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2. OBJETO DE PESQUISA: O LOCATIVO E O VERBO NA FORMAÇÃO DE

2.3 LOCATIVO: AQUI, AÍ E LÁ

Nesta seção, nos atemos às formas locativas aqui, aí e lá, que são subpartes do nosso objeto de estudo. Com base no princípio da persistência de Hopper (1991), que prevê a manutenção de alguns traços semânticos da forma fonte na forma gramaticalizada, defendemos que traços dos significados originais das formas locativas se relacionam ao uso de LocVconect como um pareamento de função conectora. Tais significados mais elementares, assim, deixam resquícios de alguns traços adverbiais relevantes para o sentido mais novo, como, por exemplo, o de demarcar um ponto convencional no espaço, seja este concreto ou virtual.

Ressaltamos também que, nesta tese, o locativo aí é a forma mais recorrente no preenchimento do slot Loc do esquema LocVconect. A forma locativa aí apresenta-se em três dos seis types: aí está, aí vai e aí vem. Defendemos que o uso frequente dessa forma locativa como instanciação do slot Loc do esquema LocVconect sugere a persistência do traço semântico mais impreciso de aí, o que se relaciona com maior propensão à mudança linguística.

Tal consideração vai ao encontro do estudo de Lima (2009, p. 332), que trata do uso de dêiticos espaciais, como aí, como instrumentos de focalização, isto é, “expressões linguísticas que organizam hierarquicamente os objetos e os fatos do mundo (físicos e os não físicos) na cena comunicativa considerada”. Lima defende que a relação entre dêixis e contexto é muito mais refinada do que, inicialmente, possa parecer e, em contraposição ao dêitico espacial aqui, que possui escopo mais local, o dêitico, com escopo mais difuso, aí:

cria um espaço de expectativa que orienta a atenção para um evento posterior ao momento da enunciação. Trata-se de uma espécie de “reserva atencional”, o que vem provar a capacidade que têm os falantes de se engajarem em diferentes processos de manipulação da atenção (2009, p.336)

Tal traço de orientação para evento futuro do uso de aí como dêitico espacial persiste, nos termos de Hopper (1991), nas combinações aí está, aí vem e aí vai e pode concorrer para a maior instanciação do slot Loc do esquema LocVconect de sequenciação retroativo-propulsora textual. Com base em tal consideração, entendemos que “relações de proximidade e distância estabelecidas no espaço das experiências físicas mantêm-se no espaço das experiências discursivas” (LIMA, 2009, p.350).

Sabemos que há diversas obras tratando dos elementos locativos, mas, para a presente pesquisa, entendemos ser mais interessante, em termos de espaço e concisão, nosso olhar recair sobre o estudo desses elementos locativos na perspectiva de Neves (2000), Tavares (2012; 2009), Oliveira e Barcellos (2012) e Batoréo (2000), uma vez que esses autores, mais ligados a estudos funcionalistas e cognitivistas, se aproximam da abordagem teórica aqui adotada.

Neves (2000, p.256) entende os elementos aqui, aí e lá como advérbios circunstanciais que podem indicar tempo ou lugar, ressaltando a constituição de um complexo modo-temporal que fixa o ponto de referência do evento de fala. Nesse sentido, aqui indica lugar próximo ao falante, aí, lugar próximo ao ouvinte, e lá, lugar distante do falante e do ouvinte.

No viés da autora, essas formas locativas são ainda entendidas como advérbios fóricos, uma vez que remetem a elementos dentro ou fora do texto. Assim, uma indicação circunstancial substancial deve ser recuperada na situação e no texto, referências intituladas, respectivamente, exofórica e endofórica (esta se subdividindo em anáfora e catáfora). A autora ainda destaca que

os advérbios fóricos têm natureza pronominal e, muitas vezes, são chamados de advérbios pronominais ou pronomes adverbiais.

Como mencionamos na seção 2.1, o estudo de Tavares (2012), a respeito do duplo papel anafórico e catafórico desempenhado pelas formas locativas, intitulado sequenciação

retroativo-propulsora, fornece mais um subsídio para a investigação desta tese. Segundo a

autora, em contextos específicos, tais formas podem voltar-se para o enunciado anterior como fonte de informações (anáfora) e, ao mesmo tempo, para o discurso subsequente (catáfora), direcionando a atenção a um enunciado que está por vir.

Por sua vez, Batoréo (2000, p. 244) afirma que “a localização dos objetos pode ser feita de um ponto de vista egocêntrico, isto é, relativamente à posição do observador, ou exocêntrico, em relação a um objecto externo fixo”. Nesse sentido, as formas motivam leituras dêiticas em expressões linguísticas cuja interpretação é centrada no falante (egocentricidade) e dependente do contexto: aqui, local da enunciação da fala; e agora, momento do evento de fala. A partir desse uso dêitico, mais básico, teríamos as leituras fóricas.

