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Ao examinar a linha de evolução, conforme Reis (1978, p.11-12), é possível rastrear uma

[...] visão de conjunto da obra de Eça de Queiroz, que revela-nos, antes de mais, um escritor polifacetado, porque responsável por uma produção literária que pode ser distribuída por três sectores: há um Eça romântico (o das Prosas Bárbaras (1866-1867) e o da primeira versão d’O Crime do Padre Amaro (1875); há depois, um Eça progressivamente atraído pelos valores do naturalismo [...], há, finalmente, um Eça eclético, isto é, aberto a várias tendências estéticas e sobretudo não enquadrado de modo rigoroso em qualquer corrente específica [...].

A tradição dos estudos sobre a obra queiroziana aponta “fases”, segundo as quais será possível observar a predominância de um estilo e até de uma estética. Essas fases, de acordo com Oscar Lopes e José Saraiva (1969), são as seguintes:

– 1ª fase: As prosas bárbaras;

– 2ª fase: 1871 a 1880 (fase realista);

– 3ª fase: A cidade e as serras, A correspondência de Fradique Mendes,

A ilustre casa de Ramires, As vidas dos santos.

Em estudos mais recentes, com alguns “ajustes” em relação à clássica tripartição das fases, Reis e Milheiro (1989, p.97-98) analisam os três momentos da produção, apontando, na última fase, um certo ecletismo, uma vez que transita entre o realismo crítico e “um certo fascínio pelo imaginativo fantástico”. Outros estudiosos, como Grossegesse (1995), defendem a presença da ambigüidade na produção do escritor, fruto das influências do século XIX.

Como mencionado, no início dos seus escritos que se têm registrados, Eça produz as Prosas Bárbaras, título póstumo publicado em 1903 e que resgata folhetins publicados na Gazeta de Portugal entre 1866-1867. França (1993) diz que “estas prosas eram ‘bárbaras’ pelo estilo recheado de imagens e pelo seu ultra- romantismo que transportava já em si a própria condenação. Florestas de fantasmas, de espectros, onde as forcas escreviam suas memórias [...]”. Trata-se de textos curtos, de pequena extensão. Se essa foi uma “experimentação” ou uma “iniciação” no curso do fantástico, o estilo não se estende: como concorda Franchetti (2007), não há continuidade nem de estilo nem de forma na sua produção. As

Prosas bárbaras representam as notáveis tendências de Vitor Hugo, Baudelaire,

Nerval, Heine, e também Comte, Hegel e Proudhon. Essas leituras se tornam mais acessíveis com a inauguração da estrada de ferro que chega a Coimbra. Organizados os encontros, os jovens liderados por Antero de Quental lêem e discutem os textos com entusiasmo, seguidos de longas declamações à madrugada:

Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico e Proudhon; e Hugo, tornado poeta e justiceiro dos reis; e Balzac, como seu mundo perverso e lânguido; e Goethe, vasto como o Universo; e Poe, e Heine, e creio que já Darwin, e quantos outros! (QUEIROZ, 2000b, p.815).

A transposição para a segunda fase é gradual. Em “Egito” (edição póstuma), observa-se um estilo mais filiado ao dos moços de Coimbra, por apresentar detalhes advindos de observações precisas. Vale lembrar que a obra é

constituída por notas tomadas na viagem que Eça realizou ao Oriente no final de 1869.

É justamente na segunda fase que se observa a precisão da escrita que consagra o escritor. De 1871 (ano das Conferências no Cassino) a 1880, Eça leva ao público o resultado fecundo da sua observação aguda, crítica, apurada da sociedade portuguesa. O crime do Padre Amaro e O primo Basílio, obras de sucesso junto ao público, são títulos tidos como naturalistas e pertencentes a esse momento, o da segunda fase. Porém, com a publicação de O Mandarim, pequena novela publicada em julho de 1880 no Diário de Portugal, cujo enredo possui teor fantástico, Eça se distancia do estilo realista-naturalista e, na colocação de Franchetti (2007) encaminha-se para um “discurso impressionista”, desenvolvendo narrativas com outro estilo.

