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Localizando a direita radical no espaço político: à direita da

CAPÍTULO 2 – DO QUE É FEITA A NOVA DIREITA

2.2. Localizando a direita radical no espaço político: à direita da

Em parte, algumas das dificuldades associadas às noções de direita radical ou extrema direita são decorrentes dos problemas associados com a representação unidimensional do espectro político- ideológico; isto é, da ideia de que os padrões de competição política podem ser representados por uma metáfora espacial unidimensional opondo dois campos ideológicos onde uma única dimensão (esquerda- direita) sintetiza uma variedade enorme de temas e conflitos (Huber e Inglehart, 1995).

Embora a frustração com essa representação espacial unidimensional dos conflitos políticos não seja algo novo, o ceticismo quanto à sua validade e capacidade heurística para apreender completamente as posições e antagonismos em jogo aumentou de algumas décadas para cá diante da crescente complexificação das sociedades modernas, do “descongelamento” das clivagens políticas tradicionais e da “muldimensionalização” dos conflitos, da crise do socialismo e do colapso do comunismo, do aparecimento de novos atores políticos e de uma “nova política” (new politics) orientada por valores pós-materialistas, etc. (Bobbio, 1995; Giglioli in: Rosas e Ferreira, 2013; Ignazi, 2003). As dificuldades aumentam quando se olha especificamente para os partidos de direita radical, cujo aparecimento se dá justamente neste contexto e está associado à emergência de novos nichos no espaço de competição política decorrentes dessas transformações sociais e culturais. Além disso, mesmo se se admite que a despeito dessas transformações a díade esquerda-direita mantém seu significado – e, por extensão, sua utilidade –, tal significado não é uma propriedade intrínseca dessas palavras em si ou do campo político que designam. Dependendo da situação, do tempo ou dos atores, ser de direita ou de esquerda pode significar coisas diferentes. Atualmente, essas noções talvez tenham se tornado significantes vazios, sem qualquer conteúdo definido. Sendo a própria noção de direita elusiva, isso nos leva a concluir que, ipso facto, a de direita radical (ou extrema direita) também o é (Hainsworth, 1994: 3).

Existe também a questão de se uma imagem linear dos polos esquerda-direita representa de maneira fiel a relação entre os campos políticos mais afastados do centro. Talvez fosse mais apropriado representar curvilineamente esse espaço unidimensional, uma vez que certas ideias e temas alocados em ambos os seus extremos opostos (como a rejeição às liberdades individuais em favor de alguma noção de

comunidade ou coletividade e o uso da violência para alcançar fins políticos) se aproximam numa medida maior do que em relação ao espaço mais próximo ao centro – como os regimes totalitaristas de Stálin e Hitler exemplificam emblematicamente. Muitos dos próprios partidos da direita radical tendem a recusar a dicotomia entre esquerda e direita para se colocaram acima ou fora dela. Essa recusa, aliás, já era uma característica importante do fascismo clássico, que propunha uma terceira posição (third position) entre capitalismo e socialismo e era tanto antiliberal quanto antissocialista. Em vista de algumas das suas políticas ou das formas que assumia – por exemplo, fascismo como movimento e fascismo como regime, cuja diferença reside em seu ímpeto revolucionário num caso, e conservador no outro (De Felice, 1976; Paxton, 2004) –, é tarefa difícil localizar inequivocamente o fascismo no campo da direita. Ideias de esquerda, advindas particularmente de meios socialistas antimarxistas e do sindicalismo anárquico, influenciaram profundamente a ideologia fascista.

Assim, a distinção entre esquerda e direita ganha um significado muito particular em ideologias extremistas de direita como o fascismo, e isso também vale em certa medida para a direita radical de hoje. Para ela, essa distinção não passa de uma falsa divisão da sociedade decorrente de interesses particularistas. Como a direita radical é, via de regra, nacionalista e populista, essa dicotomia político-ideológica é entendida como uma distinção que decorre da falsa divisão da nação ou do “povo” por seus inimigos (internos e externos). Nesse sentido, a extrema radical não seria nem de esquerda, nem de direita, porque ela parte de uma concepção homogênea e holística da comunidade política. Daí porque tende a recusar também a noção de partido, igualmente associada com faccionalismo e interesses particularistas. Com efeito, os partidos da nova direita radical manifestam um discurso antipartidário, frequentemente preferindo ver a si mesmos como constituindo um movimento, frente, liga, bloco ou aliança unificando o povo e a nação em prol de seu progresso e liberdade (Hainsworth, 2008: 6-8).

Portanto, além do hibridismo entre elementos de esquerda e direita presentes nas visões extremistas de direita, a recusa dessa dicotomia está também associada à recusa do pluralismo democrático, ou seja, de que na sociedade e na política existem diferentes visões legítimas cuja competição entre si deve estar assegurada por dispositivos legais (Rosas e Ferreira, 2013).

