Segundo o CERNE/SEERN (2016) até o ano de 2016, Parazinho e João Câmara despontavam como os municípios brasileiros de maior potência instalada, no que se refere à energia eólica (Quadro 8).

Quadro 8 – Municípios Brasileiros com maior potência eólica e parques eólicos instalados.

RANKING UF MUNICÍPIO POTÊNCIA INSTALADA EM OPERAÇÃO COMERCIAL (Mw) PARQUE EÓLICOS INSTALADOS (AEROGERADORES) 1º RN Parazinho 604,00 21 (304) 2º RN João Câmara 576,16 22 (305) 3º BA Caetité 509,14 20 (319) 4º RS Santa Vitória do Palmar 420,89 21 (219)

Fonte: CERNE/SEERN (2016), adaptado pelo autor.

Além disto, ambos os municípios não possuem litoral, como os demais localizados no Mato Grande, o que os diferencia em termos de impactos às dinâmicas locais. Por este motivo, nosso foco se deu na relação dos parques eólicos com assentamentos rurais localizados apenas nos dois municípios citados (Mapa 5).