São consideráveis as colocações de ordem estética que apresenta em determinados textos, como os prefácios que escreve para livros de amigos. Em O

Brasileiro Soares (1886), de autoria de Luiz de Magalhães, Eça, aproveitando-se da

figura do “brasileiro”, evidencia uma suposta falsidade romântica. Segundo ele, os românticos aproveitam o momento oportuno para tematizar determinado assunto. Para exemplificar, toma o exemplo do emigrante. Este não agrada, pois “esse labrego, largando a enxada, embarca para o Brasil num porão de galera, com um par de tamancos e uma caixa de pinho” (QUEIROZ, 2000, p.52). Porém, quando

[...] este mesmo cavador endinheirado comovia o Romantismo até à Elegia, quando ele era ainda o triste emigrante, parando uma derradeira vez na estrada, para ouvir o ruído do açude entre as carvalheiras da sua aldeia; quando ele era o pobre embarcadiço, de noite, do mar gemente, encostado à borda da escuna Amélia, erguendo os olhos chorosos para a lua de Portugal... Apenas voltava porém, com o dinheiro que juntara carregando todos os fardos da servidão – o saudoso emigrante passava logo a ser brasileiro, o bruto, o reles, o alvar. (QUEIROZ, 2000a, p.52).

Nesse prefácio, evidencia-se a visão da estética plasmada em solo português. O olhar agudo, preciso e incisivo capta o cotidiano e o analisa. Se antes o emigrante era um ser que interessava ao romântico, depois passa a ser repugnante, porque “o trabalho despoetizara o triste emigrante” (EÇA DE QUEIROZ, 2000, p.52). O emigrante, então “brasileiro”, apresentado por Luiz de Magalhães em sua obra, traça um novo perfil desse sujeito, analisado por Eça no prefácio do título:

Querendo estudar um brasileiro, num romance, V. faz isto, que é tão fácil, tão útil e que nenhum dos antepassados da literatura quis jamais fazer: abre os olhos, bem largos, bem claros, e vai de perto olhar para o brasileiro, para um qualquer, que passe num caminho, em Bouças, ou que esteja à porta da sua casa, na Guardeira, com o seu casaco de alpaca. E imediatamente reconhece que ele, como V. e como o seu vizinho, é um homem, um mero homem, nem ideal, nem bestial, apenas humano: talvez capaz da maior sordidez, e talvez capaz do mais alto heroísmo, podendo bem usar um horrível colete de seda amarela, e podendo ter por baixo dele o mais nobre, o mais leal coração: podendo bem ser ignóbil, e podendo, por que não?Ter a grandeza de Marco Aurélio! (QUEIROZ, 2000a, p.55).

Ainda nesse segundo momento da evolução literária, não poupa as bases burguesas. Além da família ser defeituosa na constituição (casamentos por conveniência), focaliza a mulher, vítima de uma educação romântica, que a leva ao adultério. Na mesma linha problemática situa-se o clero, portador de vícios escondidos, como o desvio do celibato, a boêmia, a corrupção, enfim, a vida desregrada não prevista nos padrões eclesiásticos. O lazer burguês também vem à cena: os salões, por exemplo, são formados por personagens frívolas, fúteis, que se divertem por meio da satisfação de vícios (jogos, bebidas, gula). Esses são frutos das condições culturais, da educação e da literatura, que são insistentemente atacados no meio português.

Se nesse momento de sua produção o autor português segue as recomendações da teoria do romance realista advindas da literatura francesa, numa análise perspicaz dos tipos sociais, adiante essa veia incisiva se dilui, tornado-se bem menos incisiva, traço caracterizador da fase que vem recentemente denominada entre os estudiosos ecianos de “último Eça”. Não que perca sua crítica, mas a operacionaliza de forma conjugada a outros elementos, observando diferenças e deveres sociais, numa espécie de conscientização coletiva. É o que se observa, por exemplo, nos contos das Últimas páginas (obra póstuma), especialmente em “S. Cristóvão”. Nele, Cristóvão se mostra um homem puro e inocente, que ajuda espontaneamente o povo, tendo em vista a vaidade e a hipocrisia da sociedade causadoras da exploração dos humildes, o que faz dele um homem de ações, acima de ideologias, preocupado em resgatar valores nobres.