A despeito de todas essas questões, a noção de direita permanece, na prática, válida. A metáfora espacial é compartilhada pelas pessoas e

ela molda seu comportamento eleitoral, as quais a utilizam como um mapa para se orientar entre os diferentes atores, discursos, temas e propostas políticas (Brug, 1999). Além disso, a tendência dominante entre os especialistas é entender o conflito político como sendo estruturado em torno de uma única dimensão cujos polos são definidos como esquerda-direita, embora seu significado concreto varie de contexto para contexto (Huber e Inglehart, 1995). Observa-se ainda uma justaposição entre o significado conferido às noções de esquerda e direita pelo público com o definido por intelectuais e cientistas políticos. No que se refere aos partidos de direita radical especificamente, pesquisas de opinião de especialistas (expert surveys)20 mostram consistência na classificação desses partidos no lado mais extremo do polo direito. Isso vale também para a percepção do eleitorado. Qualquer que seja a explicação que se dê à persistência da metáfora espacial, ela provavelmente perdura porque “the Right-Left schema has the basic fuction of giving sense to, and orientation in, a (complex) political world.” (Ignazi, 2003: 10).

Em razão de sua simplicidade, esse esquema tem a função cognitiva de reduzir a complexa e plural realidade política e social em alternativas simples e manejáveis. Embora – e talvez por isso mesmo – sejam poucos os estudiosos que analisam explicitamente a questão como faz Ignazi ou Carter (2005), a maioria dos estudiosos aceita implicitamente a validade da noção de direita ao adotar termos como direita radical e extrema direita, indiscutivelmente as duas principais terminologias utilizadas no campo. Mas também quando usam outras terminologias baseadas em características ideológicas chaves desses partidos, como nacional-populismo por exemplo, supõem-se que essas características, mesmo sendo encontradas em ideologias de esquerda ou de direita, no caso específico dos partidos da direita radical definem partidos situados no campo direito do espectro político-ideológico.

A literatura parece aceitar de forma tácita um conceito de direita cujo sentido se aproxima daquele proposto por Bobbio (1995), isto é, de que a direita está associada a uma atitude mais restritiva em relação ao

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A despeito das possíveis limitações implicadas neste método de medir o posicionamento dos partidos no espaço político (Budge, 2000), Steenbergen e Marks (2007) demonstram não apenas que há notável acordo entre os pesquisadores a respeito da localização dos partidos, mas também que há convergência dos dados produzidos entre essa e outras metodologias empregadas para medir a posição dos partidos no espaço político. Para uma discussão sobre esses outros métodos ver Carter (2005: 103-112).

ideal de igualdade e que esse ideal não pode ser um valor normativo da atividade política.21 A direita radical leva essa premissa um patamar acima ao postular que a natureza humana tende intrinsecamente à desigualdade. Sendo a desigualdade natural, ela é positiva e deve ser reforçada. Nesse sentido, Betz (1993: 413) afirma que a direita radical “are right-wing in their rejection of individual and social equality, in their opposition to the social integration of marginalized groups, and in their appeal to xenophobia, if not overt racism.” No mesmo parágrafo Betz define também o uso que faz da noção de radical: esses partidos são radicais “in their rejection of the established sociocultural and sociopolitical system”, ou seja, desejam uma mudança qualitativa do status quo, embora não cheguem a ser completamente antidemocráticos ou revolucionários.22

Em suma, o fato de que os partidos da direita radical são antiliberais, antipluralistas, autoritários, xenofóbicos e/ou racistas têm profunda relação com uma visão desigualitária da natureza humana e da organização da sociedade e permite caracterizá-los como de direita. Além disso, o fato de que eles também rejeitam o status quo político, econômico e social e propõem uma transformação nas instituições e valores dominantes (ainda que não sob uma perspectiva antidemocrática ou revolucionária) de acordo com aquela visão desigualitária da natureza humana permite situar a direita radical corretamente no campo

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Por exemplo, Mudde (2007: 26): “Following Bobbio, the key distinction in this study will be based on the attitude toward (in)equality: the left considers the key inequalities between people artificial and wants to overcome them by active state involvement, whereas the right believes the main inequalities between people to be natural and outside the purview of the state.” Ver também Carter (2005).

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Betz ainda acrescenta um terceiro elemento à sua definição dos partidos populistas de direita radical (segundo sua terminologia): o populismo. Sua definição completa dessa família fica assim: “Generally, the majority of radical right-wing populist parties are radical in their rejection of the established socio- cultural system and their advocacy of individual achievement, a free market, and a drastic reduction of the role of the state without, however, openly questioning the legitimacy of democracy in general. They are right-wing first in their rejection of individual and social equality and of political projects that seek to achieve it; second in their opposition to the social integration of marginalized groups; and third in their appeal to xenophobia, if not overt racism and anti- semitism. They are populist in their unscrupulous use and instrumentalization of diffuse public sentiments of anxiety and disenchantment and their appeal to the common man and his allegedly superior common sense.” (Betz, 1994: 4).

à direita da direita, isto é, à direita da direita moderada – o que não exclui a existência de partidos situados mais à direita da direita radical, como no caso dos partidos neofascistas.

2.3. Problemas terminológicos: um nome para uma nova