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O Mercado está localizado no distrito municipal Ka M’Pfumo, antigo distrito Urbano n° 1. O Mercado compreende duas partes: a zona central, muito movimentada e de intensa atividade comercial e a parte periférica, com um movimento relativamente calmo. É atravessado por três estradas importantes, nomeadamente as Avenidas Albert Luthuli e Fernão Fernandes Farinha que vem da baixa em direção a periferia da cidade. Já a Avenida Emília Daússe, faz um cruzamento com estas duas, mesmo na parte central do Mercado. Nas zonas periféricas, o Mercado é limitado a este pela Avenida Muhamade Siad Barre, paralela a Albert Luthuli, a oeste pela Escola Secundária da Estrela Vermelha, a norte pela rua da Munhuana e na parte sul, como se pode ver nesta figura.

Av Mohamed Siad Barre

Av Emília Dausse Rua da Munhuana Av Albert Lithuli

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Existe no mercado uma estrutura de gestão que compreende o chefe do mercado e outros dirigentes subdivididos em cinco áreas de trabalho, designadamente higiene, segurança, organização, mobilização e assuntos sociais. Para além dos chefes de cada uma destas áreas de trabalho, em cada sector de venda existe um chefe que funciona como elo de ligação entre os vendedores desse sector com a direcção máxima do mercado.

Antes mesmo da existência dos mercados, existiram na cidade de Maputo, os dumba nengues. Trata-se de esquinas consideradas estratégicas para o negócio, assim chamadas porque, tratando- se de locais proibidos, enquanto vendem, as pessoas também estão sempre prontas para fugir da polícia, quando esta as surpreender. Segundo a senhora Oldia, o mercado foi formado por essas pessoas que vieram de diferentes esquinas da cidade. Foram retirados pelo governo durante os preparativos do 5º Congresso30, para não se “manchar o congresso”. Não se lembra com precisão quando foi o começo, mas tendo em conta que iniciou a vender no Estrela quando estava grávida do seu filho que completa em 2014, 24 anos de idade, considera que o mercado deve ter iniciado no ano de 1988 ou 1989. Já o chefe do mercado é mais preciso; situa o começo do mercado no dia 30 de Julho de 1989.

Segundo o depoimento da senhora Oldia, chegados ao Estrela, os vendedores tiveram que ajustar o produto de venda ao local. Ela por exemplo, vendia maçã no Ronil, mas no Estrela, o negócio de maçã não era viável, dada a escassez de clientes. Por isso, apostaram em produtos alimentares, como tomate, cebola, coco. Depois disso, alguém viu uma oportunidade de fazer dos vendedores seus clientes, servindo-lhes chá. A ideia valeu e daí surgiram, por assim dizer “restaurantes”, à moda de Estrela, servindo comida para os vendedores e progressivamente, a outras pessoas, que por várias razões, não podem comer em suas casas. Seguiram-se depois bancas de venda de material elétrico. O resto veio mais tarde.

A disposição das bancas confirma de alguma maneira, esta narrativa da senhora Oldia. As bancas de produtos alimentares frescos e de confecção de comida, estão no centro do mercado, de onde certamente o mercado começou e se alastrou para as zonas periféricas. Igualmente, as casas de banho e as torneiras públicas, bem como o próprio escritório do mercado, estão nessa zona central, já engolida pelo mercado que a cada dia se torna mais extenso. Outra evidência, é o muro de

30 O 5º Congresso havido na cidade de Maputo, no dia 17-07-1989, determinou a transição do sistema da economia centralizada para a economia liberal.