Juntamente com as produções ficcionais mais conhecidas, Eça de Queiroz vai produzindo os contos, tipo de narrativa que vai acompanhá-lo durante

toda sua história literária, ainda que, para Álvaro Lins (1959), ele os produza para colaboração remunerada ou amizade. Levando em consideração as colaborações para a Gazeta de Portugal e Districto de Évora constata-se que as primeiras histórias publicadas datam de 1866, estendendo-se até 1897, atravessando, portanto, toda a história literária do escritor e seus diferentes momentos de criação estética. Os contos nunca foram reunidos para publicação em vida; Eça sempre os apresentou em periódicos brasileiros e portugueses. Eles são editados dessa forma apenas em 1902, dois anos após a morte do escritor, a pedido de sua esposa, pela editora Lello e Irmãos Chardron. Nessa edição, que leva o título geral de Contos, constam doze narrativas, que se tornaram conhecidos dos leitores ecianos: “Singularidades de uma rapariga loura” (publicada no Diário de Notícias, 1874), “Um poeta lírico” (publicada em O Atlântico, 1880), “No moinho” (publicada em O

Atlântico, 1880), “Civilização” (publicada na Gazeta de Notícias, 1892), “A aia”

(publicada na Gazeta de Notícias, 1893), “O tesouro” (publicada na Gazeta de

Notícias, em janeiro 894), “Frei Genebro” (publicada na Gazeta de Notícias, em

março de 1894), “O defunto” (publicada na Gazeta de Notícias, em 1895), “Adão e Eva no paraíso” (publicada no Almanach Enciclopédico, 1896), “A perfeição” (publicada na Revista Moderna, em maio de 1897), “José Matias” (publicada na

Revista Moderna em junho de 1897), “O suave milagre” (publicada na Revista Moderna e dezembro de 1898). Trata-se, então, de textos publicados vistos e

revisados por Eça quando apresentados para os periódicos, mas não quando são reunidos nos Contos. Dessa primeira edição não constam outros títulos contidos na

Gazeta de Portugal, talvez pela extensão ainda menor que os mencionados e por se

tratarem de narrativas tétricas, fantasiosas, influenciadas pelas leituras da juventude. Também não estão selecionados outros títulos que Eça escreveu.

O questionamento realizado por estudiosos ecianos acerca dessa edição se refere ao critério adotado, uma vez que não atende nem ao cronológico nem ao temático. Outras edições posteriores a da organizada pioneiramente por Luís de Magalhães repetem títulos, mas com pequenas alterações. É o caso da de Luiz Fagundes Duarte (1989), que inclui o texto “Tema para versos”, introdução ao conto “A aia” e também o conto “Milagre”. O autor cuida para que os contos sejam agrupados por critérios temáticos contemporâneos a Eça e por temas bíblicos, medievais ou mitológicos. Também o volume de Helena Cidade Moura (1999),

editado pela Livros do Brasil, traz o conto “Outro amável milagre”, título não incluído na edição de 1902.

Contudo, outras narrativas produzidas continuavam quase no anonimato, até que o espólio dos textos originais do escritor é comprado em 1975 e depositado na Biblioteca Nacional de Lisboa, onde uma equipe de filólogos e queirozianos se debruçam para estabelecer os textos originais.

Por ter suas criações amplamente publicadas, a produção queiroziana sofre alterações, sobretudo em relação aos títulos póstumos. Quando da sua morte, a esposa, Dona Emília, em carta a Ramalho Ortigão, solicita que ele e Luís de Magalhães examinem os papéis que ela recolhera e consultem as editoras Lello e Irmão e Livraria Chardron. Aceitos os pedidos, ambos passam a realizar a “revisão” daqueles papéis. Sabe-se que Luís de Magalhães cuida para que as publicações aconteçam. Por outro lado, Ramalho não: após sua morte, em 1915, seus filhos encontram manuscritos de A capital, O conde de Abranhos e cartas de Fradique Mendes, que são então enviadas a José Maria de Eça Queiroz, filho mais velho do escritor, em 1924.

