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Lenda urbana da loira do carro preto causa confusão em delegacia de Manaus

MATHEUS PICHONELLI DA AGÊNCIA FOLHA

2.2 Loira do Banheiro

A Loira do Banheiro trata da aparição do fantasma de uma jovem –loira, pálida, de olhos avermelhados e com sangue escorrendo pelo nariz– que vive nos banheiros dos

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colégios. A trama mais corrente diz que ela teve um caso com um de seus professores; o relacionamento conturbado acabou lhe levando a se suicidar no banheiro do colégio. Há outras versões, como a de que a garota gostava de “matar aula”, esperando o tempo passar no banheiro da escola –até que, um dia, sofre um acidente bobo (como escorregar no piso molhado do banheiro) e morre. Ela “não se conforma” com o fim trágico e prematuro e resolve assombrar o banheiro do colégio onde estudava.

Consegui rastrear a história como contada pelo menos desde os anos 1970 em São Paulo, Ceará e Pernambuco –embora, ao menos desde os anos 1990, ela seja comum em escolas de vários Estados do país. Entre pré-adolescentes, ela é uma das mais populares –se não for a mais popular de todas lendas urbanas. Em sites de relacionamento como o Orkut, há tópicos dedicados a essa lenda em várias comunidades de escolas (são mensagens de ex-alunos relembrando “a época em que se tinha medo da Loira” e de alunos atuais, especulando sobre a existência do fantasma). No Youtube, há 497 vídeos [março de 2010] com a expressão “loira do banheiro”. São curtas-metragens amadores, videomontagens e trabalhos de colégio de vários lugares do país. Entrevistei um grupo adolescente (16 anos, em média) de um colégio de classe média alta de Fortaleza que fez um trabalho de inglês sobre “urban legends”. No vídeo, eles retrataram a Loira do Banheiro e o Homem do Saco. Perguntados por qual motivo eles escolheram essas histórias, disseram.

Um bom exemplo de incorporação –e retroalimentação– da lenda urbana pela cultura de massa é um episódio de 2008 da novelinha teen Malhação (Globo, de seg. a sex., às 17h30). Os principais personagens da temporada discutem se a Loira do Banheiro é ou não uma lenda urbana. O vídeo pode ser acessado em:

http://tinyurl.com/ybwrudp. Outro exemplo, mais voltado para o público infantil, é a historinha “A Loira do Banheiro!”, da Turma da Mônica, cujo trecho é reproduzido abaixo. Terceiro exemplo de como essa lenda pode se inserir na cultura de massa é o filme pornô “Loira do Banheiro”, rodado em 2008 pela produtora X-Plastic. A descrição oficial do filme segue abaixo, ao lado de uma imagem da capa do DVD.

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A característica mais interessante da história da Loira do Banheiro é justamente o ponto ao qual Mônica se refere: a ritualidade. É que para “invocar” a Loira é preciso

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seguir um ritual: pendure um rolo de papel higiênico na porta do banheiro, abra e feche a torneira três vezes, aperte a descarga três vezes e acenda e apague a luz três vezes (há versões nas quais um ou outro passo do ritual é deletado); segundo outra versão: ponha uma tesoura sobre o ralo do banheiro e dê descarga três vezes. Quem me ensinou o “passo a passo” foram secundaristas entrevistados em Fortaleza e jovens em São Paulo.

Apenas um dos jovens entrevistados afirmou ter “visto” a Loira. E ainda assim não foi no colégio, mas em casa –um ponto totalmente fora da curva, já que mais ninguém havia mencionado o medo de a Loira aparecer no banheiro de casa. “Eu tava dormindo e, de repente, apareceu uma coisa em frente à minha cama. Quando vi, tinha uma mulher loira com vestido de grávida. Meu quarto é em frente ao banheiro. A sorte é que meu pai fechou a porta depois e aí ela não apareceu mais”, narrou Werther Barreto Paiva, então com 12 anos, estudante da 6ª série. Apenas na historinha da Mônica a Loira também aparece no banheiro de casa.

A Loira do Banheiro tem semelhanças estreitas com outras três lendas ligadas a tradições culturais diferentes: a Bloody Mary (comum nos Estados Unidos), La Llorona (mexicana) e a Toire no hanako san (japonesa).

A Bloody Mary ou Maria Sangrenta, também conhecida por “I believe in Mary Worth”, é contada ao menos desde os anos 1970. Como a Loira do Banheiro, ela é parte lenda, parte ritual entre adolescentes. A origem do espectro e os detalhes de como invocar seu espírito variam, mas são sempre vagos. Diz-se, por exemplo, que a tal Mary foi vítima de uma tragédia, que a deixou desfigurada e decidida a atormentar jovens, principalmente garotas. Na maioria das versões relatadas, o espírito de Mary aparece no espelho após seu nome ser invocado várias vezes (varia de 3 a 100, segundo as versões). Com suas unhas compridas, ela pode arranhar algum dos participantes do ritual.

“The ritual is performed in groups as a dare, or as a sort of initiation, or as a way of reenacting the legend. The usual procedure is that the participants go to the bathroom, turn all the lights out, and maybe light a candle” (Smith e Bennett, 2008:285). Na lenda Bloody Mary –que virou nome de drink e cuja protagonista é habitué de séries de TV, como “Supernatural”, do Warner Channel–, o ritual parece mais próximo da bruxaria anglo-saxã (tanto que, em uma das versões, dizem que Mary foi uma garota queimada no famoso julgamento das Bruxas de Salem, em 1692).

La Llorona é uma lenda tradicionalmente mexicana. A personagem é o espectro de uma mãe que perdeu o filho –às vezes, diz-se que foi ela mesma quem o afogou. Ela

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é vista em rios, lagos, canais e poços, chorando e chamando pelo filho perdido, e às vezes ameaçando quem atravessa seu caminho. Seu aspecto e comportamento variam bastante de acordo com a versão. Às vezes, ela aparece como uma figura espectral vestida de branco e incapaz de fazer mal; noutras, ela aparece como um fantasma aterrorizante, com unhas longas e “cara de cavalo” (Brunvand, 2001:233).

La Llorona apenas vagamente lembra a Loira do Banheiro. Mas se aproxima muito de uma lenda-prima da Loira, a Mulher do Algodão. Trata-se, novamente, de uma mulher loira com algodão no nariz, que aterroriza os jovens nos banheiros dos colégios. Mas, aí, não se trata mais do espectro de uma jovem ex-aluna, mas de uma mulher adulta, uma mãe que perdera seu filho (ou ela mesma o matou ou ele foi morto por negligência de outrem, segundo reza a lenda). A Loira do Banheiro e a Mulher do Algodão comumente se cruzam. Neste vídeo, por exemplo, um grupo de jovens grava com o celular uma tentativa de invocar a Mulher do Algodão por meio do ritual comumente associado à Loira: dar descarga três vezes etc. (nesse caso, porém, os jovens incluem um passo no ritual: dizer três xingamentos): http://tinyurl.com/yjqah99

A reportagem a seguir, publicada no Diário de Pernambuco em XX de agosto de

1978, não deixa margem à dúvida: a Mulher do Algodão/Loira do Banheiro é uma lenda com mais de 30 anos de idade, por mais que ela, ainda hoje, exale frescor nas escolas.

Fantasma de mulher loura provoca