Com base em tal proposição, ressaltamos a relevância da referenciação como aspecto precípuo para a compreensão dos fragmentos textuais levantados e analisados. Conforme Batoréo (2000, p. 315):

A referência linguística, para poder ser referência a um mundo tem de ser auto- referência do acto de enunciação a si próprio. Esta referência reflexiva (a sui- referencialidade da linguagem materializada na existência de signos deícticos) é uma operação básica no processo de construção do referente. (...) O estudo da dêixis constitui uma via de acesso à compreensão das operações enunciativas que viabilizam a construção do referente da linguagem.

Tomando como base o parâmetro da granulidade, nos termos da abordagem cognitiva de Batoréo (2000, p. 439), é possível distribuir os locativos espaciais em dois subsistemas: granulidade fina ou estreita, como aqui, e granulidade vasta ou extensa, como lá. Esse parâmetro é tomado da Inteligência Artificial e se refere às diferenças nas regiões de vizinhança dos dois conjuntos. Nesse sentido, os locativos contemplados nesta tese podem ser distribuídos da seguinte maneira: aqui e aí em granulidade fina ou estreita; e lá em granulidade vasta.

Nesta tese, a granulidade concorre para os sentidos instanciados dos pareamentos de função conectiva. Assim, o preenchimento do slot Loc do esquema LocVconect pela forma locativa aqui, de granulidade fina ou estreita, indica grau de envolvimento maior do locutor com o que é dito e, de maneira inversa, o preenchimento pela forma locativa lá indica grau de envolvimento menor com o que é dito, como em:

(15) Houve um longo silencio na sala malva, onde há conversas tão alegres, à hora suave do chá. O barão limpou o monóculo: - Ora, aqui está porque eu estou triste! - Coisas da sua fantasia macabra, fez a severa viscondessa de Santa Maria.

Século XX, Brasil, Ficção (16) Justamente, ele deixou, parece, a caneta. Pôs a caneta a fazer música e letra para as suas músicas, não é? A. M. Lá está, foi uma maneira de se expressar, outras pessoas tiveram outras formas de se expressarem.

Século XX, Portugal, Oral Nos fragmentos (15) e (16), os contextos destacam instanciações de LocVconect. Apesar de os dois tokens contribuírem para a conexão textual, os usos se diferenciam pelo tipo de locativo instanciado no esquema LocVconect. Em (15), o uso de aqui junto à maior subjetividade de estar triste concorre para um envolvimento maior do locutor com o que é dito e, ao inverso, em (16), o uso de lá junto a algo mais geral indicado por outras pessoas tiveram outras formas

de se expressarem concorre para um envolvimento menor.

Além desse parâmetro, outro fator de análise importante são os eixos dos participantes da interação que evidenciam a díade aqui e lá. Desse modo, aqui situa e localiza algo ou alguém em um espaço próximo ao emissor, mais pontual, conhecido e específico; e lá situa e localiza algo ou alguém em um espaço genérico, pouco conhecido ou mesmo desconhecido, como podemos observar em (17) e (18):

(17) Em menos de meio minuto estava de volta, com um cartão entre os dedos. - Aqui está, inspetor. O nome dela é Alba Antunes.

Século XX, Brasil, Ficção (18) E, tirando do binóculo, acertou a lente para o mais adiante. - Estamos chegando moleque, lá está o charque dos Cafuzos, olha com teus olhos, mestiço esperto, pela direita desce o córrego do Paço Raso e da esquerda resvala o rio Taipó.

Século XX, Brasil, Ficção Sendo assim, o locativo aqui situa o cartão próximo ao espaço do falante, entre os dedos, a fim de que este seja entregue ao inspetor, em (17), e o locativo lá, junto aos termos binóculo e mais adiante, situa Charque dos Cafuzos em um lugar mais distante desse espaço, em (18). Esses locativos são de base espacial e integram frames espaciais em que há apontamento para espaços externos relacionados aos contextos pragmáticos apresentados.

As formas locativas também cumprem funções anafóricas, concorrendo para a coesão textual em frames não espaciais. Nesses contextos, há referência físico-virtual, abstrato- temporal ou abstrato-textual (OLIVEIRA e BARCELLOS, 2012) por meio de anáforas, de

catáforas ou dos dois ao mesmo tempo. Tais referências são detalhadas a seguir no capítulo de metodologia.

Esta subseção ratifica, portanto, o tipo de locativo como motivação para a mudança, uma vez que a seleção de determinada forma locativa concorre para o sentido da construção em que aqui, aí ou lá estão inseridos.

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