De posse dos manuscritos, e passando por dificuldades financeiras, o filho “termina” o que era inacabado, imitando o estilo do pai. Declara que “toda obra póstuma de meu Pai, publicada nessa casa [Lello], organizada por amigos dedicados, de acordo com minha mãe, compunha-se de trabalhos já completos, quase perfeitos.” (apud REIS, 1999, p.189). A família sempre se manteve muito reservada em relação aos assuntos mais particulares e muito atenta à forma como a crítica se posicionava diante do autor, o que causou alguns mal-estares. O filho declara acerca dos manuscritos: “É claro que possuímos, minha irmã e eu, cativos, quantidades de papéis íntimos do nosso Pai, toda uma vasta correspondência, notas, manuscritos, e tudo isso, todo esse espólio é nosso, muito nosso, exclusivamente nosso” (SIMÕES, 1980, p. 46).

Com o objetivo maior de preparar a edição crítica dos textos queirozianos, isto é, de restituir a autenticidade possível ou aquilo que seria a vontade final do seu criador, a Biblioteca Nacional conserva seu espólio composto por catorze caixas, contendo, até o momento, 309 documentos. Fazem parte desse acervo os manuscritos originais das obras póstumas e semi-póstumas, cartas a sua esposa e alguns “rascunhos” de textos. Esse conjunto possui extensão e natureza muito desiguais, de acordo com o responsável pelos estudos, Carlos Reis, da

Universidade de Coimbra e um dos principais pesquisadores da produção queiroziana. Segundo ele (1999, p.192-3), após todo o processo de estudo e posterior estabelecimento dos textos, as edições críticas se estabelecem em obras de ficção, divididas em não-póstumas, semipóstumas e póstumas; crônicas e textos de imprensa, epistolografia, organizada em dois blocos: o doutrinária e o particular; narrativas de viagem e traduções.

Vale dizer que a publicação das edições críticas fica a cargo da Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Até o momento, já as possuem Textos de

Imprensa I, IV, V e VI, O crime do Padre Amaro, Alves e Cia, A ilustre casa de Ramires, O mandarim, A Capital, Correspondências e Contos II.

Nesse último, quatro títulos pouco conhecidos vêm à tona: “A catástrofe”, “Um dia de chuva”, “Enghelberto” e “Sir Galahad”, estabelecidos por Marie-Hélène Piwnick, pesquisadora da produção contista de Eça. Segundo a estudiosa (2003), esses seguiram a releitura dos filhos do escritor, e publicados, respectivamente, em 1925, 1929 (segunda e terceira narrativa mencionadas) e 1966, e apresentam-se, agora, corrigidos e esclarecidos, apesar de sua condição ser menos acidentada do que em outros casos. Os manuscritos, encontrados nos escritório do escritor em Neuilly e transportados para Tormes em 1924, mostram que “A catástrofe” (relacionada com o projeto do romance A batalha do Caia, nunca publicado) e “Um dia de chuva” são narrativas acabadas, mas “Enghelberto” e “Sir Galahad”, não; tratam-se de rascunhos. A leitura deles mostram que os dois primeiros estão ligados à preocupação realista do autor, enquanto os dois últimos com as temáticas medievais.

Além dos acima mencionados que já possuem texto estabelecido criticamente, outros títulos foram publicados postumamente. Em 1912, Luiz de Magalhães edita as Últimas páginas – teoricamente os derradeiros textos de Eça –, contendo as três lendas dos santos (“S. Cristóvão”, “S. Frei Gil” e “Santo Onofre”). Após a essa publicação, os originais dos dois primeiros se perderam e apenas do último é que existem algumas folhas.

Os contos recebem maior atenção das editoras brasileiras nos últimos anos, quando determinados títulos são publicados a custo baixo. Também em língua estrangeira essas narrativas aparecem no mercado editorial: Rarezas de uma

muchacha rubia4, Singularités d’une jeune fille blonde5, Une singulière jeune fille blonde6.

É importante ressaltar que a aguardada edição da Obra completa, organizada e fixada pela professora Beatriz Berrini, é completa, não só, mas também, em relação às narrativas breves. Dela constam desde pequenos textos chamados por Piwnick “contos latu sensu” (BERRINI, 2000, p.1369), reunidos nas

Prosas bárbaras, passando pelos títulos da primeira edição dos Contos, em 1902 e

alcançando títulos póstumos, como os dos santos e aqueles com edição crítica acima mencionados. Cabe salientar que os textos literários dos quais este trabalho se serve pertencem a essa edição, pela sua reconhecida seriedade compartilhada na comunidade acadêmica queiroziana.