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vedação, construído pelo Município, que circunscreve esta zona. Portanto, a partir destes dados, pode-se concluir que o mercado inicial era delimitado pelas Avenidas Emília Daússe na parte sul, Rua da Munhuana no norte; a oeste pela Avenida Albert Luthul e a este pela Avenida Fernão Farrinha. Com o passar de tempo, todas as ruas e Avenidas foram ocupadas, por pessoas que se dedicam a venda produtos e prestação de serviços no ramo automóvel e por outros que montam bancas móveis nas bermas das estradas. A avaliar pelas dinâmicas no terreno, esta ocupação desordenada não termina. A cada dia, as estradas, recebem novos vendedores, quer como ambulantes, quer como fixos, tornando a circulação cada vez mais difícil e perigosa, para todos os que por lá se fazem: clientes, vendedores, automobilistas ou simples transeuntes.

O surgimento do mercado, de acordo com a narração da senhora Oldia, pode nos remeter, para pelo menos duas leituras possíveis. Em primeiro lugar, a decisão do governo pode significar uma vontade explícita de reconhecer e organizar o sector informal, na sequência da transição do sistema de economia centralizada para o sistema liberal. Além dos dumba nengues, desorganizados e hostilizados, estava na hora de colocar os vendedores informais em locais fixos, onde pudesse haver organização, controle, disciplina e decência.

A segunda leitura, é a que nos é proposta pela própria senhora Oldia. Na sua interpretação, relaciona a decisão do governo com a necessidade de expurgar da cidade, ou pelo menos dos seus locais mais nobres, os vendedores de esquina, porque a sua presença daria mau aspecto diante dos membros e convidados do congresso. Trata-se, na linguagem de Foucault (1974:47), da biopolítica, ou seja do controle dos corpos pela política. No início do seculo XVIII, mas com grande ênfase no seculo XIX, quando os pobres se tornaram uma ameaça politica e sanitária, o capitalismo fez da medicina um serviço social virado para controle dessas pessoas, consideradas perigosas. Segundo Foucault, a medicina social ou precisamente, a urbana nasce na França e na Inglaterra na sequência do medo dos indigentes e de todo o perigo que eles representam para a vida urbana: agitação, revolta, epidemias, pobreza, desordem e loucura. Sendo assim, o objetivo primordial da medicina, não é tanto a cura dos pobres, mas sim a proteção dos ricos. Na Inglaterra, escreve Foucault, “um cordão sanitário autoritário é estendido no interior das cidades entre ricos e pobres: os pobres encontrando a possibilidade de se tratarem gratuitamente ou sem grande despesa e os ricos garantindo não serem vítimas de fenômenos epidêmicos originários da classe pobre” (Foucault, 1974:56).

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De igual modo, o nascimento do cuidado hospitalar, nada tem a ver com a cura, como seria de imaginar, mas sim com a reclusão e assistência aos pobres. Por isso, numa primeira fase, o hospital esteve associado a figura do religioso orientado mais para o cuidado espiritual, e só num segundo momento é substituído pelo médico, orientada quer para o cuidado somático do doente, quer a purificação do meio ambiente circundante, por forma a evitar a propagação e o contágio das doenças. Portanto, tanto a medicina como o hospital, duas realidades distintas que só mais tarde se unificam, surgem como mecanismos de reclusão, controle dos perigosos e enquanto mecanismos de proteção da sociedade dita normal.

Lembro-me aqui do esforço havido a quando da realização da cimeira da União Africana em Maputo. Foram erguidos muros para cobrir as casas precárias ao lado da estrada que dá ao Aeroporto. A ideia era mesmo encobrir essa indigência e toda a anormalidade que representa dentro da urbe. Além da exposição dessa vergonha aos visitantes, o problema é que esses pobres poderiam por exemplo, na tentativa de aproveitar a oportunidade, aproximar-se aos dignatários para lhes vender algum produto, ou pior ainda, para lhes pedir esmolas e no caso mais extremo ainda, lhes roubar bens. Mas não são apenas os visitantes que correm estes riscos. Com o crescimento das desigualdades, outros moçambicanos relativamente melhor posicionados, não podem se sentir seguros ao lado destes bairros pobres de onde saem, geralmente, criminosos e ou se planificam actos criminosos.

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