Ainda que a narrativa breve não tenha sido exatamente a sua linha de produção principal, ela o acompanha durante toda sua carreira de escritor. Lins (1959, p.30) entende que

Escrevia contos, porém, com todos os requisitos do gênero, como era conceituado no século XIX. Não fez contos-resumos de romance, não fez contos-simples, crônica de um fato ou apresentação de personagens. Os de Eça são sintéticos, monocromáticos, casuísticos. Não se sabe se conheceu os de Maupassant, mas os seus são bem à antiga: o enredo forma-se sempre de um caso fora do comum. Neles, Eça esquecerá um pouco os seus mestres e esquecerá de todo as exigências da escola realista. Nos romances estará murado pela disciplina e pelos processos naturalistas; nos contos, sente-se mais livre para as aventuras da imaginação.

Dessa fala destaca-se a idéia da originalidade da narrativa ao tratar de um assunto diferenciado a tal ponto de merecer ser contado. Porém, nem sempre seus contos se distanciam dos ideais estéticos realistas defendidos e difundidos por Eça, até publicamente. É o caso de “Singularidades de uma rapariga loira” e de “No moinho”, para ficar nos títulos mais incisivos.

O próprio autor se manifesta, ainda que poucas vezes, sobre as suas intenções em relação ao conto. Para ele, a linha de composição deve ser sóbria, rápida, o que está em consonância com os comentadores da época, como Poe, no

4

QUEIRÓS, E. de. Rarezas de uma muchacha rubia. Madrid: Aguilar, 1988.

5

______. Singularités d’une jeune fille blonde. Paris: L’age d’homme, 1983.

6

que se refere à brevidade, o que parece estar ligado ao princípio do bem escrever, bem ouvir e bem compreender. Em outras palavras, tal procedimento mantém o leitor atento, sintonizado à história bem contada. A esse respeito, Eça de manifesta em carta aos Condes de Arnoso e de Sabugosa, em 1895, avaliando o volume De

braço dado:

Foi um delicado prazer o ter-vos aqui, toda uma noite, ouvindo, ora a um, ora a outro, uma linda história bem sentida, real e no entanto poética, e contada com uma arte fina e sóbria. Positivamente, contar histórias é uma das mais belas ocupações humanas [...]. Todas as outras ocupações humanas tendem mais ou menos a explorar o homem; só essa de contar histórias se dedica amoravelmente a entretê-lo, o que tantas vezes equivale a consolá-lo. Infelizmente, quase sempre, os contistas estragam seus contos por os encherem de literatura, de tanta literatura que nos sufoca a vida! Vós não sois desses: contais simplesmente, com elegância, o que observais com verdade; e por isso nos dais histórias vivas que deixam uma emoção viva. (QUEIROZ, 1961, p.97)

Essa carta escrita cinco anos antes de sua morte guarda a opinião do escritor experiente, conhecedor da prática da composição e da leitura. Anos antes, em 1884, em carta a Oliveira Martins, Eça reclama de sua “névoa intelectual” que o impede até mesmo de encomendar com clareza uma peça ao alfaiate. Diante dessa “incapacidade”, por uma questão de honestidade, limita –se a produzir contos para crianças e sobre a vida dos grandes santos.

A leitura da correspondência de Eça é reveladora em relação ao cuidado despendido pelo escritor à elaboração de seus títulos contistas. Em setembro de 1891, quando já reclama de indisposição física, o autor comunica a Luís de Magalhães, editor, que acredita ser seu conto encomendado extenso para a publicação pretendida e que não consegue fazê-lo menor sem prejuízos. Afirma: “Cada vez possuo menos aquela arte de concisão que caracteriza o verdadeiro escritor”. (QUEIROZ, 1961, p.86). Um mês mais tarde, dá notícias ao seu editor que o primeiro número da revista não pode conter o seu conto, porque não conseguiu diminui-lo na sua extensão.

Eça, pelo o que pode ser observado na leitura de suas cartas, reconhece a propriedade necessária para aliar qualidade à brevidade, compatibilidade alcançada por ele em seus próprios contos.

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